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quinta-feira, 28 de abril de 2016

A Revolução dos Bichos, de George Orwell, em desenho animado




"A Revolução dos Bichos" é um filme sob a forma de desenho animado, de 1954, que é baseado na obra literária homônima de George Orwell, publicada em 1945.

Trata-se de uma metáfora da Revolução Russa e crítica ao processo de burocratização realizado pelo bolchevismo e que gerou o capitalismo de estado na Rússia.

As classes sociais são representadas por animais e os porcos representam os burocratas, que vão se tornando cada vez mais parecidos com os seres humanos, que representam a classe capitalista.

Trata-se da substituição de burgueses (classe capitalista) por burocratas (classe burocrática), que passam a compor uma burguesia de Estado que explora o proletariado através da extração de mais-valor, tal como faziam os capitalistas.

Para compreender melhor o processo histórico da Revolução Russa, existe uma bibliografia útil: "Os Bolcheviques e o Controle Operário", de Maurice Brinton; "A Revolução Russa", Maurício Tragtenberg; os textos de Makhaisky, "A Oposição Operária", de Alexandra Kollontai; "A Revolta de Kronstadt", de Henri Arvon, entre outros. Sob forma sintética, é possível consultar esses artigos:

VIANA, Nildo. Rússia 1917: uma sociedade em transformação. Revista Sociologia, Ciência e Vida. Link: http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/Edicoes/14/artigo69704-3.asp

SANTOS, Leonel Luiz. Revolução Russa e Contrarrevolução Bolchevique. Revista Marxismo e Autogestão. Link: http://redelp.net/revistas/index.php/rma/article/view/9dsantos3/307

Assista o filme:


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sexta-feira, 1 de abril de 2016

Hegemonia e Luta Cultural


Hegemonia e Luta Cultural

Nildo Viana*

A sociedade capitalista se reproduz e um dos grandes obstáculos para sua superação é a questão da reprodução. Essa reprodução é realizada pelo conjunto das formas sociais (jurídicas, políticas, culturais), mais conhecidas como “superestrutura”. É nesse contexto que alguns ideólogos, como Althusser e Gramsci, desenvolverão suas teses da reprodução, e, em outro sentido, outros pensadores farão o mesmo. A reprodução, em Althusser (1985), remete principalmente ao Estado e seus “aparelhos ideológicos” e em Gramsci (1987) ao problema da hegemonia. Sem dúvida, a repressão estatal, a integração via consumo, a burocracia, o “sistema escolar”, entre outros elementos das formas sociais foram também responsabilizados por esse processo de reprodução. A nossa perspectiva é outra. Apesar de existir momentos de verdade em todas essas concepções de reprodução, ainda falta algo mais. Henri Lefebvre (2015), apesar de toda sua imprecisão e confusão, conseguiu se aproximar mais disso ao colocar a questão da totalidade e da contradição. Porém, não conseguiu resolver a questão que estava posta, a da dinâmica da reprodução.

Os Pressupostos

Os pressupostos dos quais partimos são os seguintes. O primeiro pressuposto, a reprodução do modo de produção capitalista e, por conseguinte, da sociedade capitalista como um todo, tem como fonte geradora o próprio modo de produção. É ele que gera as riquezas existentes e o processo necessário para a reprodução da sociedade como um todo, os bens materiais para a sobrevivência da população. Ele é produção e reprodução, pois ao produzir mais-valor e as mercadorias, expande esse processo dominando a distribuição e circulação e mercantilizando tudo, além de gerar a dinâmica histórica da sociedade moderna. As relações de distribuição, constituídas a partir da produção capitalista, são elementos de reprodução e imposição da mercantilização. A acumulação de capital gera concentração e centralização, oligopólios. O capital exerce domínio sobre o aparato estatal e através dele regulariza o conjunto das relações sociais.

O segundo pressuposto é o de que as formas sociais existem justamente para realizar o processo de reprodução da sociedade, o que vale para todas as sociedades, incluindo o capitalismo. As formas sociais, em seu conjunto, instituem relações de reprodução e formas de reprodução do capitalismo. Logo, não se trata de encontrar um aspecto da realidade ou das formas sociais (como a escola, por exemplo) para explicar a reprodução. A reprodução está na totalidade da sociedade e por isso está na totalidade das formas sociais.

O terceiro pressuposto é que, entre esse conjunto de formas sociais, existem algumas que são mais importantes para efetivar esse processo de reprodução. O aparato estatal tem a função de reproduzir as relações de produção capitalistas e o conjunto das relações sociais, ou seja, a sociedade capitalista. A força do aparato estatal é inegável, tanto por seus aparatos especializados, a começar pelo aparato repressivo, passando pelo aparato jurídico, político-institucional e educacional, até chegar ao aparato comunicacional. Ele exerce uma função fundamental de garantir a legitimidade do capitalismo e criação de um conjunto de ideologias, imaginários (representações cotidianas ilusórias), discursos, correntes de opinião, legislação, etc., que são fundamentais para a manutenção da sociedade moderna, bem como é fonte de cooptação e corrupção de movimentos sociais, indivíduos, grupos, etc. Ele é a principal instituição de reprodução do capitalismo (VIANA, 2015a). Ele é fundamental também para garantir a reprodução da acumulação de capital, através de sua intervenção direta, políticas financeiras, investimentos, etc.

O aparato estatal e seus aparatos específicos são fundamentais para a reprodução do capitalismo. No entanto, intimamente ligado a ele e produzido, reproduzido e reforçado por ele, temos a hegemonia. Mas voltaremos a ela mais adiante. A sociabilidade e a mentalidade são outros elementos fundamentais para garantir a reprodução do capitalismo. A sociabilidade, na nossa sociedade, é comandada pela mercantilização, burocratização e competição social (VIANA, 2008). A raiz da sociabilidade capitalista se encontra no modo de produção capitalista e no aparato estatal. O modo de produção capitalista é o principal responsável por esse processo de mercantilização, burocratização e competição, sendo que o aparato estatal é outra fonte desse processo. Uma vez instituída essa sociabilidade, emerge, a partir dela, uma mentalidade burguesa, que a naturaliza, legitima, reproduz. Os indivíduos introjetam em sua mente a burocratização e a necessidade de burocracia são legitimadas e naturalizadas, bem como a mercantilização, onde o dinheiro e o ter se tornam valores fundamentais, legitimados e naturalizados, e a competição, o meio de conseguir ascensão social, cargos e poder, dinheiro e riqueza, também sofre o mesmo processo de naturalização e legitimação. A mentalidade burguesa domina a mente dos indivíduos e não só permitem eles agirem da forma necessária para a reprodução dessa sociedade, mas também criam o desejo e necessidade fabricada de fazê-lo.

