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sábado, 18 de setembro de 2010

O Maquiavelismo de Gramsci

O Maquiavelismo de Gramsci
(Notas Sobre Gramsci 03)

Nildo Viana

Maquiavel desejou ser o conselheiro do príncipe e para isto produziu uma obra que certamente foi guia para muitos governantes (Maquiavel, 2001). A leitura de Maquiavel não deixa dúvida sobre seu objetivo de ensinar ao governante manipular as “massas”. Porém, Gramsci faz outra leitura de Maquiavel, e recupera a sua “contribuição”, não para servir ao príncipe e sim ao “povo”. Não deixa de ser curioso esse procedimento e o que fica oculto na leitura gramsciana de Maquiavel (Gramsci, 1988).

O procedimento gramsciano é o seu método filológico, um criador de Frankensteins, que retira algumas frases do livro O Príncipe e após a descontextualização e deformação, transforma Maquiavel em um intelectual preocupado com o povo, um conselheiro do Príncipe que queria ensinar ao povo e não para quem ele presenteava com sua obra e conselhos. Gramsci criou mais um monstro imaginário, o “bom Maquiavel”, “que faz-se povo, confunde-se com o povo” (Gramsci, 1988, p. 4). O motivo disso é bem claro: o Maquiavel conhecido tem que ser substituído por outro, pois somente assim ele é assimilável pela ideologia gramsciana e pode servir ao Partido-Príncipe. Isso faz parte da estratégia gramsciana e maquiavélica de “conquistar os intelectuais tradicionais” e fazê-los servir ao partido, mesmo que, para isso, tenha que transformá-los no oposto do que realmente eram. Essa é a ética gramsciana, a ética maquiavélica.

Na verdade, Gramsci não faz uma leitura rigorosa de Maquiavel, apenas usa seu método filológico, e cria mais um Frankenstein, unindo partes e formando um todo deformado, não tendo nada mais a ver com a verdadeira obra de Maquiavel. Se Maquiavel queria servir ao Príncipe, Gramsci o coloca ao serviço do “partido-príncipe”. O partido-príncipe não é um estado ou é, no máximo, um estado dentro do estado. É um estado repartido, uma parte do estado que quer ser todo o estado, conquistando-o. Ele almeja o poder, não possui o poder. Então como poderia agir como o príncipe? Simplesmente sendo a forma organizativa das classes que ele denomina “subalternas”. Ele age como um príncipe, ou seja, efetiva toda prática maquiavélica para lutar pelo poder.

O partido-príncipe é a questão fundamental do pensamento de Gramsci (Gramsci, 1988). Pois sua discussão sobre hegemonia, intelectuais, reforma cultural e moral, sociedade civil e sociedade política e todos os demais termos, então intimamente ligados, mas sua importância e realização só pode se efetivar através do partido (Viana, 2010). O partido aglutina os intelectuais tradicionais e produz os intelectuais orgânicos das classes subalternas e que tem a responsabilidade de efetivar a reforma moral e intelectual, visando conquistar a hegemonia na sociedade civil e assim preparar o terreno para conquistar a sociedade política, ou seja, o estado.

A sua concepção do papel do partido político é a mesma de Lênin e guarda semelhanças, muito bem observadas por Rodolfo Mondolfo (1967), com Stálin. A sua ideia de fidelidade ao partido, que deveria ser visto como uma “divindade” e “imperativo categórico”, mostra a concepção gramsciana de partido, maquiavélica.

Assim, Gramsci não expressa uma posição do marxismo e sim do maquiavelismo (Viana, 2010). A concepção de Marx é a da “auto-emancipação proletária” e não de elites que supostamente libertariam as “classes subalternas”. Alguns leitores de fragmentos ou de comentaristas acreditam piamente que Gramsci defende algo semelhante a Marx. Claro que isso é mais fácil tendo em vista o exército de não-leitores e mau-leitores de Marx que se dizem “marxistas” e, logo, não entendem o aspecto principal da obra de Marx (sem falar nos não-leitores e mau-leitores de Gramsci). Assim, juntar Marx e Gramsci, se torna possível. As diferenças metodológicas, teóricas, políticas, desaparecem misteriosamente.

Gramsci também deseja ser o conselheiro do príncipe. O partido-príncipe é o órgão da hegemonia que busca criar uma nova hegemonia e caso o sonho gramsciano se realizasse, teríamos o reino da tecnocracia, uma nova forma de dominação já esboçada no partido, no qual os “simplórios” teriam que esperar o processo de transição, tão longo quanto o russo, para chegar à “sociedade regulada”. Não existe nenhuma tese de auto-emancipação na concepção gramsciana e o partido maquiavélico é a prova da concepção gramsciana e sua polêmica com Sorel e os anarquistas deixa claro que não tem nada mais distante da concepção libertária do que o maquiavelismo de Gramsci.

Referências

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, A Política e o Estado Moderno. 6ª edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988.

Maquiavel, Nicolau. O Príncipe. 34ª edição, Rio de Janeiro, Tecnoprint, 2001.

MONDOLFO, Rodolfo. Estudos Sobre Marx. São Paulo, Mestre Jou, 1967.

VIANA, Nildo. Introdução à Crítica da Ideologia Gramsciana. Mimeo. 2010.

3 comentários:

  1. Excelente texto!! Muito bom mesmo! Comentei com um amigo meu e ele ficou fulo da vida! é adepto de Gramsci, resmungou, xingou mas não deu conta de refutar sua análise. você está de parabéns!! ainda bem que tem pessoas como voce escrevendo e analisando os maquiavélicos por aí!

    Edu

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  2. Curiosamente, sempre desconfiei dessa relação entre gramsci e maquiavel. Só perguntaria se não é possível traçar um paralelo entre gramsci e lenin...

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  3. Sim, a interpretação que o Gramsci faz de Maquiavel é no sentido de assimilar e usar o pensamento deste (o que ele mesmo chamava-se de "conquista dos intelectuais tradicionais"), que nada tem a ver com uma interpretação correta do autor e os gramscianos adotam dogmaticamente essa interpretação. Quanto ao paralelo entre Gramsci e Lênin, veja o post: Gramsci, Leninista? Neste mesmo blog.

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