Nos últimos tempos vem surgindo um conjunto de pessoas que fazem leituras superficiais sobre economia e política e começam a reproduzir, na internet, especialmente nas redes sociais (com destaque para o facebook), certos lugares-comuns equivocados. O blog Ombudsman do Facebook vem rebatendo e satirizando essas concepções. A imagem acima mostra um desses casos, tal como aqueles que através de leituras do site do Instituto Von Mises começam a querer criticar Marx, sendo que as críticas do próprio Von Mises já eram risíveis. O caso da política brasileira também é abordada nesse blog. Outro elemento que a página questiona é certas interpretações e concepções sobre a vida cotidiana, no qual afirmações falaciosas são repetidas para confundir as pessoas. Confira:
Páginas Especiais
▼
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
terça-feira, 27 de outubro de 2015
Livro "Religião e Capital Comunicacional" acaba de ser publicado
VIANA, Nildo (org.). Religião e Capital Comunicacional. Rio de Janeiro: Ar Editora, 2015.
O livro organizado por Nildo Viana e que conta com artigos de André de Melo Santos, Erisvaldo Pereira de Souza, Maria Angélica Peixoto e Veralúcia Pinheiro, com prefácio de Flávio Sofiatti, aborda a relação entre religião e capital comunicacional. Abaixo o texto da contracapa dessa obra e o sumário da obra.
A igreja e a religião foram, no passado, tal como na
sociedade feudal, as grandes influências das representações e formas de
consciência da população. Na sociedade moderna, ela perde parte de sua
influência e novas formas de pensamento e reprodução do mesmo ganham espaço,
tais como a ciência, a escola e o capital comunicacional. O capital
comunicacional (“indústria cultural”), por sua vez, emerge na sociedade
capitalista e passa a ser uma das maiores forças de formação de opinião e
consciência. Ao lado disso, as relações sociais na sociedade moderna são
marcadas pela mercantilização, na qual tudo vai se transformando em mercadoria
ou assumindo a forma de mercadoria. O próprio capital comunicacional é
expressão da mercantilização da comunicação e dos meios tecnológicos de
comunicação. A religião não fica imune a esse processo.
Nesse contexto, a mutação da religião e de algumas igrejas
se torna visível. O seu vínculo com a mercantilização se torna cada vez mais
explícito e o uso do capital comunicacional é uma das formas de aliar a antiga
influência com sua forma mais contemporânea. O vínculo da religião e o capital
comunicacional se torna um dos fenômenos sociais mais importantes na sociedade
moderna, especialmente na sociedade brasileira. O presente livro ganha
importância nesse contexto, ao abordar essas “ligações perigosas”, pois revela
um processo de mercantilização da religião. A relação entre capital
comunicacional e religião é analisada sob vários aspectos, abordando a questão
da mercantilização, do capital comunicacional, da mutação religiosa, bem como
de casos específicos, tal como o uso de determinadas igrejas pelo capital
comunicacional. Logo, a temática desse livro se torna fundamental para
compreender a dinâmica religiosa contemporânea e sua relação com o capital
comunicacional.
SUMÁRIO
Prefácio
Flávio Sofiatti
Introdução
Nildo Viana
Religião, Mercantilização, Fetichismo e
Capital Comunicacional
Nildo Viana
Capital Comunicacional e Mutações Religiosas
Durante o Regime de Acumulação Integral
André de Melo Santos
Capital Comunicacional e Ação Religiosa
Erisvaldo Pereira de Souza
Igreja Universal e Uso do Capital
Comunicacional
Maria Angélica Peixoto
Mercado Religioso, Capital Comunicacional e
Violência na Sociedade Contemporânea
Veralúcia Pinheiro
Sobre os autores
sexta-feira, 16 de outubro de 2015
Intelectuais e Popularidade
Nildo Viana
É a prova de uma mente inferior o
desejar pensar como as massas ou como a maioria, somente porque a maioria é a
maioria. A verdade não muda porque é, ou não é, acreditada por uma maioria das
pessoas.
Giordano Bruno
O desenvolvimento da sociedade moderna, da tecnologia e dos
meios de comunicação possibilitou, na contemporaneidade, a emergência de novos
tipos de intelectuais, convivendo com os antigos. Um desses novos tipos é o
daquele cujo interesse intelectual principal é a popularidade. Sem dúvida, isso
sempre existiu e foi materializado na figura dos intelectuais venais[1].