O poder financeiro da classe capitalista na sociedade civil (formas sociais privadas) e a força da burocracia nas instituições e sociedade em geral, a serviço do controle social, e a produção de ideologias e imaginários pela classe intelectual, promovem um reforço de tudo isso: modo de produção capitalista, estado, sociabilidade, mentalidade. O poder financeiro da burguesia lhe permite se apropriar dos meios de comunicação, da produção cultural, etc. Dessa forma, ela pode criar um “mundo à sua imagem” (MARX e ENGELS, 1988). Isso também lhe permite o controle sobre suas classes auxiliares (burocracia e intelectualidade), sobre os meios de comunicação, as instituições educacionais privadas, etc. O capital comunicacional (reforçado pelo aparato comunicacional do Estado capitalista) acaba se destacando nesse processo de reprodução do capitalismo. A sua força é inegável e mesmo quando perde parte dela, ainda continua sendo um instrumento poderoso de reprodução. A burocracia exerce o controle social no sentido de reproduzir as instituições, sua estabilidade, a burocratização, etc. A classe intelectual produz ciência, arte, técnica, etc., no sentido de legitimar e reforçar as relações sociais existentes.

Esses elementos estruturais reprodutores da sociedade capitalista convivem com outros, que são também elementos de reprodução, mas são mais variáveis e mutáveis. Aqui entra o caso da hegemonia. A hegemonia, que será definida adiante, tem como base sólida a mentalidade burguesa (e, obviamente, a sociabilidade que está na base desta). A hegemonia burguesa é uma determinada configuração específica da mentalidade burguesa adequadas às tarefas e necessidades momentâneas da classe capitalista. A mentalidade burguesa é permanente, a hegemonia burguesa é mutável. A hegemonia burguesa oferece respostas às tarefas de reprodução imediata do capital e por isso sofre alterações de acordo com a luta de classes ordinárias (um determinado regime de acumulação instituído), diante das lutas políticas, correlação de forças, divisões internas da classe dominante, etc.
A constituição da hegemonia burguesa ocorre via bloco dominante. O bloco dominante é composto pelos setores organizados e mais conscientes da classe capitalista e suas classes auxiliares, embora alguns setores desta estejam no bloco progressista, geralmente representado pelas forças reformistas ou supostamente revolucionárias existentes. Alguns indivíduos dessas classes sociais, especialmente da classe intelectual, podem, no entanto, aderir ao bloco revolucionário. O bloco progressista busca ser uma oposição que aponta para reformas ou mudanças sociais (social-democratas, bolchevistas, filantropos, etc.) e sua base social são os setores mais organizados e conscientes das classes auxiliares da burguesia (aqueles que não estão no primeiro bloco e buscam maior autonomia de classe, geralmente nos chamados “partidos de esquerda” e outros semelhantes). Apesar de sua busca de autonomização e de conquista do poder estatal, bem como sua tentativa de angariar a simpatia das classes desprivilegiadas[1], especialmente o proletariado ou “os trabalhadores”, ele ainda é demasiado preso à hegemonia burguesa. Não há uniformidade no seu interior e a ala mais extremista (geralmente bolchevique mais ortodoxa) se afasta mais da hegemonia burguesa instituída pelo bloco dominante.

Assim, a hegemonia burguesa é instituída não pelo conjunto da classe capitalista, mas pelo seu setor mais organizado, consciente e combativo, isto é, por aqueles que estão aquartelados no aparato estatal (governos) ou em partidos e outras organizações (como fundações, instituições, meios oligopolistas de comunicação, etc.), que aglutina alguns setores das classes burocrática e intelectual. Esse é o setor ativo, que acaba levando a reboque o setor mais passivo. Retornaremos a essa questão adiante.

Algumas outras formas sociais são importantes para a reprodução do capitalismo, mas estas são as mais poderosas forças reprodutivas do capital. Assim, o lazer, as representações cotidianas, etc., são outros elementos de reprodução da sociedade capitalista. O nosso foco aqui, no entanto, será a hegemonia e isso significa que não estamos desconsiderando os elementos acima citados ou outros existentes, mas tão-somente que nosso foco teórico é este. É por isso que aprofundaremos, a partir de agora, a análise do conceito de hegemonia e algumas de suas principais características.

A Questão da Hegemonia

O termo hegemonia tem uma longa história. Os pensadores gramscianos ou interpretes de Gramsci são os que mais discutiram esse termo (GRUPPI, 1991; SANTOS, 1979; BODEI, 1978). A primazia da ideia de hegemonia no edifício ideológico de Gramsci justifica essa importância fornecida a tal termo. Alguns intérpretes do pensamento gramsciano buscam comparar sua concepção com a de Lênin, esta muito mais embrionária e imprecisa. Para Lênin, a hegemonia seria a “capacidade dirigente do proletariado na fase da revolução democrático-burguesa” (GRUPPI, 1991, p. 11). Hegemonia, portanto, seria algo realizado pelo proletariado.

A concepção de hegemonia, em Gramsci, é diferente. Para ele, a hegemonia é a direção moral e intelectual exercida na sociedade civil (GRAMSCI, 1987; GRAMSCI, 1988; GRAMSCI, 1982). Essa direção moral e intelectual é realizada pela classe dominante e é dominada pela ideologia, o cimento da dominação. Essa concepção de hegemonia é distinta da de Lênin por ser mais geral. Lênin pensa em hegemonia apenas do proletariado e Gramsci pensa a hegemonia burguesa e a contra-hegemonia. A concepção leninista é demasiado restrita e ele pouco desenvolveu a abordagem sobre hegemonia. A concepção gramsciana é mais ampla, mas tem um conjunto de elementos complementares questionáveis (partido, conquista do poder estatal, etc.). Assim, devido nossas divergências com Gramsci no que se refere á totalidade do seu pensamento (VIANA, 2015b) e as consequências de sua concepção de hegemonia, entre as quais a possibilidade de uma hegemonia proletária na sociedade civil antes da revolução social, bem como o vínculo da hegemonia com um partido político, descartamos sua concepção e colocamos a necessidade de constituição de uma teoria da hegemonia.

Assim, é necessário apresentar um conceito de hegemonia e, posteriormente, analisar seu processo de constituição, reprodução e crise, bem como na luta cultural existente na sociedade civil. O conceito de hegemonia que utilizamos é o de uma vigência cultural. A vigência significa que determinadas ideias, valores, concepções, ideologias, teorias e representações cotidianas são produzidas e reproduzidas constantemente na sociedade, o que significa que são acatadas por uma parte da população. Uma hegemonia pode existir através da dominação, inércia, confluência e autoformação. A dominação reproduz a afirmação de Marx, segundo a qual, “as ideias dominantes são as ideias da classe dominante” (MARX e ENGELS, 1988). O processo de dominação cultural ocorre via ação do bloco dominante e suas principais formas de imposição hegemônica, como setores da classe intelectual, capital comunicacional, aparato estatal, etc. Isso significa que além da produção de ideias, concepções, ideologias, representações cotidianas, o bloco dominante consegue, via seus mecanismos de dominação, criar os produtores e reprodutores de sua hegemonia. Os produtores são o que Marx denominou “ideólogos ativos” (MARX e ENGELS, 2002) e os reprodutores são os “ideólogos passivos” (MARX e ENGELS, 2002). Esses dois tipos de ideólogos, por sua posição social, acesso aos meios oligopolistas de comunicação, financiamento do grande capital, apoio do aparato estatal, conseguem produzir e disseminar a hegemonia burguesa no conjunto da sociedade, fazendo suas ideias tornarem-se dominantes na sociedade civil.

