A Comuna de Paris Segundo Marx e Bakunin
Nildo Viana
As relações Marx-Bakunin são marcadas por ambigüidades e conflitos e muitos, adeptos das teses de um ou de outro, encarnam os rancores, ódios, preconceitos, pontos de vista recíprocos, dos seus inspiradores. No entanto, de acordo com um espírito libertário, devemos abandonar os sectarismos, dogmatismos, a adoração religiosa e o que lhe acompanha (culto à autoridade, acriticidade, eleição de um dogma ou ídolo indiscutível, maniqueísmo). Pensar uma possível conciliação entre marxismo (libertário, isto é, desconsiderando o pseudomarxismo expresso no leninismo e na social-democracia) e anarquismo tomando como base apenas os discursos dos dois autores emblemáticos das duas correntes políticas seria uma tarefa que traria poucos resultados concretos. As idiossincrasias, os problemas de linguagem, os mal-entendidos, os equívocos individuais, a complexidade da luta política e o envolvimento de “terceiros”, o contexto histórico-social, entre outras determinações, podem ofuscar a visão de algo mais profundo. Elegemos a Comuna de Paris como a chave para se compreender a profunda identidade entre o conteúdo (e não a forma) revolucionário das teses de Marx e Bakunin. Iremos, nas próximas páginas, buscar confirmar esta hipótese.
Antes de tratar da visão da Comuna de Paris em Marx e Bakunin é necessário fundamentar as razões deste procedimento para revelar a identidade do conteúdo revolucionário das teses de Marx e Bakunin. Carlos Diaz, autor anarquista, cita uma série de textos de Marx contra os anarquistas e de Bakunin contra Marx e dos “marxianos” e dos continuadores (e epígonos) de ambos uns contra os outros[1], nesta cruzada fratricida (que é fratricida quando se trata de autênticos continuadores de ambos, pois quando se trata de oposição real, como, por exemplo, no caso da deformação bolchevista do marxismo e sua luta intelectual e prática contra o anarquismo não há nenhuma luta entre irmãos e sim luta de classes).
Ele aponta a falibilidade de Marx e Bakunin, cuja percepção é necessária para ir além da aparência e do fetichismo e ver o núcleo revolucionário comum. Segundo Diaz, “reconciliar Marx e Bakunin: tal é a tarefa. Passando inclusive por cima de seus próprios cadáveres, de suas mútuas incompatibilidades, de suas viscerais discrepâncias, sendo forçosamente heterodoxo. Nem Marx, nem Bakunin, nem os clássicos de um ou outro sistema estavam de posse da verdade revelada. Como não era um dogma sua doutrina, ninguém com o dedo em riste poderia proclamar a exclusividade da interpretação. Por outro lado, ao dizer que nem Marx nem Bakunin estavam de posse da verdade quero ser conseqüente afirmando que estavam no erro como os demais mortais. Um dos erros mútuos foi a exacerbação das incompatibilidades mútuas”[2].
Uma das formas de se ultrapassar os “erros mútuos” destes dois representantes do socialismo revolucionário reside na comparação entre a avaliação do movimento operário revolucionário realizada por ambos[3]. A Comuna de Paris, devido sua importância histórica para a luta operária, pode esclarecer pontos fundamentais desta avaliação e por isso a elegemos como fenômeno histórico que permite de forma exemplar tal comparação.
Marx, no Manifesto Comunista, pregava a estatização dos meios de produção[4]. No entanto, após a experiência proletária da Comuna de Paris, ele faz uma revisão e passa a propor a abolição imediata do Estado. Esta revisão, que alguns consideram em visível contraste com a concepção anterior e também posterior de Marx, é, na verdade, o processo de culminação de suas idéias. Assim, temos a posição do anarquista Arthur Lenning, que afirma que tal revisão é um “corpo estranho” na concepção marxista, e a posição contrária de Maximilien Rubel, segunda a qual ela fornece a “forma definitiva” da teoria de Marx[5]. Ficamos com a segunda opção e a análise que faremos a seguir irá fundamentar o motivo de tal escolha.
No caso de Bakunin, sua posição é tida como uma conseqüência natural de suas teses federalistas. Porém, como a Comuna de Paris significou a abolição (temporária, devido sua derrota) do Estado, podemos buscar compreender as avaliações de Marx e Bakunin sobre esta experiência revolucionária a partir de suas visões sobre o Estado.