No entanto, esse novo tipo acaba ganhando novas características, sendo que uma
delas é seu vínculo com os meios tecnológicos de comunicação (internet e redes
sociais) e sua posição política declaradamente de “esquerda”. Desenvolveremos
uma breve análise desse tipo de intelectual nas próximas linhas.
Um dos objetivos fundamentais do “intelectual popular”[2],
ou, para usar termo mais adequado, “populista”[3], é
a popularidade. Assim, o que interessa é usar o discurso que mais agrada, especialmente
ao seu “círculo próximo” (seus pares, ou seja, colegas de trabalho ou
profissão, seus contatos e alunos, seus seguidores de redes sociais, seus correligionários,
muitas vezes de forma eclética e ambígua, pois necessita “agradar a gregos e
troianos”). É por isso mesmo que ele é dado a alianças, com os conservadores em
seu local de trabalho e colegas de profissão, pois podem e são úteis para seus
interesses pessoais, e também com posições à “esquerda”, nos processos
políticos longe do seu local de trabalho, pois faz parte de suas pretensões,
estar presente na vida das mobilizações e setores progressistas, seu “público
reserva”.
Ao lado da possível busca de dinheiro, fama, etc., esse tipo
de intelectual tem na popularidade o seu foco. O número de curtidas em seu
facebook é, por exemplo, um medidor importante. A queda do número de curtidas
pode significar a necessidade de evitar certos assuntos ou posicionamentos,
certos colegas “impopulares” (por serem mais coerentes, por ter determinada
concepção política, por sua radicalidade, etc.). Ele está sempre de olho nos
modismos, nas correntes predominantes de opinião, na “preferência do público”[4].
O oportunismo é uma das características do intelectual
populista. O intelectual populista acaba perdendo sua essência, pois, para
parafrasear Marx, “quando mais ele se fia em sua popularidade, menos tem de si
mesmo”[5].
Transforma-se, para parafrasear Musil, num “homem sem personalidade”, embora este
não precisa ser parafraseado, pois o intelectual populista também é um “homem
sem qualidades”, bem próximo ao protagonista do seu romance, só que em versão
atualizada e contemporânea.
A motivação fundamental do intelectual populista são seus
interesses pessoais: dinheiro, fama, popularidade e outras vantagens derivadas.
Como esse tipo é predominantemente masculino, a “conquista de mulheres” entra
na lista de alguns deles. Apesar disso esse tipo de intelectual se sente à vontade para falar e
acusar os demais de “machismo” e outros termos que agradam parte do seu círculo
próximo e que estão em evidência nos meios em que atua. A hipocrisia é outra
característica desse tipo de intelectual. Vai cada vez mais se tornando um
joguete da hegemonia dominante, se aliando com qualquer um que resulte em
vantagem, perdendo toda e qualquer radicalidade e compromisso com a verdade.
Assim, quanto mais popularidade, menos verdade, menos personalidade, menos
radicalidade, menos profundidade, menos honestidade. Claro, isso não é uma lei
e sim uma tendência, pois existem exceções.
Esse tipo de intelectual usa as redes sociais para falar de
si e com postagens curtas, pois sabe que o “público” geralmente não lê longas postagens
(segundo um intelectual populista “ninguém merece esses textos longos”) e ele
não tem nenhuma pretensão de colaborar com o desenvolvimento da consciência ou
da cultura, apenas quer ser “lido”, ou pelo menos “curtido”. O intelectual
populista tem ideias curtas e curtas postagens. Além de geralmente fazer
depoimento pessoal visando ganhar simpatia e aplausos de sua plateia, fica
sempre na superficialidade e no mundo das impressões, às vezes dando aparência
de seriedade e profundidade (uma citação aqui ou ali, por exemplo). Outros
pegam temas que estão em destaque na imprensa ou no seu círculo de
reconhecimento e reproduz o mesmo em alguma discussão supostamente “crítica” e
“progressista”. Alguns buscam transformar coisas corriqueiras em grandes
questões, bem como se apresentar como vítima, injustiçado, incompreendido, arrependido.
Isso incluí até “autocrítica”, bem como mostrar os próprios defeitos que, uma
vez expostos, se transformam em qualidades. Reconhecer um ato de desonestidade,
por exemplo, rende o elogio pela honestidade por ter assumido isso. Essa é a
mágica da transformação da desonestidade em honestidade. O cinismo é outra
característica do intelectual populista.