Essa dominação é uma relação social, o que pressupõe dominantes (o bloco dominante e seu conjunto de ideólogos e demais responsáveis pela produção e reprodução de uma determinada hegemonia), seus mecanismos de dominação (aparato estatal, capital comunicacional, educação formal, etc.) e os dominados. Os dominados são aqueles submetidos a tais mecanismos de dominação cultural (estudantes, constrangidos a reproduzir as ideias dominantes, na educação formal; público do capital comunicacional; cidadãos submetidos às exigências estatais, etc.). Os dominados são constrangidos a aceitar e reproduzir determinada hegemonia e mesmo aqueles que resistem, não escapam totalmente desse processo e muitos nem percebem que estão reproduzindo um processo de dominação que até pretendem combater. A inércia é a forma como a hegemonia se reproduz por parte daqueles que não são diretamente constrangidos, mas que, por influência, comodismo, interesses pessoais, falta de senso crítico, etc., acabam reproduzindo mecânica e automaticamente as ideias dominantes, mesmo aqueles que têm certa discordância em relação a elas ou aspectos delas.

Essa dinâmica acima citada ocorre de acordo com o processo de hegemonia burguesa e, secundariamente, hegemonia burocrática. A hegemonia burocrática é muito semelhante à burguesa e usa elementos idênticos em seu processo de produção e reprodução de ideias, valores, etc. Ela se realiza em concordância com alguns elementos da hegemonia burguesa. Isso ocorre devido ao fato da burocracia e da intelectualidade serem classes auxiliares da burguesia e compartilhar determinadas ideias e valores com a classe dominante e por outros motivos secundários. Entres estes podemos citar os seus vínculos com outros setores de sua classe mais moderados e totalmente subordinados á hegemonia burguesa, a sua ambiguidade que busca unir elementos proletários e burgueses, a tendência de reprodução da hegemonia dominante mesmo por parte daqueles que se dizem opositores do capitalismo, etc. Isso serve para reproduzir a dinâmica da dominação e inércia, só que na pequena escala dos partidos e suas zonas de influência, que em alguns momentos históricos pode se alargar. A inércia ocorre em diversos pontos de tais zonas de influência.

Contudo, a hegemonia proletária possui outra dinâmica de constituição. Ela ocorre principalmente através da confluência e da autoformação. Utilizamos o conceito de confluência no sentido de um processo no qual ocorre uma produção cultural que expressa determinada classe social e seus interesses. Essa produção é realizada por alguns intelectuais engajados, círculos militantes, grupos de jovens e proletários que avançam no desenvolvimento de sua consciência superando a hegemonia burguesa e burocrática. Ou seja, a força propulsora da confluência intelectual que gera a hegemonia proletária é o bloco revolucionário, o setor mais organizado, combativo e consciente da sociedade que expressa os interesses do proletariado e da libertação humana[2]. A confluência, ao contrário da dominação, não tem a possibilidade de constranger as pessoas a aceitarem as ideias, valores, teorias, etc., apresentadas, pois não só não detém o poder financeiro, capital comunicacional, aparato estatal, etc., como entra em confronto com as ideologias, representações cotidianas, valores, dominantes na sociedade e não oferece nenhuma vantagem pessoal ou retorno para os indivíduos. Como está ligado a um projeto de futuro, não oferece vantagens no presente, o que é uma desvantagem numa sociedade competitiva e submetida à mentalidade burguesa.

A força da confluência gerada pelo bloco revolucionário reside em sua proximidade com a realidade (concreta, determinada e não a realidade aparente), a capacidade explicativa da teoria, o compromisso com a verdade, transformação social e proletariado e seu humanismo radical. Em épocas revolucionárias, a confluência assume um caráter contagiante e assim possibilita o avanço da hegemonia proletária no interior das classes desprivilegiadas. Não se trata, pois, de dominação de classe (ou qualquer outra) no plano cultural, como no caso da hegemonia burguesa e sim de expressão do que entra em confronto com o imediato, determinado pelo capital, mas que revela o essencial, os interesses mais profundos daqueles submetidos à dominação e exploração. É por isso que a hegemonia proletária ocorre no interior do bloco revolucionário e não no conjunto das classes exploradas, que estão submetidas à hegemonia burguesa e, em menor grau, à hegemonia burocrática. Essa possibilidade existe não só pela força do bloco dominante (e, secundariamente, do bloco reformista), mas também pela coincidência da hegemonia dominante com os interesses imediatos das classes desprivilegiadas. A hegemonia proletária é coincidente com os interesses históricos e futuros das classes desprivilegiadas. A hegemonia proletária é caracterizada por uma cultura (teoria, representações cotidianas, valores, etc.) que apontam para a libertação humana e autoemancipação proletária, expressando o proletariado como classe autodeterminada e por isso não oferece vantagens imediatas e é tida como “utopia”, no sentido pejorativo do termo. O proletariado como classe determinada pelo capital está sob hegemonia burguesa (ou burocrática) e voltado para sua reprodução no interior do capitalismo e como classe autodeterminada desenvolve a hegemonia proletária, que aponta para a ruptura total e radical com o capital, o que significa sua autoabolição como classe[3].

No entanto, a hegemonia proletária se constitui também através da autoformação. Enquanto a confluência é um processo no qual circulação e reprodução de ideias e experiências permite a adesão e desenvolvimento da hegemonia proletária, a autoformação é um processo no qual um indivíduo ou grupo de indivíduos, devido suas necessidades, valores, interesses, realiza a iniciativa de formação por conta própria, buscando desenvolver sua consciência voluntariamente e de forma autônoma e independente. O processo de autoformação pode ter percalços por falta de informação e acesso a materiais essenciais, mas permite um senso crítico mais desenvolvido e uma autonomia intelectual que permite, desde que se tenha acesso e coerência[4], avançar e assim reforçar a confluência geral da hegemonia proletária. Nesse caso, a confluência e a autoformação se reforçam reciprocamente, especialmente nos momentos revolucionários.