Antes de abordar a visão do Estado que estava na base da avaliação da Comuna de Paris por parte de Marx e Bakunin, iremos ver a posição de ambos a respeito da primeira experiência autogestionária da história moderna. Ambos concordam que a Comuna significou a primeira grande experiência revolucionária do proletariado moderno. Segundo Bakunin, “o socialismo revolucionário acaba de esboçar uma primeira manifestação brilhante e prática na Comuna de Paris”[6]. Marx, por sua vez, diria que ela era “a forma política afinal descoberta para levar a cabo a emancipação econômica do trabalho”[7].
Para Bakunin, a Comuna representou a recusa do estado, cuja “existência memorável”, marcou uma ruptura com a velha sociedade. A ação espontânea das massas promoveu a destruição do poder do estado. Para Marx, a Comuna significou a luta da classe operária contra o poder centralizado do estado, aparato da classe dominante, sendo também um “autogoverno dos produtores”, marcando a forma de emancipação proletária.
Os escritos de Marx e Bakunin, A Guerra Civil na França e A Comuna de Paris e a Noção de Estado, marcam inúmeras semelhanças, inclusive de detalhes. Ambos percebem o caráter autônomo e libertário da ação proletária, os indivíduos e suas bandeiras muitas vezes equivocadas (ambos se referem a socialistas equivocados no processo da luta de classes durante a Comuna), na falta de tempo da Comuna em realizar todas as suas tarefas, no seu caráter “autogestionário” (sem usar esta palavra, que surge na década de 60, no outro “maio francês”), o antagonismo entre Comuna e estado, etc. Tendo em vista todas estas semelhanças, é justo perguntar por qual motivo elas aparecem e se elas não representam uma concordância no conteúdo revolucionário das posições de ambos.
A origem da crítica ao estado nos dois pensadores é a mesma, mas os seus desdobramentos são diferentes, tal como observou Henri Arvon[8]. O ponto de partida da formação da crítica ao estado de Marx e Bakunin é o mesmo: a crítica da alienação religiosa dos hegelianos de esquerda, especialmente Ludwig Feuerbach, que passaria a ser uma crítica da política. A hostilidade comum para com o estado em Marx e Bakunin, ambos oriundos da esquerda hegeliana, teria aí a sua base. Arvon afirma que, no entanto, há uma diferença essencial entre ambos, pois Bakunin não teria superado o estágio da “crítica da política” enquanto que Marx iria passar, depois de seus escritos de juventude, para a crítica da economia e da sociedade, vendo aí as bases do poder político, compreendendo na luta de classes a origem do estado. Bakunin buscará na similaridade entre “Deus e o Estado” a razão da luta contra o poder político e a percepção de seu caráter nefasto.
Segundo Arvon, “desde então se delineia com clareza a linha divisória entre a noção de Marx e a de Bakunin sobre o Estado. Se, para o anarquista Bakunin, a desaparição de Deus leva consigo, fatal e imediatamente, a do Estado, Marx faz depender a desaparição do Estado do das classes sociais, que não poderá produzir-se da noite para a manhã”[9].
Para Marx, a abolição das classes sociais é precondição para a abolição do estado em geral. Haveria assim durante a passagem do capitalismo ao comunismo, com a destruição da sociedade burguesa, a destruição imediata do poder burguês, do estado capitalista, mas ele significaria a abolição do Estado capitalista, e não do estado em geral. Somente com o fim do processo revolucionário é que se teria a abolição definitiva do estado, já não mais burguês, o que significa que já não é mais um “estado propriamente dito”, pois abole a burocracia, a hierarquia, etc., e conserva do estado apenas sua função repressiva, onde a classe operária enquanto totalidade (e não uma burocracia que fala em seu nome) reprime os resquícios contra-revolucionários, de forma igualitária, horizontal, pois se trata de uma “revolução da maioria”. Este processo revolucionário abrange não uma “etapa do desenvolvimento da sociedade”, tal como pensaram os epígonos de Marx, mas tão-somente o período de derrocada do estado capitalista e de guerra civil, que dura até a derrota completa da burguesia e de seus aliados, o que significa que as classes sociais são definitivamente abolidas[10]. A autogestão operária, realizada pela maioria da população, do período revolucionário, é substituída por uma autogestão generalizada, do conjunto da população, uma sociedade sem classes já constituída. A passagem da primeira fase da sociedade comunista para a segunda é justamente constituída neste processo, não havendo nenhum “período de transição” que formaria um outro tipo de sociedade antes da comunista (tal como na ideologia pseudomarxista da passagem do capitalismo ao comunismo mediada por um regime chamado “socialista”).