Buscar popularidade, em si, não é algo condenável. Os
intelectuais, geralmente, buscam popularidade, por razões distintas, além do
desejo de reconhecimento de sua produção cultural (autorrealização), como
divulgar ideias (políticas, científicas, etc.), interferir no curso das coisas,
manifestar e defender seus valores, ganhar dinheiro, popularizar aquilo que
considera verdadeiro, justo ou belo, etc. O problema do intelectual populista é
que a popularidade se torna seu valor fundamental e tudo passa a estar
submetido a ele (às vezes junto com outros valores pouco nobres, como ascensão
social, dinheiro, poder, etc.). O intelectual deve querer ter popularidade para
que suas ideias tenham efetividade, mas, em nenhum caso, deve querer que suas
ideias tenham efetividade para ter popularidade[6].
Enfim, o intelectual populista, no plano intelectual, realiza
na prática o que foi aconselhado por Machado de Assis em Teoria do Medalhão. Quando ex-militante, não hesita em atacar
ex-companheiros com subterfúgios retóricos, calúnias e difamação, para
demonstrar aos seus novos companheiros e mestres que agora é um aliado
confiável, regenerado, e que pode ser aceito tranquilamente, já que não lhe
resta mais nenhum resquício de compromisso com a verdade, a honestidade e a radicalidade.
Trata-se de uma figura patética e medíocre, aplaudido por desavisados,
ingênuos, desinformados e por seus semelhantes.
O intelectual populista fica cada vez mais desacreditado nos
meios mais informados e politizados, embora em alguns casos isso demore um
certo tempo. O futuro do intelectual populista é desaparecer com o passar dos
anos, pois a juventude vai se perdendo e a lei do mínimo esforço se torna mais
imperativa. A época do estrelato passou. No início “a estrela sobe”, tal como a
personagem de Marques Rebelo, e depois ela cai. O intelectual populista volta
para o fundo do poço do esquecimento geral, pois ficou tão embriagado com a
popularidade momentânea que abandonou qualquer coisa significativa, duradoura,
verdadeira. Ao desistir de sua humanidade e escolher a mundanidade não só
escolheu o seu presente de popularidade passageira, mas seu futuro como ser
humano medíocre, sem ideal e sem utopia, tal como o definia Ingenieros (s/d) e
qualquer motivo para ser lembrado, a não ser sob forma negativa. Em sua lápide
estará escrito: “aqui jaz um intelectual populista, que era aplaudido por
algumas centenas de leitores superficiais e agora no seu túmulo tem apenas a
leitura devoradora dos vermes”.
Referências
INGENIEROS, José. O Homem Medíocre. Curitiba: Chain.
MACHADO DE ASSIS. Teoria
do Medalhão. Contos Filosóficos. São Paulo: Sesi, 2014.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Sobre Arte e Literatura.
São Paulo: Global, 1986.
VIANA, Nildo. As
Esferas Sociais. A Divisão Capitalista do Trabalho Intelectual. No prelo,
2015.
VIANA, Nildo. Intelectuais Venais e Axiologia. Revista Axionomia. Ano 01, num. 01,
jan./jul. 2015.
[1]
Sobre intelectuais venais e outras posturas intelectuais, cf. Viana (2015).
Isso não se aplica a todos os intelectuais venais, pois o dinheiro é seu valor
fundamental. A popularidade é útil quando gera dinheiro. Em alguns casos, a
popularidade é um valor importante ao lado do dinheiro, que mantém a supremacia.
[2]
Aqui não se trata do uso tradicional do termo, que seria equivalente a “artista
popular”, pois a este denominamos “intelectual amador”.
[3] O
termo intelectual populista, aqui, não expressa uma postura intelectual (que
pode ser venal, hegemônica, dissidente, ambígua, amadora, engajada) e sim uma forma
específica de manifestar uma determinada relação com o público e conseguir
popularidade, que pode ser manifestação da postura do intelectual venal ou do
ambíguo. O intelectual populista pode ser uma prefiguração de um intelectual
venal ou manifestação singular do intelectual ambíguo. Sobre essas duas
posturas intelectuais, há uma síntese no artigo acima citado.
[4]
Aqui, no caso, significa o “círculo próximo”. Sobre os intelectuais e sua
relação com o público e os círculos de reconhecimento, o meu livro As Esferas Sociais, ainda a ser
publicado, apresenta uma análise útil para sua compreensão.
[5] A
frase de Marx é traduzida sob formas diferentes em distintas traduções dos Manuscritos de Paris (também chamado de Manuscritos de 1844 e Manuscritos Econômico-Filosóficos). Essa
nos parece mais adequada e constará da tradução em que em breve será publicada.