A Luta Cultural

A luta cultural é realizada por todas as classes sociais, mas duas se destacam nesse processo. A burguesia, como classe dominante, e o proletariado, como classe social explorada e revolucionária. A burguesia é, também, a força dominante no interior do bloco dominante e esse aquartela também suas classes auxiliares, a burocracia e a intelectualidade. A burocracia, nesse caso, é moderada e subordinada à burguesia, tal como a intelectualidade. Alguns setores da burocracia e da intelectualidade buscam se autonomizar e por isso assumem posições progressistas e se tornam as principais forças do bloco reformista, possuindo influência sobre as classes exploradas, devido seu discurso eclético que une interesses do capital e do proletariado (como classe determinada). A luta cultural da burguesia se estabelece através do bloco dominante, que reúne, além do aparato estatal e toda sua capacidade de produção, divulgação, manipulação, cultural, as grandes organizações privadas (tais como fundações, tanto as internacionais quanto as nacionais), os partidos políticos, as instituições estatais (universidades e escolas), os meios de comunicação (estatais e o capital comunicacional), a maior parte da classe intelectual, etc.

Além disso tudo, a sociabilidade capitalista e a mentalidade burguesa são elementos determinantes na força da hegemonia burguesa e facilita sua luta cultural, tanto contra o bloco reformista, quando isso é necessário (pois muitas vezes e em muitos casos o que ocorre são alianças, especialmente com a ala moderada). A hegemonia burguesa na sociedade civil tem essas determinações. Assim, a hegemonia burguesa ocorre no conjunto da sociedade, mas existem setores da sociedade nas quais a hegemonia pertence ao bloco reformista ou ao bloco revolucionário, tal como mostraremos a seguir.

A luta cultural do bloco reformista varia com o contexto, podendo ser mais forte e influente num período e menor em outro. A sua luta cultural é realizada principalmente através das organizações burocráticas que acabam se tornando forças intermediárias na sociedade civil, especialmente partidos, igrejas, sindicatos, que visam se autonomizar, seja conquistando o aparato estatal via eleição ou insurreição. Esse processo garante uma hegemonia burocrática em certas organizações, movimentos sociais, setores da sociedade. Assim, setores da burocracia e intelectualidade, alguns indivíduos burgueses e de outras classes sociais, incluindo até mesmo alguns das classes desprivilegiadas que em muitos casos acabam mudando de classe social (entrando nas organizações burocráticas e tornando-se burocratas), são seus principais agentes.

A luta cultural do bloco revolucionário é muito mais limitada, pois não possui os recursos da burguesia (poder financeiro, aparato estatal, capital comunicacional, grande quantidade de intelectuais que funcionam como ideólogos ativos e passivos, grandes organizações burocráticas, aparato educacional estatal, aparato comunicacional estatal, capital educacional, etc.) e nem os do bloco reformista (aparatos partidários e sindicais, organizações burocráticas, grande quantidade de burocratas e intelectuais como dirigentes e ideólogos, etc.). Esse, além de maior parte de seus integrantes não possuírem recursos financeiros (alguns nem mesmo para sua própria sobrevivência), organizações burocráticas, etc., e ter poucos intelectuais e indivíduos oriundos das classes privilegiadas, ainda realiza uma produção cultural que não é adequada à sociabilidade e mentalidade dominantes e nem aponta para a resolução dos problemas imediatos, bem como não oferece vantagens pessoais, além o seu caráter essencialmente crítico-revolucionário. Mas, apesar disso, ele existe e efetiva uma luta sob formas alternativas e tem a vantagem de possuir compromisso com a verdade e com a transformação social, o que acaba aglutinando setores da sociedade, bem como a produção teórica que, quanto mais desenvolvida, aponta para uma análise mais profunda da realidade e crítica das ideologias, imaginários (representações cotidianas ilusórias), projetos alternativos de sociedade, etc.

Os agentes do bloco revolucionário são algumas parcelas da juventude, círculos militantes, intelectuais engajados, proletários e indivíduos mais politizados das classes desprivilegiadas. A fonte dos integrantes do bloco revolucionário advém de determinadas classes sociais, especialmente no período da juventude, que é quando o pertencimento de classe é via família, a não ser nos casos dos jovens das classes desprivilegiadas. Além de parcela da juventude, proletários autodidatas e formados nas lutas de classes, indivíduos mais politizados e atuantes das classes desprivilegiadas em geral, intelectuais engajados (sendo uma parte de origem proletária e outra parte oriunda de diversas outras classes sociais), são os outros componentes do bloco revolucionário.

O bloco revolucionário, ao expressar a hegemonia proletária e apontar para o novo, um projeto alternativo de sociedade, a autogestão social[5], acaba se tornando atrativo para muitos indivíduos, inclusive alguns intelectuais, tal como no caso de Pannekoek, Korsch e vários outros, e outros indivíduos oriundos de outras classes privilegiadas, tal como no caso de Marx. Assim, esses indivíduos e os setores da sociedade acima mencionados, permitem emergir o que Marx denominou como “representantes intelectuais do proletariado” (MARX, 1986). Esses são fundamentais na luta cultural pela hegemonia proletária e, portanto, para a luta operária. A produção intelectual desse setor composto pelos representantes intelectuais do proletariado, ao se unir com as lutas operárias concretas, acaba transformando a teoria em “força material” (MARX, 1968), realizando a fusão entre marxismo (teoria) e movimento operário (LUXEMBURGO, 2009). A quantidade de representantes intelectuais do proletariado aumenta, bem como a qualidade e radicalidade (esta sendo condição daquela) de suas produções intelectuais, em momentos de crise e ascensão da luta revolucionária do proletariado. Os intelectuais vinculados à classe dominante, quando possuem suas condições de vida deterioradas ou em épocas de crise e revolução, tendem a radicalizar e fornecer elementos de cultura e educação ao proletariado, aumentando o número de intelectuais engajados e diminuição de intelectuais atrelados ao capital[6].

Além do mais, como já vimos, com o progresso da indústria, frações inteiras da classe dominante são lançadas no proletariado, ou pelo menos ameaçadas em suas condições de existência. Também elas fornecem ao proletariado uma massa de elementos de educação. Finalmente, nos períodos em que a luta de classes se aproxima da hora decisiva, o processo de dissolução da classe dominante, de toda a velha sociedade, adquire um caráter tão violento e agudo que uma pequena parte da classe dominante se desliga dela e se junta à classe revolucionária, à classe que traz o futuro em suas mãos. Portanto, assim como outrora uma parte da nobreza passou-se para a burguesia, hoje uma parte da burguesia passa-se para o proletariado, especialmente uma parte dos ideólogos burgueses que conseguiram alcançar uma compreensão teórica do movimento histórico em seu conjunto (MARX e ENGELS, 1988, p. 75).

Quando, nesse contexto, ocorre uma produção cultural excepcional, cujo exemplo clássico e maior é Marx, há uma forte contribuição para a luta cultural do bloco revolucionário, pois traz esclarecimento, autoesclarecimento, crítica das ideologias (o que permite ir além das ambiguidades e da confusão entre projeto revolucionário e reformismo ou conservadorismo), compreensão do capitalismo, seu desenvolvimento e tendências, bem como reflexões sobre a sociedade futura, o que permite superar ilusões e elaborar estratégias mais eficazes e assim intervir de forma mais consciente, coerente, organizada e eficaz na luta de classes.