Bakunin identifica deus e o estado. Considera deus um absoluto, uma abstração absoluta. Sendo assim, o estado também seria uma abstração absoluta. Partindo da alienação religiosa temos a alienação política. Sendo deus e o estado nada mais que o absoluto, então podem ser imediatamente abolidos. Segundo Arvon, a supremacia concedida por Bakunin ao abstractum absoluto sobre a abstração religiosa e a abstração política produz como conseqüência a idéia de que nada impede, aparentemente, a supressão imediata da religião e do Estado, já que elas não são a causa do abstractum absoluto, mas suas derivações.
Mas qual é a origem deste absoluto? Bakunin considera a escravidão divina e a liberdade como estados mas a libertação como um ato. O homem não estaria dotado de nenhum “livre arbítrio” desde seu nascimento, pois ele se encontra confrontado com os determinismos naturais. É com eles e sobre eles que os homens conquistam progressivamente sua liberdade. Assim, cabe ao espírito humano a tarefa de descobrir as leis que regem a natureza, que determinam o universo e o próprio homem. Mas ao estar submetido a este determinismo o homem não se encontrará eternamente preso? Não, pois ao descobrir estas leis e ao organizá-las de forma harmoniosa, o homem se torna seu “dono”, ao obedecer às leis naturais, o homem obedece, na verdade, aos seus próprios pensamentos. Aqui Bakunin encontra a fonte da liberdade e da escravidão. A busca da liberdade é um “esforço coletivo da humanidade” na qual todos se libertam da tirania da natureza e a sua conquista isolada só pode ocorrer à custa da liberdade do outro, originando a escravidão do homem pelo homem. Um indivíduo é livre somente quando todos os demais também são livres. Por isso a liberdade não é doada e sim fruto de uma luta encarniçada e que marca a história da humanidade. Daí a importância fornecida por Bakunin à educação, à instrução científica e à prosperidade material[11]. No entanto, esta importância com a educação, instrução, etc., não é acrítica e é marcada por uma percepção de suas contradições e do papel dos detentores do poder no sentido de fazer da educação algo conservador[12].
Bakunin recusa o individualismo e vê a luta de classes como elemento fundamental para a transformação social. Segundo Bakunin, “a liberdade dos indivíduos não é um fato individual, é um fato, um produto, coletivo. Nenhum homem conseguiria ser livre isolado e sem a contribuição de toda a sociedade humana”[13]. A emancipação humana só pode ser coletiva, fundada no trabalho coletivo: “o homem só se emancipa da pressão tirânica exercida sobre ele pela natureza exterior com o trabalho coletivo; pois o trabalho individual, impotente e estéril, nunca saberia vencer a natureza”[14]. O estado é um instrumento da classe dominante, que é utilizado para explorar as massas e garantir seu domínio[15]. A libertação humana será obra dos trabalhadores e Bakunin retoma a famosa frase de Marx presente nos Estatutos da Associação Internacional dos Trabalhadores: “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. Assim, a libertação humana se concretiza pela ação das massas destruindo o poder estatal.
Esta análise aponta para semelhanças entre Marx e Bakunin, que, por caminhos diferentes embora às vezes contendo coincidências nem sempre de fácil percepção, apontam para o mesmo processo de abolição do estado e implantação da autogestão social. A Comuna de Paris apresenta para ambos o significado de um ensaio de libertação humana, de realização da ação coletiva emancipatória dos trabalhadores, constituindo uma sociedade radicalmente diferente. Se para Bakunin, anteriormente ao desencadeamento da luta heróica dos trabalhadores durante a Comuna, era visível sua negação radical do estado e sua concepção voltada para sua abolição imediata, no caso de Marx, foi necessário o processo histórico concreto para que esta percepção brotasse. No caso de Bakunin, a identificação entre deus e o estado e a qualificação de ambos como um abstractum absoluto e arbitrário que existe em favor dos dominantes lhe permitiu pensar em sua abolição imediata. No caso de Marx, a sua tese da luta de classes enquanto “motor da história” e que é na experiência histórica e prática do movimento operário que se pode perceber como ocorre o processo revolucionário e como se constitui uma nova sociedade (e não, como para muitos “socialistas utópicos”, através de planos de organização criados arbitrariamente por intelectuais) não lhe permitia apontar este processo antes de uma primeira ocorrência histórica. Por isso, após a Comuna de Paris, Marx altera seu posicionamento e avança no sentido de adequar sua concepção ao movimento histórico do proletariado revolucionário. O proletariado não pode apossar-se da máquina estatal e utilizá-la para seus fins, pois é necessário destruí-lo, tal como fez o proletariado parisiense durante a Comuna.