[6]
Essa frase é quase uma paráfrase de Marx: “o
escritor deve ganhar dinheiro para poder viver e escrever, mas, em nenhum caso,
deve viver e escrever para ganhar dinheiro” (MARX e ENGELS, 1986).
Leia Mais:
domingo, 11 de outubro de 2015
Anton Pannekoek e a Questão Sindical
Anton Pannekoek e a
Questão Sindical
Nildo Viana
A questão sindical é uma das discussões
mais tradicionais no que se convencionou denominar “esquerda”. Várias posições
e análises foram realizadas sobre o sindicalismo e os sindicatos. Dentre estas
análises há de Anton Pannekoek, marxista holandês que vem sendo retomado e lido
em todo mundo após as mudanças sociais do final dos anos 1990, embora já
tivesse sido recordado a partir da rebelião operária e estudantil de maio de
1968. A abordagem da questão sindical por Pannekoek tem alguns pontos
problemáticos para qualquer analista de sua obra. Em primeiro lugar, ele, no
decorrer de sua produção teórica, mudou de posição a respeito dos sindicatos;
em segundo lugar, desenvolveu observações sobre sindicatos e sindicalismo em
diversos textos esparsos não dedicados exclusivamente a esta questão. Para
remover estes dois obstáculos iremos proceder da seguinte forma: dividiremos o
pensamento de Pannekoek de acordo com as mudanças de seu pensamento, que estão
ligadas às mudanças sociais, para resolver o primeiro problema e focalizaremos
os textos nos quais ele aprofunda mais sua discussão sobre sindicatos, usando,
em determinados momentos, alguns outros textos de forma complementar.
A primeira análise mais extensa
dos sindicatos apresentada por Pannekoek se encontra em seu livro As Divergências Táticas no Interior do
Movimento Operário. Neste texto ele faz algumas afirmações que serão
repetidas em quase todos os seus textos sobre sindicalismo que serão escritos
posteriores e algumas teses que irá abandonar posteriormente. O elemento
permanente de sua análise do sindicalismo já se encontra em Marx. Trata-se da
ideia de que o sindicato, na verdade, é produto da luta dos trabalhadores e que
seu papel é negociar o valor da mercadoria força de trabalho.
“O valor da força de trabalho constitui a base
racional e declarada dos sindicatos, cuja importância para a classe operária
não se pode subestimar. Os sindicatos têm por fim impedir que o nível dos
salários desça abaixo da soma paga tradicionalmente nos diversos ramos da
indústria e que o preço da força de trabalho caia abaixo de seu valor” (Marx e
Engels, 1980, p. 9).
Estas palavras, bem como a afirmação
sobre o esforço dos sindicatos em manter um intercâmbio “honesto” de mercadorias
pelo seu valor, é retomada quase que textualmente várias vezes por Pannekoek. A
outra afirmação que ele também reproduz é o fato de os sindicatos são produtos
das lutas operárias:
“Os sindicatos nasceram dos esforços espontâneos dos
operários ao lutar contra as ordens despóticas do capital, para impedir ou ao
menos atenuar os efeitos dessa concorrência [entre os operários – NV],
modificando os termos do contrato, de forma a se colocarem acima da condição de
simples escravos” (Marx e Engels, 1980, p. 13).
Pannekoek afirma que os
sindicatos são a forma de organização natural do proletariado, derivada da
função social do proletariado como vendedor da força de trabalho. O seu
objetivo é conseguir melhores condições de venda da força de trabalho, a luta
contra o patrão pela melhora das condições de trabalho é a forma primeira e
instintiva da luta de classes (Pannekoek, 2007a). Os sindicatos não são órgãos
da luta revolucionária contra o capital e sim órgãos de reivindicação e
estabilidade do capitalismo. O seu objetivo fundamental é garantir o pagamento
da força de trabalho por seu verdadeiro valor:
“É a primeira grande tarefa dos sindicatos e em todas
as partes é seu objetivo essencial. Todas suas instituições, sua forma de
organização, e sua atitude em relação ao exterior, devem adaptar-se a essa
tarefa. Por isso devem ser ‘neutros’, isto é, não exigir a seus aderentes que
professem concepções políticas, ou outras quaisquer; devem agrupar a todos os
operários que querem lutar contra os empresários pela melhoria de suas
condições de trabalho, quaisquer que sejam suas opiniões. Devem pedir
cotizações elevadas, pois, sem caixa bem cheia, é impossível levar a cabo
greves ou suportar pressões empresariais. Devem contratar empregados
remunerados, pois as tarefas administrativas, a condução das lutas, as
negociações com os empresários, não podem ser ocupações secundárias e requerem
também atitudes e conhecimentos especializados que não se pode adquirir sem a
prática” (Pannekoek, 2007a, p. 51).