A luta cultural pode e deve ocorrer sob as mais variadas formas, tal como concretamente ocorre. A teoria, a arte, o humor, a propaganda generalizada, a crítica, os projetos alternativos, são formas de luta cultural, bem como isso pode e deve ser feito sob os mais variados meios: livros, revistas, panfletagens, boletins, obras de arte (música, poesia, contos, etc.), uso da internet, etc.

Assim, é necessário compreender que a luta cultural é um elemento fundamental da luta de classes em geral e da luta proletária em particular. A luta cultural do bloco revolucionário é fundamental para a hegemonia proletária. Nesse sentido, o conceito e significado de hegemonia proletária se torna fundamental, além de ser necessário esclarecer sua distinção em relação à concepção gramsciana.

A Hegemonia Proletária

A luta cultural visa promover um avanço da luta operária e das demais classes desprivilegiadas e para isso é necessário a hegemonia proletária. A hegemonia proletária é a vigência cultural marcada pela confluência e autoformação que expressa os interesses históricos do proletariado revolucionário. Nesse sentido, é preciso esclarecer que não se trata da hegemonia da classe proletária tal como existe na sociedade capitalista, ou seja, determinada pelo capital, pois nesse caso está sob hegemonia burguesa ou burocrática. É por isso também que a hegemonia proletária, em momentos não revolucionários, só ocorre em setores da sociedade, que varia de acordo com as lutas de classes, produção cultural, entre outros processos sociais. Ela é mais comum em certos setores da juventude, da intelectualidade (os intelectuais engajados), círculos militantes e proletários, tendências revolucionárias dos movimentos sociais, entre outras possibilidades mais raras. A tese gramsciana de conquista da hegemonia na sociedade civil antes da revolução social é uma ilusão e só tem sentido em sua abordagem, que aponta para uma hegemonia burocrática (MONDOLFO, 1967; VIANA, 2015b; GARCIA, 1980).

A hegemonia proletária na sociedade civil só emerge como possibilidade em épocas de radicalização da luta de classes, especialmente nos momentos revolucionários. Porém, mesmo nesse caso não é uma hegemonia automática e tão estabelecida como a burguesa. Ela é uma possibilidade e para se concretizar depende da luta cultural anterior, antes do momento revolucionário, da força das classes sociais, da produção cultural anterior e atual. A sua força depende de sua capacidade de dar respostas, apontar estratégias e soluções, de crítica e superação teóricas das ideologias, expressar os interesses do proletariado no sentido de conseguir contemplar as tarefas históricas e imediatas postas no processo revolucionário.

Isso depende do processo cumulativo que se concretiza no decorrer da história das lutas de classes, envolvendo diversas determinações e processos sociais. A produção intelectual, teórica, pode ser marginalizada, deformada, esquecida, etc., e precisa ser retomada, desenvolvida e ampliada. Da mesma forma, as experiências revolucionárias e o saber proletário também são submetidos à mesma dinâmica. As experiências autogestionárias e as formas de auto-organização e autoformação desenvolvidas precisam ser preservadas, desenvolvidas, atualizadas.

Quando não são preservadas, precisam ser recuperadas. No entanto, isso precisa ser realizado sob forma crítica-revolucionária, ou seja, compreendendo os limites históricos de cada contribuição. A contribuição de Marx não poderia abarcar uma análise da classe intelectual, em processo de formação em sua época, nem apontar claramente os perigos da contrarrevolução burocrática, apesar de suas críticas à burocracia, pois o surgimento da socialdemocracia e bolchevismo é posterior, bem como suas ações contrarrevolucionárias. A experiência da Revolução dos Cravos, por sua vez, deve ser entendida em seu contexto e limite, tal como as demais revoluções proletárias inacabadas. Isso se deve ao fato de seu próprio inacabamento e que por isso a mera apologia sem a compreensão dos seus limites, permite reproduzir os mesmos equívocos que, entre outras determinações, permitiram a sua derrota. A afirmação de que os trabalhadores portugueses não deveriam decretar autogestão e formação dos conselhos de trabalhadores (MAILER, 1978), é equivocada, apesar dos diversos acertos do autor. O problema não estava na formação dos conselhos de trabalhadores e autogestão das fábricas e sim ficar apenas nisso, não conseguir das os passos seguintes que permitiram a superação do capital e do aparato estatal. Essa, inclusive, é uma reflexão fundamental para as lutas proletárias do futuro. Assim, evitar a apologia, que significa aceitar os limites e reproduzir os equívocos, bem como evitar a crítica sem uma perspectiva autogestionária, revolucionária, comunista[7]. A perspectiva autogestionária é a do proletariado como classe autodeterminada e da sociedade futura e não do proletariado que fica no meio do caminho, apesar de seu avanço e autonomização. Isso, inclusive, deveria ser objeto de reflexão dos analistas para avaliar as revoluções proletárias inacabadas, pois o grau de inacabamento é variável. O inacabamento da Revolução Portuguesa é muito maior do que da Revolução Russa, para comparar apenas dois exemplos. O estágio da luta proletária em Portugal ficou num grau muito mais limitado do que o russo.

Esses processos históricos remetem ao caso da hegemonia proletária. No caso russo, a hegemonia proletária era mais forte e presente nos meios operários. Já existia um embrião com a divulgação do pensamento de Marx e com a produção de Makhaïsky, entre outros elementos (incluindo os vislumbres de Parvus e do Jovem Trotsky, para citar mais alguns exemplos). O desencadeamento da revolução, no entanto, não marcou um grande desenvolvimento desta hegemonia e o bolchevismo ocupou o lugar do proletariado, tanto cultural quanto político. O lugar do proletariado em relação ao político seria a generalização da autogestão e destruição do aparato estatal, enquanto que isso não ocorreu e assim o que existiu foi uma dualidade política da autogestão da produção e manutenção do poder estatal burguês. O bolchevismo aproveitou a indefinição (o poder estatal burguês não conseguiu destruir os sovietes – conselhos operários – formas de auto-organização dos trabalhadores que também efetivava a gestão da produção, e o proletariado não conseguiu destruir o aparato estatal, no período que vai de fevereiro a outubro) e foi buscando a hegemonia no movimento operário desde abril e, ao conseguir um significativo apoio proletário, conseguiu a tomada do poder estatal burguês.

Nesse sentido, a hegemonia proletária era frágil e restrita a círculos limitados, mas com um grande potencial, pois as lutas e formas organizativas apontavam para sua concretização prática. No entanto, o bolchevismo exerceu uma função contrarrevolucionária e foi constituindo uma hegemonia burocrática e enfraquecendo a hegemonia proletária e sua tendência de fortalecimento. Isso se deve ao fato da fraqueza do bloco revolucionário, que não conseguiu acompanhar as lutas proletárias e tinha dificuldade de identificar no bolchevismo uma tendência contrarrevolucionária.