Como estes dois pensadores com suas diferenças e antagonismos pessoais chegaram às mesmas conclusões? É difícil para aqueles que criticam as autoridades mas se apegam a elas, seja elas vivas ou mortas, do presente ou do passado, individual ou coletivo, concreto ou ideal, aqueles que vivem a luta socialista de forma religiosa, compreender isto, pois a oposição maniqueísta entre o bem e o mal é o único critério válido neste caso e neste eterno conflito nenhuma conciliação é possível. Porém, vislumbramos nesta coincidência o mesmo desejo e compromisso com a libertação humana, e assim no meio das diferenças e conflitos, observamos um fim comum, o que provoca o apoio de ambos à luta operária e à Comuna de Paris. É justamente o conteúdo revolucionário presente nas idéias dos dois pensadores que permitem algumas aproximações, incluindo a avaliação da Comuna de Paris. Sem dúvida, os seres humanos utilizam em sua luta pela libertação de bandeiras, símbolos, teses, idéias, referenciais em geral, inclusive indivíduos que assumem a posição de exemplos a serem seguidos. No entanto, quando isto se torna uma relação invertida, quando as bandeiras, símbolos, etc., se tornam mais importantes e determinantes na luta revolucionária do que a finalidade, temos a repetição do fenômeno criticado tanto por Marx quanto por Bakunin: a alienação (para Marx: fetichismo). O criador se torna criatura no nebuloso mundo fetichista e passa a morrer pelo seu ídolo e na maioria dos casos contra sua própria causa, pois esta se subordinou à idolatria. Um revolucionário autêntico não é aquele que é totalmente fiel a Marx, Bakunin, Debord ou seja lá a quem for e sim aquele que não trai o objetivo final, o projeto revolucionário de libertação humana e constituição de uma sociedade radicalmente diferente, fundada na autogestão social.
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Artigo publicado originalmente em: Revista Letralivre. Rio de Janeiro, Ano 10, no 41, 2004. 23-27. pp.
Notas
[1] DIAZ, Carlos. Marxismo-Anarquismo: Una Releitura. In: BAKUNIN, Mikhail. La Libertad. 2ª edição, Madrid, Ediciones Jucar, 1980.
[2] DIAZ, C. ob. cit., p. 13.
[3] Isto significa romper com o procedimento comum: ver a avaliação de Bakunin feita por Marx e vice-versa. Tal procedimento não consegue recuperar a riqueza do pensamento dos dois autores e nem permite perceber os equívocos mútuos de interpretação. A crítica de Bakunin sobre o “Estado Popular” de Marx – expressão que este nunca utilizou e pertencia ao “marxista” Wilhelm Liebneckt – aponta para uma interpretação que não corresponde ao pensamento marxista, pois o estado não é um “instrumento neutro” e sim uma organização burocrática que reproduz determinadas relações de produção, e que busca se perpetuar e reproduzir. Da mesma forma, o pensamento de Marx sobre Bakunin não estava livre de equívocos e interpretações questionáveis (e a avaliação de Engels é muito mais questionável, problemática e abriu caminho para legitimar a negação do anarquismo pelos pseudomarxistas, além de sua própria análise não ser, ela mesma, marxista).
[4] MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 6ª edição, São Paulo, Global, 1987.
[5] Cf. GUÉRIN, Daniel (org.). Bakunin. Textos Escolhidos. Porto Alegre, L&PM, 1983.
[6] BAKUNIN, Mikhail. La Comuna de Paris e la Noción de Estado. In: Obras de Bakunin. Vol. 2. Madrid, Ediciones Jucar, 1980, p. 188). Veja uma versão incompleta em Guérin, D. ob. cit.