Neste sentido, os sindicatos não
se colocam como inimigos do capitalismo, não lutam contra a existência da força
de trabalho como mercadoria, mas sim para conseguir um melhor preço para esta
valiosa mercadoria. A sua tarefa se situa no interior do capitalismo e por isso
não supera os seus limites. Este caráter, no entanto, é apenas um dos aspectos
de sua natureza. A luta de classes, o combate permanente entre burguesia e
proletariado, faz com que os sindicatos sejam jogados constantemente na luta. O
capitalismo não é um modo de produção imóvel, ele se encontra em fluxo
constante e rápido desenvolvimento. A competição intercapitalista e o
desenvolvimento tecnológico voltado para a maximização da acumulação de
capital, o que significa aumento do lucro, produzem uma resistência encarniçada
aos sindicatos que buscam aumentar os salários e diminuir o despotismo fabril.
Isso é reforçado pela alteração entre períodos de prosperidade e crise que vive
o capitalismo. Esse desenvolvimento contraditório do capitalismo impede também
a conversão dos sindicatos em organizações conservadoras. Os sindicatos também
são um elemento indispensável ao capitalismo ao não permitir que o
desenvolvimento capitalista rebaixe os salários a níveis de miséria e desamparo
de tal forma que prejudicaria a própria produção.
No entanto, os sindicatos são algo
mais:
“São ao mesmo tempo um elemento de transformação
revolucionária da sociedade. Não porque se colocam novos objetivos e tarefas,
distintos dos já citados, mas unicamente porque realizam o melhor possível de
sua luta específica, isto é, a luta por melhores condições de trabalho. Não é
um propósito consciente ou um programa e sim a realidade mesma que faz deles
órgãos da revolução. Uma vez mais se vê que o fim revolucionário do
proletariado está ligado intimamente à luta prática cotidiana e que adquire
força através dela” (Pannekoek, 2007a, p. 254).
A prática sindical oferece aos
trabalhadores ensinamentos que servem para o desenvolvimento de uma consciência
de classe inicial e uma primeira compreensão da sociedade. “A adesão à
organização sindical é prova da primeira aparição de sua consciência de classe”
(Pannekoek, 2007a, p. 254-255). A participação nos sindicatos oferece
ensinamentos sobre as verdadeiras motivações dos capitalistas, a natureza do
capitalismo, a necessidade de uma luta incessante, e, no curso da prática, ou
seja, colabora com a superação das ilusões que foram inculcadas através de sua
educação. Neste momento, Pannekoek apresenta a tese do sindicato como “escola
do proletariado”.
Porém, tal compreensão da
natureza do capitalismo, segundo Pannekoek, é ainda limitada, sendo profunda,
mas não ampla, geral. A luta sindical promove a percepção do empresário ou do
sindicato patronal mas não da classe capitalista como um todo. É preciso uma
compreensão política mais ampla, o que ocorre quando o proletariado ataca o
capital em seu conjunto através da luta política, oferecendo uma compreensão
geral e tática geral de luta.
A importância da luta sindical
reside no fato de, sendo uma organização natural do proletariado, o sindicato
proporciona uma aprendizagem da disciplina proletária:
“A prática da luta sindical cotidiana é a prática que
ensina aos trabalhadores a subordinar seu interesse imediato, pessoal, ao
interesse geral, a sacrificar sua vantagem pessoal pela vitória da classe. Cada
greve ganha graças à união sólida, cada luta perdida por causa da falta de
solidariedade, lhes golpeia no espírito a verdade que, quando o indivíduo segue
sua vontade, todos perdem, porém, quando cada indivíduo submete sua vontade ao
conjunto, todos ganham e progridem. Esta experiência adquirida na luta arrastam
com força os trabalhadores à disciplina” (Pannekoek, 2007a, p. 256).
Os dois grandes fatores de força
do proletariado, tese que Pannekoek jamais abandonará, embora no futuro
transfira a segunda para os conselhos operários[1],
são o saber e a organização e esta última é produto da luta sindical. É aí que
se encontra a importância revolucionária dos sindicatos.