No caso da Revolução Portuguesa, o que ocorreu foi diferente. Já existiam mais elementos propícios para uma hegemonia proletária, pois a própria experiência da contrarrevolução bolchevique e as práticas do bloco reformista já apontavam para esse processo. Os trabalhadores, em grande parte, já recusavam as práticas bolchevistas. No entanto, não tinha projeto alternativo, o que revela, novamente, a fraqueza do bloco revolucionário. Este, inclusive, foi formado, em sua maior parte, no calor da luta. Logo, além da fraqueza organizativa e quantitativa, ainda tinha debilidade teórica e estratégica. A reflexão pós-revolução de Phil Mailer (1978) e Maurice Brinton (Apud MAILER, 1978), este do grupo inglês Solidarity, demonstra a sua permanência mesmo depois das lições da luta operária em Portugal. As outras revoluções proletárias inacabadas mostram elementos semelhantes aos dois exemplos aqui aludidos.

A partir destas reflexões, é possível discutir dois aspectos fundamentais para a hegemonia proletária: a sua dinâmica cumulativa e a estratégia para fortalecê-la. A dinâmica cumulativa da hegemonia proletária precisa ser reforçada em momentos não-revolucionários, pois assim permite um maior avanço pré-revolucionário e, portanto, no momento revolucionário, em vários aspectos (rapidez, qualidade, força, etc.). É por isso que a produção e divulgação teórica é um dos elementos fundamentais nesse processo. Ao lado disso, o aumento do número de teóricos é fundamental. O crescimento da quantidade (e qualidade, o que é uma tendência ocorrendo aumento quantitativo) de intelectuais engajados é fundamental. O mesmo vale para os círculos, grupos e organizações revolucionárias, que não só podem e devem contribuir com a produção e divulgação teórica, quanto também na sua divulgação sob forma mais simples junto à grande maioria da população, ou seja, nas classes desprivilegiadas. Nesse campo, diversas outras formas de produção cultural ganham espaço, como artes (música, histórias em quadrinhos, cinema, etc.), formas de propaganda e divulgação (panfletos, humor, pichações, etc.), entre diversas outras.

No entanto, a produção teórica assume uma importância fundamental, já que ela é não só fonte de compreensão da realidade contemporânea e base das críticas das ideologias e da força hegemônica burguesa (bloco dominante e hegemonia burguesa) e burocrática (bloco reformista e hegemonia burocrática), como também base necessária para a elaboração de uma estratégia revolucionária, o que é essencial para o bloco revolucionário e luta proletária. O processo de divulgação, propaganda, luta revolucionária, ganham em força e eficácia através de uma consciência correta da realidade e percepção mais ampla da complexidade da luta de classes na sociedade capitalista. As minorias revolucionárias devem se ampliar em quantidade e consciência e ao fazê-lo, reforçam o processo cumulativo de autoformação e desenvolvimento do bloco revolucionário[8].

A fraqueza da hegemonia proletária significa força da hegemonia burocrática ou burguesa. Esse é um obstáculo tanto para o desencadear de uma revolução como para sua vitória. As manifestações de junho de 2013 no Brasil mostrou justamente isso. A hegemonia proletária era muito diminuta, atingindo a pouquíssimos indivíduos e grupos. A maior parte do bloco revolucionário era formada por militantes sem formação mais profunda, por intelectuais e ativistas rebeldes e sem grande percepção teórica ou estratégica. O bloco revolucionário, como um todo, até que aglutinava um conjunto razoável de indivíduos, mas sua ala semiproletária era a maioria esmagadora e por isso não contribuiu efetivamente com a passagem da luta espontânea para uma luta autogestionária. Alguns poucos tentaram analisar corretamente a situação e propor um caminho que apontasse para a hegemonia proletária (MARQUES, 2013; MAIA, 2013; VIANA, 2013a; VIANA, 2013b), mas não foi suficiente forte para conseguir algum resultado, pois o outro setor do bloco revolucionário preferia o obreirismo e praticismo, e o recuo veio rapidamente. A falta de hegemonia proletária provocava, portanto, falta de estratégia revolucionária por parte da maioria do bloco revolucionário e, ao mesmo tempo, falta de objetivo para as classes desprivilegiadas e demais envolvidos nas manifestações, o que inclui falta de um projeto alternativo de sociedade.

Assim, é necessário perceber que o combate à hegemonia burguesa e burocrática é algo necessário e faz parte das tarefas da hegemonia proletária, incluindo a luta contra a social-democracia e bolchevismo. No entanto, isso é insuficiente e até problemático se ficar apenas no negativismo, no “antitudo” (como alguns que se diziam antimercado, antiestado, anticapital, antiparlamento, etc., e não eram a favor de nada, ou seja, não apresentam nenhuma alternativa). Isso serve apenas para perder espaço que será ocupado pelos setores progressistas (bloco reformista) que apresentarão proposições, propostas, promessas. As classes desprivilegiadas, sem projeto alternativo, podem ficar perdidas mesmo se autonomizando e não começar a constituir o novo.

Nesse sentido, a utopia[9] é uma necessidade da luta proletária e a própria teoria além de expressão da realidade concreta é também consciência antecipadora, pois percebe no real sua negação, suas tendências, suas potencialidades e sua finalidade é a transformação social. A hegemonia proletária, que a hegemonia da “classe que traz o futuro em suas mãos” (MARX e ENGELS, 1988, p. 36), significa a vigência de um projeto alternativo de sociedade nos meios em que existe. A juventude, um dos setores mais atuantes e presentes no bloco revolucionário, se afastou do projeto utópico com a crise do bolchevismo e emergência da hegemonia pós-estruturalista, bem como intelectuais e outros setores da sociedade. Isso precisa ser revertido, bem como as deformações do projeto autogestionário (democratismo, economia solidária, etc.) devem ser combatidos.

Esses aspectos são fundamentais e por isso precisam ser recapitulados: a importância da solidez teórica (com sua ampliação quantitativa e qualitativa), a propaganda generalizada e divulgação da teoria, a existência de um projeto utópico e sua ampla circulação na sociedade. Sem dúvida, cada um destes elementos possuem diversas formas e elementos que precisariam ser aprofundados e detalhados, o que já foi esboçado e apresentado em diversas oportunidades, e que aqui cabe apenas destacar e colocar sua importância para a hegemonia proletária.

Nos momentos revolucionários, esse processo se amplia, tanto tendencialmente quanto concretamente. Mas para que já tenha uma base forte que contribua com a vitória do processo revolucionário, quanto mais enraizada na sociedade, quanto mais forte for o bloco revolucionário e mais coerente, organizado, consciente, ele for, mais a possibilidade de revolução proletária vitoriosa e libertação humana se torna próxima e concreta.