[7] MARX, Karl. A Guerra Civil na França. São Paulo, Global, 1986, p. 76.
[8] ARVON, Henri. Bakunin: Absoluto y Revolución. Barcelona, Herder, 1975.
[9] ARVON, H. ob. cit., p. 67.
[10] Na sua primeira formulação, presente no Manifesto Comunista, a idéia de “estatização dos meios de produção” concede uma ação não somente repressiva da classe operária mas também sua intervenção relativamente centralizada na esfera da distribuição e da produção, que, no entanto, é ação de uma classe ou dos “indivíduos associados”. Mas tal como se vê no prefácio de 1872 a esta mesma obra, este equívoco é desfeito: o próprio Manifesto, segundo Marx e Engels, explica que a aplicação de seus princípios depende das circunstâncias históricas e que por isso “não se deve atribuir demasiada importância às medidas revolucionárias enumeradas no fim do segundo capítulo”. Com o desenvolvimento da grande indústria e do proletariado, e de suas lutas, principalmente a Comuna de Paris, ficou demonstrado que não basta que o proletariado se aposse do estado para realizar seus fins (MARX, K. & ENGELS, F. Ob. cit., p. 72).
[11] Cf. ARVON, H. ob. cit.
[12] BAKUNIN, M. O Socialismo Libertário. 2ª edição, São Paulo, Global, 1979.
[13] BAKUNIN, Mikhail. Conceito de Liberdade. Lisboa, Rés, 1975, p. 23.
[14] BAKUNIN, Mikhail. Ob. cit., p. 23.
[15] “O Estado... é a consagração histórica de todos os despotismos, de todos os privilégios, a razão política de todas as escravizações econômicas e sociais, a própria essência e o centro de toda a reação” (BAKUNIN, M. ob. cit., p. 234).
O texto eh mto bom, mostra bem o problema que todo marxista libertário enfrenta no debate com o anarquismo, isto é, o quanto nossas divisões são frágeis, mais frágeis do que o que nos liga. E o texto nem fala de diferenças meramente conceituais, isto é, de chamar os mesmos objetos e relações por conceitos diferentes e se iludir achando que o debate é mais do que encontrar um termo adequado.
ResponderExcluirTenho uma verdadeira crítica, entretanto. O autor claramente entendeu mau a distinção entre socialismo, primeira fase do comunismo, e comunismo, sua segunda fase. Nesse caso caiu no dogmatismo que tanto critica ao chamar de pseudomarxista o que pensa diferente. Alias toda interpretação diferente acerca do pensamento de Marx vira pseudomarxismo. Bom, não considero que possa haver Estado durante o socialismo, afinal o Estado operário é apenas o proletariado organizado como classe dominante, naturalmente isso exige classe. A ditadura do proletariado é apenas a autogestão proletária que exclui a burguesia do processo de produção. Mas a diferença entre socialismo e comunismo é outra, é econômica. Na primeira fase, mesmo sem dinheiro, salário ou mercadoria a produção é distribuida segundo o trabalho, isso por causa do insuficiente desenvolvimento das forças produtivas e da necessidade de educar os trabalhadores num novo modo de existencia, a propria existencia fará isso, na segunda fase é distribuida segundo as necessidades pq as limitações a produção e a distribuição não existe mais. Até autores anarquistas como James Gulame defendem essa posição. De resto gostei do trabalho. abraços.
vcs realmente tem medo do debate né.... n autprizam nenhum comentário... n sei pq eu ainda tento...
ResponderExcluirGabriel, não tenho medo de nenhum debate... o problema é que as pessoas geralmente tiram conclusões precipitadas... Estou superatarefado (aliás, vivo superatarefado, com atividades profissionais, intelectuais extraprofissionais, etc., etc.) e já deve ter notado que raramente venho colocando atualizações... Além disso, sabe quantos comentários aparecem todos os dias? Acha que tenho tempo para ver todos e além do mais, publicar e responder? Some a isto a questão de que grande parte dos comentários mostram que não entenderam o que foi colocado, e tenho que ficar explicando que "não foi isso o que eu disse"... E ainda tem aqueles que leram um texto sobre determinado tema ou autor ou conhece apenas uma interpretação (a dominante) e julga poder passar por cima das argumentações e ao invés de fazer uma discussão mostrando onde estaria o suposto erro, apenas repetem que "não é isso" sem argumentos. Não estou me referindo a você, mas a vários casos existentes. Agora, um verdadeiro debate, pressupõe busca de compreensão recíproca (o que significa estar aberto para ouvir e tentar compreender os argumentos) e honestidade (não cair no discurso retórico para "vencer o debate mesmo sem ter razão"...). Vou responder o seu comentário acima, mas não posso ficar respondendo todos os comentários e nem publicar afirmações problemáticas sem ter tempo de responder.