Porém, essa compreensão da luta
sindical só se encontra no marxismo, que vê nas lutas cotidianas de hoje as
condições da transformação revolucionária da sociedade. É neste contexto que
Pannekoek passa a avaliar as “tendências burguesas no movimento sindical”. A concepção
burguesa, não-marxista, vê nas lutas sindicais cotidianas apenas busca de
melhora nas condições de vida sem ligação com o processo de emancipação
proletária. Outra concepção leva a perceber o significado revolucionário da
organização sindical e busca influir na prática atual dos sindicatos. Estas
duas posições são a posição reformista e a posição sindicalista revolucionária.
A primeira posição é expressa pelos sindicatos ingleses e a posição
sindicalista revolucionária é expressão do sindicalismo francês (da época em
que Pannekoek escreveu este texto, 1909).
Na França, o Partido Socialista e
seu reformismo e falta de ponto de vista de classe, promove uma insatisfação
que gera sentimentos revolucionários fortes que se opõem ao parlamentarismo
“O fim destes sindicatos não é a conquista do poder
político mas o domínio dos operários sobre a indústria. O movimento operário
verdadeiro consiste na luta realizada pelos próprios proletários e não por seus
representantes. Sua palavra de ordem é atuar por conta própria, isto é, a ação
direta. As massas não podem conquistar sua liberdade a não ser por si mesmas;
não pode ser conquistadas para elas por chefes ou representantes. As massas
operárias devem pensar e sentir de maneira revolucionária por si mesmas; não
basta que se unam simplesmente para conseguir melhores salários e uma jornada
de trabalho mais curta” (Pannekoek, 2007, p. 257-258).
A prática sindical deve seguir
esta concepção. Elas são as verdadeiras organizações operárias que devem levar
a cabo a luta política contra o governo. A conquista do poder se fará através
de uma greve geral durante a qual haverá a paralisação de todo trabalho e os
operários se negarão a obedecer aos capitalistas. Os operários devem ser
educados nestes sentimentos revolucionários pelos sindicatos não apenas através
de discursos mas principalmente através da prática das greves. As greves se
tornam um fim em si mesmas e uma escola revolucionária e pouco importa os
êxitos ou fracassos momentâneos.
Pannekoek, no entanto, coloca que
estes princípios não são capazes de criar um movimento sindical vigoroso e por
isso não atingem seus objetivos. O sindicalismo revolucionário supõe que os
proletários possuem sentimentos revolucionários antes da prática, mas eles são
produtos desta. Por isso, ele afirma que estas organizações não são capazes de
aglutinar um conjunto extensivo de proletários que não são ainda conscientes e
só poderia consegui-lo através de lutas que objetivem pequenas melhoras
cotidianas. Ao tentar exercer uma função que não é sua e sim do partido
político, não exerce corretamente sua função própria, que é a melhora das
condições de vida dos trabalhadores[2].
O revisionismo, por sua vez,
encontra um terreno fértil no sindicalismo[3].
A luta sindical não visa o objetivo final da luta, o socialismo, as questões
gerais, etc. O movimento sindical se limita a olhar as questões imediatas.
Outro motivo para os sindicatos serem sensíveis ao revisionismo se encontra no
fato de que a luta deve ocorrer no terreno da ordem política burguesa, do
Estado de direito liberal, com sua superestrutura jurídica e ideológica. Isto é
derivado das condições naturais no qual se desenvolve o sindicalismo e não de
concepções errôneas e erros pessoais. As tendências revisionistas promovem um
debilitamento do movimento operário ao separar as questões imediatas das questões
mais gerais.
Os sindicatos, afirma Pannekoek,
são organizações de massas dos trabalhadores que, geralmente, estão dispersas em
federações de ofícios e quando estão isolados da luta política caem no
corporativismo. A luta por interesses imediatos domina os sindicatos e reforça
o burocratismo. Isso reforça o parlamentarismo e a direção dos chefes passa a
primeiro plano. O revisionismo promove um efeito prejudicial ao movimento
operário ao gerar sentimentos de auto-satisfação antirrevolucionários, gerando
uma dificuldade de inserção da social-democracia e criando um predomínio do
espírito corporativo, além de debilitar a consciência democrática e a confiança
dos trabalhadores em suas próprias forças.