Regimes de Acumulação, Luta de Classes e Renovação Hegemônica

A hegemonia burguesa precisa sempre se renovar com as mutações dos regimes de acumulação. Denominamos esse processo como “renovação hegemônica”. A renovação hegemônica é formal e substancial, que são inseparáveis. O aspecto formal da renovação hegemônica pode ser entendida como renovação linguística, caracterizada pela formação de uma novilíngua (um novo léxico ligado às ideologias emergentes) e ressignificação de termos de uso anterior. Assim, emergem novos termos, como “globalização”, “subjetividade”, “pós-modernidade”, “multiculturalismo”, “gênero”, e, ao mesmo tempo, outros termos são mantidos mas sob novo significado, tal como “participação”, que tinha um caráter no período integracionista e ganha novo significado no período neoliberal ou “capitalismo” quando é inserido no interior de reformulações ideológicas como em “capitalismo cognitivo”. Essa renovação linguística, formal, apenas concretiza a renovação substancial, expressa no conteúdo novo que emerge. Assim, “globalização” é um termo novo que foi apresentado com fatalismo e determinismo, invertendo e naturalizando a realidade (VIANA, 2009; BOURDIEU e WACQUANT, 2013). Esse processo de renovação hegemônica tem o objetivo de justificar, legitimar, naturalizar, fortalecer e/ou impor o novo regime de acumulação e garantir a estabilidade do capitalismo.

Os regimes de acumulação expressam mutações no interior do capitalismo, no qual o modo de produção capitalista se reproduz em seus elementos essenciais (inclusive sua necessidade de desenvolvimento) e ele e a sociedade capitalista, em sua totalidade, se altera formalmente. O regime de acumulação é um determinado estágio da acumulação capitalista, no qual o processo de valorização (expresso nas formas de organização do trabalho), de forma estatal e exploração internacional se organizam visando garantir a reprodução das relações de produção (VIANA, 2009; VIANA, 2015a). Na história do capitalismo, existiram quatro principais regimes de acumulação nos países imperialistas: o extensivo (da revolução industrial até final do século 19); o intensivo (que vai do final do século 19 até 1945); o conjugado (de 1945 a 1980) e o integral, que é o atual e que tem sua constituição a partir de 1980.

Em cada regime de acumulação, ocorre uma mutação cultural e a mentalidade dominante, capitalista, se mantém, mas muda e assume formas que revelam alterações na hegemonia burguesa. Como isso já foi abordado anteriormente, passaremos a tratar apenas da renovação hegemônica que ocorre com a emergência de um novo regime de acumulação. A época do regime de acumulação extensivo foi marcado pela hegemonia burguesa renovada, que suplantou as ideologias e concepções burguesas anteriores, tal como o iluminismo[10]. A renovação hegemônica significa a suplantação de uma hegemonia por outra. Nesse momento histórico, o positivismo emerge e traz consigo o cientificismo e outros elementos inovadores, apesar de reproduzir alguns elementos presentes no iluminismo, tal como aspectos da obra de Montesquieu e outros que antecederam algumas teses positivistas. É a época de surgimento das ciências humanas e da proliferação de “novas ciências”. No plano político, a renovação hegemônica aponta para o liberalismo e sua concepção de livre mercado, concorrência, etc. e valoração do indivíduo, concebido como o indivíduo burguês, tal como o de Bentham, criticado por Marx (1988).

A renovação hegemônica durante o regime de acumulação intensivo suplanta a hegemonia anterior. O positivismo e o cientificismo mantém sua força, mas sob novas formas. O darwinismo ganha força e passa a ser usado para justificar o neocolonialismo e imperialismo (posteriormente recebe o rótulo de “darwinismo social”). No plano político, as ideologias liberal-democráticas avançam e também a ideologia social-democrata e, após 1917, a ideologia bolchevique. A renovação hegemônica durante o regime de acumulação conjugado já aponta para a hegemonia do funcionalismo (EUA), estruturalismo (França e Europa Ocidental), e, com menos impacto, a “teoria” (ideologia) dos sistemas, existencialismo, etc. No plano político, a ideologia estatista, tanto keynesiana quanto social-democrata, ganha força, ao lado de outras ideologias menos fortes, como eurocomunismo. No capitalismo subordinado, o bolchevismo possui mais força ao lado do nacionalismo e outras ideologias.

A crise do regime de acumulação conjugado faz nascer a nova hegemonia de acordo com a ascensão do novo regime de acumulação, o integral, através do pós-estruturalismo nas ciências humanas e pós-vanguardismo nas artes, ideologicamente chamados de “pós-modernismo” e no plano político o neoliberalismo assume a posição principal. Essa nova hegemonia vai se generalizando, e como em todos os casos anteriores, vão invadindo até mesmo o pensamento oposicionista. Esse é o momento histórico atual e por isso ganha importância fundamental sua compreensão para a luta e hegemonia proletárias.

O desafio hoje é justamente combater a nova hegemonia burguesa através de uma luta cultural proletária, criticando desde suas formas complexas, ideológicas, às suas reproduções ilusórias na forma de representações cotidianas, para assim fazer avançar a hegemonia proletária. Essa luta vem sendo desenvolvida no interior do bloco revolucionário e começou a ganhar maior folego a partir de 1999 e de lá para cá teve alguns altos e baixos, sendo que o aumento da quantidade de grupos e indivíduos oposicionistas, em sua maioria, não parte da perspectiva proletária e alguns, que possuem tal pretensão, apresentam um vínculo muito limitado, especialmente devido às influências das ideologias dominantes e dogmatismo. Nos últimos anos, esse processo de avanço do bloco revolucionário vem ocorrendo em ziguezague, com avanços e recuos, sendo que a classe dominante vem sendo habilidosa em criar divisionismo no interior dos setores insatisfeitos da sociedade.

O caso exemplar é o brasileiro, no qual as manifestações populares de 2013, que tinha tudo para desembocar numa politização e fortalecimento do bloco revolucionário, acabou gerando um recuo e desvio da luta para questões de grupos ao invés de classes e nisso até os partidos ditos de “esquerda” colaboraram e continuam colaborando, seguindo a agenda eleitoral secundária das eleições de 2014. Assim, duas polarizações que a classe dominante no Brasil conseguiu impor, a eleitoral (PT versus PSDB, que continua após as eleições com a proposta de Impeachment da presidente eleita) e a entre “moralistas conservadores” (Igrejas e setores da sociedade a favor da família, religião, etc.) e “moralistas progressistas” ou mesmo “imoralistas” (os setores “progressistas”) (VIANA, 2015e).

Assim, a situação, no Brasil, tal como em outros países, depende da força e ação do bloco revolucionário e do movimento operário. O primeiro, além de sua divisão interna e sua parte proletária ser ainda demasiadamente fraca, precisa superar seus limites e contribuir mais efetivamente com as lutas operárias. O segundo, a grande esperança, envolvido pela hegemonia burguesa e burocrática, não vem demonstrando iniciativa, a não ser em casos isolados e setores específicos, o que dificulta a hegemonia proletária e o trabalho do primeiro.