ResponderExcluirGabriel, eu não "entendi mau" a distinção que Marx faz entre primeira e segunda fase do comunismo... É você que se equivoca sobre isso... Em primeiro lugar, Marx nunca afirmou que a primeira fase do comunismo se chama "socialismo", isso é invenção do leninismo. O que existe, para Marx, são duas fases do comunismo e pronto. Caso você insista nisso (em relação ao pensamento de Marx, que é o que o texto está discutindo - assim como o de Bakunin), então me mostre um trecho em que ele faça tal afirmação (obviamente, isso não existe...).
ResponderExcluirEm segundo lugar, você coloca:
"Bom, não considero que possa haver Estado durante o socialismo, afinal o Estado operário é apenas o proletariado organizado como classe dominante, naturalmente isso exige classe. A ditadura do proletariado é apenas a autogestão proletária que exclui a burguesia do processo de produção".
O texto não está discutindo o que eu penso e muito menos o que você pensa ("não considero", segundo sua afirmação). O que eu coloquei é que, para Marx, numa determinada fase do seu pensamento, ELE disse que há a estatização dos meios de produção - e coloquei que, ao contrário do leninismo, isto é feito pela classe - e, portanto, sua interpretação é equivocada. Depois afirmo que ele alterou mesmo nesse sentido a ideia (veja minha nota 10), o que significa que, na segunda formulação de Marx, não há nada sobre suposto "estado", nem "operário". Não estava escrevendo sobre o que eu penso, pois para mim, não há, obviamente, estado no comunismo e no processo revolucionário ele deve ser destruído. O que você coloca é o mesmo que Marx afirma e eu disse, porém, havia a primeira formulação de Marx e não é porque ela era inexata e dar margem a coisas que discordo que vou fazer de conta que não existe... isso seria dogmatismo...
Você continua:
"Mas a diferença entre socialismo e comunismo é outra, é econômica. Na primeira fase, mesmo sem dinheiro, salário ou mercadoria a produção é distribuida segundo o trabalho, isso por causa do insuficiente desenvolvimento das forças produtivas e da necessidade de educar os trabalhadores num novo modo de existencia, a propria existencia fará isso, na segunda fase é distribuida segundo as necessidades pq as limitações a produção e a distribuição não existe mais. Até autores anarquistas como James Gulame defendem essa posição".
A sua concepção é correta até um certo ponto. Não sei por qual motivo fez a afirmação, pois não disse nada ao contrário disso... e se ler este e outros textos do Marx, eu digo exatamente isso, pois está no texto Crítica ao Programa de Gotha. A diferença entre o que eu disse e vc é que você usa, equivocadamente uma linguagem leninista: socialismo e comunismo... Na verdade, é a primeira fase do comunismo e sua segunda fase, não existe uma "transição" (no pensamento de Marx). (Formalmente a problema da afirmação de "educar os trabalhadores...", mas é corrigida com a afirmação de que "a própria existência fará isso"... senão daria a entender que alguém, que não a classe, faria isso.
Por fim, um comentário a respeito do "dogmatismo". A palavra é apenas um adjetivo pejorativo quando usado sem fundamentação. Você afirma:
ResponderExcluir"O autor claramente entendeu mau [como coloquei, vc é que me entendeu equivocadamente...]a distinção entre socialismo, primeira fase do comunismo, e comunismo, sua segunda fase. Nesse caso caiu no dogmatismo que tanto critica ao chamar de pseudomarxista o que pensa diferente. Alias toda interpretação diferente acerca do pensamento de Marx vira pseudomarxismo".