O desenvolvimento capitalista, no
entanto, promove uma luta constante e subverte cotidianamente tudo o que
existe. Isto promove as greves e lutas que faz com os sindicatos abandonem os
interesses imediatos e se direcionem às grandes lutas políticas. “A luta
política e a luta sindical confluem cada vez mais em uma única luta da classe
operária contra as classes dirigentes” (Pannekoek, 2007a, p. 266). A luta
meramente reivindicativa é superada pela terceira fase da luta proletária, que
une as lutas imediatas sindicais com a luta política geral através das greves
de massas.
Esse texto deve ser
contextualizado para que possa ser melhor compreendido e inserido na evolução
do pensamento de Pannekoek. Neste período, Pannekoek estava inserido na
social-democracia e escreveu sua obra na Alemanha, numa época em que havia uma
divergência entre os revisionistas, representados teoricamente por Bernstein, e
os “ortodoxos”, representados intelectualmente por Kautsky. Pannekoek se
posicionava como social-democrata dissidente, ou seja, fazia parte da
social-democracia mas era um dissidente e por isso se colocava frontalmente
contra o revisionismo, a tendência reformista assumida, e possuía divergência
com a nova ortodoxia instaurada, a de Kautsky, embora tivesse proximidade com
esta ala, que, apesar de também ser reformista, ainda usava uma fraseologia
revolucionária e declarava sua adesão ortodoxa ao pensamento de Marx.
Por conseguinte, o pensamento de
Pannekoek ainda mostrava limitações de suas ligações com a social-democracia,
pois sua oposição interna ainda não tinha adquirido uma maior radicalidade e
compreensão do que realmente era esta tendência. Além disso, as ações dos
partidos social-democratas e de muitos sindicatos, ainda não haviam chegado aos
exageros futuros que clarificariam o seu caráter político burocrático, apesar
de já manifestar isso, não só em tendências mais direitistas (o revisionismo),
mas também nas tendências “ortodoxas”.
Além da inserção de Pannekoek na
social-democracia, apesar de manter uma posição crítica, há também a situação
social e política da época, no qual havia certos sindicatos com maior autonomia
e a social-democracia ainda não tinha revelado sua verdadeira face sob a forma
explícita de decisões políticas contra-revolucionárias. É com as mudanças
sociais posteriores, a aprovação dos créditos de guerra pela social-democracia
alemã, onde Pannekoek morava nesta época, que as contradições se tornam mais
amplas e há a ruptura na social-democracia, emergindo assim o chamado
“comunismo” ou “socialismo radical”, expresso por várias tendências e concepções,
se destacando no cenário político Rosa Luxemburgo, na Alemanha, e Lênin, na
Rússia. Pannekoek é um dos principais representantes teóricos do socialismo
radical e irá manter uma posição crítica ao reformismo e se inserir nas
tendências radicais da época. Devido ao desconhecimento do verdadeiro caráter
do bolchevismo e a unidade de oposição ao reformismo, as tendências socialistas
radicais não irão se opor ao bolchevismo frontalmente (retirando as críticas,
inclusive anteriores a esse processo de ruptura, de Rosa Luxemburgo, que
continua quando faz sua análise crítica da revolução russa, havia uma idéia de
que o bolchevismo seria próximo e uma primeira imagem da revolução russa que
seria de apoio crítico para várias tendências), até que as relações diretas ou
intelectuais ou o desenvolvimento dos acontecimentos na Rússia provocasse uma
nova ruptura.
A ruptura se consolida,
inicialmente, devido ao livro lançado por Lênin, O Esquerdismo, A Doença Infantil do Comunismo. A obra ataca as
tendências que não seguem o modelo russo de organização e tática, tal como
Silvya Pankhurst na Inglaterra, Amadeo Bordiga na Itália e, principalmente,
Gorter e Pannekoek, holandeses que estavam atuando nas lutas políticas na
Alemanha. Gorter respondeu a Lênin, enquanto que Pannekoek escreveu uma obra
que marcou sua ruptura definitiva com o bolchevismo, Revolução Mundial e Tática Comunista. Nesta obra, Pannekoek já
escreve em outra situação, na qual marca o seu rompimento com o socialismo
radical e seu primeiro passo rumo ao comunismo de conselhos. A Revolução Russa
e a Revolução Alemã fazem brotar da luta operária os conselhos operários que
acabam aparecendo a forma organizacional revolucionária do proletariado que foi
combatida ou corrompida pelas organizações tradicionais, partidos e sindicatos.