Considerações Finais

A hegemonia proletária é um horizonte possível, mas depende da luta de classes e da capacidade do proletariado e do bloco revolucionário de tomar iniciativa e avançar, tanto no âmbito teórico e cultural, quanto no político e organizativo. Isso vem ocorrendo, vagarosamente, mas que, apesar de seus limites, pode contribuir com o processo cumulativo que, por sua vez, pode dar um salto com uma nova ascensão das lutas. Isso não parece distante em alguns países, tal como o Brasil, pois a crise da política institucional e a crise financeira tendem a fortalecer essa tendência. O trabalho de toupeira pode, enfim, emergir e fortalecer a tendência de uma nova vaga revolucionária.



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*Professor da Faculdade de Ciências Sociais e Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela UnB e pós-Doutor pela USP. Autor de diversos livros, entre os quais “As Esferas Sociais” (Rio de Janeiro: Rizoma, 2015); “O Capitalismo na Era da Acumulação Integral” (São Paulo: Ideias e Letras, 2009); “Os Movimentos Sociais” (Curitiba: Prismas, 2016), entre outros.

[1] No presente texto, classes desprivilegiadas significa as classes que estão submetidas ao processo de exploração, dominação, marginalização, etc., incluindo o proletariado, o campesinato, o lumpemproletariado, os artesãos, os subalternos, etc. O termo classes privilegiadas, por sua vez, remete à classe capitalista (a burguesia e suas diversas frações) e suas classes auxiliares (burocracia e intelectualidade), latifundiários e outros que vivem da exploração ou de rendimentos doados pela classe dominante. Para uma análise das classes sociais no capitalismo contemporâneo, sugerimos a leitura de nosso livro A Teoria das Classes Sociais em Karl Marx (VIANA, 2012), que além da parte que busca reconstituir a concepção de classes de Marx, aponta, em sua segunda parte, para alguns desenvolvimentos e desdobramentos das classes sociais de acordo com o desenvolvimento capitalista.

[2] O que não significa que não existem subdivisões, aliás, como também ocorre no bloco dominante e no bloco reformista. O bloco revolucionário é composto por uma ala proletária, coerente e mais organizada e fundamentada, e uma ala semiproletária, que inclui aqueles que estão na fronteira entre o bloco reformista e o bloco revolucionário, os rebeldes, os insatisfeitos, que, no entanto, não possuem uma maior coerência (de classe) e maior capacidade organizativa e desenvolvimento da consciência revolucionária. Nesse campo também se encontram muitos proletários que, apesar do pertencimento de classe, não ultrapassam o nível da revolta e insatisfação, gerando recusa sem um projeto alternativo de sociedade ou uma percepção mais desenvolvida da mesma. A confluência, nesse caso, acaba se dividindo em dois campos, sendo que a ação recíproca de ambos permite deslocamentos individuais e até grupais. Em épocas de estabilidade, a ala semiproletária é amplamente predominante e nos momentos revolucionários a ala proletária se torna hegemônica, fortalecendo a hegemonia proletária internamente e externamente. Isso, obviamente, depende de alguns elementos que podem facilitar ou dificultar tal processo, entre os quais a produção teórica, a capacidade de iniciativa, etc., dos setores da ala proletária.

[3] É por isso que o reboquismo (e o obreirismo, uma de suas formas de manifestação) é uma reprodução da hegemonia burguesa no interior do movimento operário, já que fica nos limites do proletariado como classe determinada pelo capital.
[4] Aqui se trata de coerência valorativa, de interesses e sem apego a doutrinas e concepções num sentido dogmático e sem cair, também, no ecletismo ou amálgama.

[5] Autogestão social aqui tem o mesmo significado que “comunismo”, para Marx (e não para os pseudomarxistas e não se confunde com formas de capitalismo reformado, seja o proposto pela social-democracia, seja o capitalismo estatal implantado pelo bolchevismo).

[6] Os intelectuais engajados são aqueles que assumem os compromissos apontados por Sartre (1994) e se distinguem de outros intelectuais, que denominamos hegemônicos, dissidentes, venais, amadores e ambíguos (VIANA, 2015c; VIANA, 2015d).

[7] Essa concepção é muito comum, principalmente no caso dos bordiguistas, que sempre criticam pela falta de um “programa comunista”, que, no entanto, eles nunca explicitam o seu significado e o que é isto realmente. No fundo, o bordiguismo com seu economicismo regride às concepções abstratas de Marx antes da Comuna de Paris (MARX e ENGELS, 1988), ao invés de avançar, ou seja, partir do estágio superior da teoria marxista original (de Marx) da autogestão inspirada na Comuna de Paris, e a desenvolver, acabam regredindo e se mantendo num nível abstrato de compreensão do comunismo e assim realiza uma pseudocrítica aos comunistas de conselhos e experiências revolucionárias do proletariado, tal como se vê em Jean Barrot e Denis Authier (1975;1978).

[8] Isso também serve ao indivíduo, tanto em sua luta quanto vida cotidiana. Assim, todo militante revolucionário que queira algo mais do que benefícios pessoais ou expressar revolta, deve aprofundar as pesquisas e reflexões, apesar dos inúmeros obstáculos para isso. Para alguns indivíduos, o pertencimento de classe é um obstáculo (falta de tempo, cansaço, etc., para os que são proletários e de outras classes desprivilegiadas), a dificuldade de acesso a teoria, os bloqueios psíquicos que acometem outros, o dogmatismo, as influências sociais (das ideologias vigentes e da hegemonia burguesa ou burocrática, etc.). No entanto, a luta deve ser permanente nesse caso e também é necessário colocar como uma das prioridades de quem luta por uma nova sociedade, o que significa que é necessário abandonar os aparelhos tecnológicos (celulares, computadores, videogames, etc.) e meios de comunicação (TV, Internet, etc.) que absorvem grande parte do tempo que poderia ser gasto de forma mais rica e enriquecedora, tal como na formação intelectual.

[9] Aqui usamos utopia no sentido blochiano de “utopia concreta”, sendo o marxismo a sua forma mais desenvolvida de manifestação.

[10] “Suplantar”, aqui, significa conservar e transformar ao mesmo tempo. É um equivalente ao termo hegeliano “superação” (aufheben), que significa, simultaneamente, guardar e abolir, ou conservar e finalizar. Ou seja, suplantar significa uma mutação parcial, uma mudança que não é total, pois conserva elementos do que foi suplantado. Isso difere da categoria marxista de superação, que significa abolição, no sentido radical e total (VIANA, 2015d).

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Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Hegemonia e Luta Cultural. Sociologia em Rede, Ano 05, num. 05, 2015. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rsr/article/view/4viana5b/261