Essa acusação sem fundamentação de "dogmatismo" é sem sentido. O que é que tem a ver a questão da distinção entre primeira e segunda fase do comunismo com "dogmatismo"? De quem está falando? Você criou uma distinção entre sua afirmação e a minha que não existe e depois afirma que sou "dogmático" por dizer que alguém é pseudomarxista (sem contextualizar, o que torna difícil qualquer debate, pois trata-se de uma observação abstrata e não fundamentada). No entanto, deve entender o que um autor quer dizer com as palavras que usa. O termo pseudomarxista não é um adjetivo pejorativo... se não entender isso, fica difícil compreender a discussão em geral. Pseudomarxismo é um conceito. Quem discorda de Marx é um não-marxista e somente isso. Pseudomarxismo é um conjunto de correntes ideológicas que se dizem marxistas mas não são. E isto remete para uma discussão sobre o que é o marxismo (veja meu livrinho "O que é marxismo?"...) e ao contrário do que vc pensa, o marxismo não é compreendido por mim como fidelidade ao pensamento de Marx. Isso seria dogmatismo, o pensamento de Marx seria a "verdade revelada". Korsch foi o autor mais profundo na definição de marxismo (obviamente que não vou ter tempo de discutir isso e já fiz isso em alguns textos, desde o livro citado até diversos textos disponíveis nesse mesmo blog), como "expressão teórica do movimento revolucionário do proletariado". Marx foi o primeiro a expressar, teoricamente (outros expressaram sob outras formas) a perspectiva do proletariado revolucionário, por isso ser uma referência básica, mas não única e nem inquestionável. Logo, o pseudomarxismo é a concepção que se diz marxista e lança mão de aspectos do pensamento de Marx, e expressa não o proletariado e sim outras classes. Nesse sentido, são e podem ser chamados de pseudomarxistas. O dogmatismo é se fiar num dogma, um conjunto de preceitos estabelecidos e inquestionáveis e inquestionados. Logo, no meu texto não tem nenhum dogmatismo (se assim fosse, entraríamos numa discussão interminável e infantil, no qual você me chamou de "dogmático" por não aceitar interpretações diferentes e você fez isso por discordar da minha interpretação sobre marxismo que é diferente da sua, logo, aplicando sua própria afirmação a você, vc seria "dogmático"... e as crianças discutem: "vc é bobo" e a outra responde "bobo é vc"... Podemos avançar mais na discussão do que isso... O adjetivo não ajuda na reflexão e aprofundamento.
Por fim, as interpretações diferentes do pensamento de Marx são chamadas de pseudomarxistas? Não, e sim as interpretações que retiram o seu caráter de expressão teórica do movimento revolucionário do proletariado, deformando-o, o que significa uma deformação do seu pensamento (e que não vale para os intérpretes que não se dizem marxistas, pois o termo se aplica apenas aos que se autointitulam assim). Agora, sobre "interpretações diferentes", para o relativismo qualquer coisa é isso mesmo, mas isso é frágil tanto do ponto de vista teórico quanto metodológico (não vou poder desenvolver isso aqui). Existe apenas uma interpretação verdadeira, e existem as interpretações falsas. Nem todas interpretações falsas (ou equivocadas)são pseudomarxistas, pois é um conceito e tem delimitação, o que cabe na delimitação, pode ser chamado de pseudomarxismo, ou seja, uma interpretação que não só deforma o pensamento ou afirmação de Marx, como o faz no sentido de lhe retirar o caráter de classe e afirmar o contrário.
ResponderExcluirBom, infelizmente não vou poder desenvolver mais. Espero que tenha ficado claro o motivo de não responder todos os comentários, pois além do tempo gasto, que não é pouco e tenho coisas urgentes para fazer, como ler textos de orientandos com prazos quase vencidos, pois a realidade é muito maior do que textos disponibilizados na internet, eles são produzidos por seres humanos reais, concretos, com relações familiares, problemas de diversas ordens, trabalho e profissão, necessidades diversas (inclusive de descanso e prazer), atividades políticas, etc, etc.
Abraços,
Nildo.
Mas a Comuna de Paris não significou o fim do Estado. A Comuna ainda tinha funções políticas, como o combate a contra-revolucionários; ou seja, a repressão, característica típica de um Estado. No máximo pode-se dizer que a Comuna de Paris representou o fim dos Estados tradicionais, baseados na clássica divisão entre dirigentes e dirigidos. Mas ainda era uma forma de Estado.
ResponderExcluirDouglas, para haver qualquer debate é necessário a fundamentação. Você afirma que "a Comuna de Paris não significou o fim do estado", mas não fundamentou e o texto acima e até o debate posterior fundamentam que houve abolição do estado. O problema é que você não compreende o conceito de estado no pensamento de Marx e do marxismo. O estado não se define por apenas realizar repressão e por não possuir um conceito de estado e reduzi-lo a qualquer ação repressiva, então verá estado em diversos lugares e momentos. Por conseguinte, ser quer realmente questionar a afirmação e sustentar um debate, defina Estado e depois aponte onde se manteve o Estado e, tal como parece, como pensa em matéria de concepção marxista, então a definição de estado deve ser a da teoria marxista...
ResponderExcluirSó uma pergunta. Eu não estou nem questionando o texto. É só uma dúvida mesmo. É claro que o socialismo não surgirá ao mesmo tempo em todos os países. Ele deve surgir primeiro em um país ou alguns países. Provavelmente esses poucos países socialistas sofreriam imensa perseguição e pressão por parte dos governos capitalistas, tanto do ponto de vista econômico, como político e até militar. A minha dúvida é: como esses países resistiriam essas perseguições e ataques sem um Estado?
ResponderExcluirO conceito de Estado no pensamento de Marx é a organização de uma classe para o domínio sobre outra. E eu creio que fica claro que a Comuna era uma forma de organização da classe trabalhadora sobre a burguesia, inclusive com instituições políticas, como o conselho comunal.
ResponderExcluirBem, na crítica ao programa de gotha fica claro que Marx não reviu suas teses... lá ele diz:
"A esse período corresponde também um período de transição política em que o Estado não poderá ser outra coisa que a ditadura revolucionária do proletariado."
Bom, aqui fica claro a presença de um Estado em um período de transição... sempre lembrando que a duração desse período de transição não pode ser determinada por essa ou aquela pessoa, e sim das circunstâncias. Por exemplo, a capacidade da revolução para se expandir para outros países.
Douglas, a sua análise é parcialmente correta. O Estado é uma relação de dominação de classe, mas há um outro elemento, ele é um aparato, uma burocracia. A dominação de classe ocorre no processo de produção e também no conjunto das relações sociais. No primeiro caso, é a relação direta de exploração e dominação, no segundo caso, é uma relação mediada por uma instituição que é o estado e trata-se de uma organização burocrática. A grande questão não é opor organização e não-organização e sim organização burocrática (tal como o Estado) e não burocrática. A sua interpretação da frase é equivocada por não analisar a questão semântica. O que ele disse é: no período da revolução social o Estado não será o que é, só poderia ser a "ditadura revolucionária do proletariado" (tal como na Comuna...). O problema é que você quer ver, de todas as formas, um "estado" e Marx falhou ao usar essa palavra em dois sentidos, abrindo margem para confusões e interpretações equivocadas como a sua.
ResponderExcluirRodrigo,
ResponderExcluirObviamente que a revolução comunista deve ser mundial e que uma revolução (autêntica)tende a fortalecer as ideias, indivíduos, grupos revolucionários em outros países, bem como a população em geral. E geralmente as revoluções se desencadeiam em mais de um país e em situações de crise (financeira, etc.) que promovem uma efervescência revolucionária). Esse foi o caso do início do século 20: Rússia 1917/21;Alemanha, 1918/21;Hungria, 1919;Itália 1919/20, greves radicalizadas na França e Inglaterra, etc. Nos anos 1960 também houve um processo mundial de acirramento das lutas. A questão, portanto, é se ocorrer um caso semelhante ao da Rússia, então é necessário sustentar a sociedade e para isso já existem armamentos, pessoas (milicias populares, etc.) e manifestações, lutas, tentativas de revoluções em outros paises, inclusive luta na opinião pública para impedir qualquer intervenção direta. Sobre a questão econômica, é no capitalismo e existência de um mercado mundial que é tão necessário o intercâmbio mercantil, não numa sociedade comunista e sobre "política", não sei como isso poderia ocorrer, já que não há reconhecimento mútuo de um país por outro (no caso da Rússia foi uma contrarrevolução burocrática e por isso manteve diplomacia e acordos com países capitalistas).
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Quais fatores determinaram o fim da comuna de paris????
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