É neste contexto que a esquerda alemã irá formar o KAPD – O Partido Comunista
Operário da Alemanha, um partido que não é “um partido propriamente dito” e
surgiram as uniões operárias que aglutinam os conselhos de fábricas. Esta
organização logo entrará em confronto com o bolchevismo devido questões
relativas à III Internacional e divergências que vão se clarificando com o
tempo.
A posição de Pannekoek sobre os
sindicatos, que concorreram e em muitos casos combateram os conselhos operários
se altera. Pannekoek continua reconhecendo, como não poderia deixar de ser para
se manter fiel ao processo histórico, que os sindicatos surgiram das lutas
operárias e que sua função primordial é negociar o valor da força de trabalho.
Porém, ao lado disso, passa a perceber que os sindicatos são organizações
burocráticas e, nesse sentido, passa a enxergar a burocracia sindical.
“O poder dos chefes sobre as massas se encarna no
plano espiritual no parlamentarismo e no plano material no movimento sindical.
No sistema capitalista, os sindicatos constituem a forma de organização natural
do proletariado: Marx há muito tempo já assinalou sua importância como tal. Com
o desenvolvimento do capitalismo e, mais ainda, na época do imperialismo, os
sindicatos se transformaram cada vez mais em associações gigantescas que
apresentam uma tendência a proliferar comparável ao organismo estatal burguês
em outros tempos. No seu interior foi criada uma classe de funcionários, uma
burocracia que dispõe de todos os elementos de força: o dinheiro, a imprensa, a
promoção do pessoal inferior. Em muitos aspectos goza de prerrogativas a ponto
de que seus membros, que no início estava a serviço da coletividade, se
transformaram em seus donos e se identificando a si mesmos com a organização.
Os sindicatos também se parecem com o Estado e sua burocracia, pois apesar da
existência de um regime democrático, os sindicalizados não tem nenhum meio de
impor aos dirigentes sua vontade; efetivamente, há um engenhoso sistema de
regulamentos e estatutos que impedem a menor rebelião antes que possa ameaçar
suas altas esferas” (Pannekoek, 1975a, p. 196).
A oposição sindical precisa de
anos e esforço para conseguir algum êxito, que nada mais é que a mudança dos
dirigentes. Quando os trabalhadores agitam e se rebelam, fazem greves por si
mesmos e novas lideranças aparecem e tão logo haja um processo de retomada da
calmaria, a velha direção retoma sua posição. Os sindicatos, ao combater a pauperização
dos trabalhadores e o absolutismo do capital, exerce sua função no interior do
capitalismo, tal como Pannekoek já havia identificado em obra anterior. Porém,
agora ele acrescenta que:
“Porém, a partir do momento em que a revolução se
desenvolve, o proletariado se transforma e, de elemento da sociedade
capitalista se converte em seu destruidor, passa a ter também que enfrentar o
sindicato” (Pannekoek, 1975a, p. 196).
O sindicato se torna não apenas
uma instituição da sociedade capitalista mas torna-se um de seus sustentáculos:
“A burocracia sindical não se limita a pactuar com a burocracia estatal, se
esforça também por levar aos proletários a aprovar os acordos a que chegarem
com os capitalistas” (Pannekoek, 1975, p. 196). Para conseguir isso, a
burocracia sindical usa da demagogia, violência e mentiras desavergonhadas.
Assim, apesar da democracia formal, os sindicatos não podem ser instrumentos da
revolução proletária. “Seu poder contra-revolucionário não se aniquilará, nem
se sequer se enfraquecerá, com uma mudança de dirigentes, substituindo aos
chefes reacionários por homens de esquerda ou “revolucionários” (Pannekoek,
1975a, p. 197). O sindicato reduz as massas à impotência, e “a revolução só
pode vencer se esta forma de organização é destruída e, mais exatamente, se se
transforma de cabo a rabo de maneira que se converta em algo muito diferente”
(Pannekoek, 1975a, p. 197).
A solução para este problema,
numa situação revolucionária, é a formação dos conselhos operários, tal como
coloca Pannekoek:
“Instaurado no interior da classe, o sistema dos
sovietes (conselhos operários) está em condições de extirpar e de suplantar
tanto a burocracia do Estado como a dos sindicatos; os sovietes estão
convocados a servir de novos órgãos políticos para o proletariado assim como
também de bases para os novos sindicatos” (Pannekoek, 1975a, p. 197).
O sindicalismo revolucionário
busca diminuir as tendências burocráticas, mas possuem limitações e “audiência
reduzida”, como raras exceções, tal como os IWW, nos Estados Unidos[4].
Quando os trabalhadores produzirem suas próprias formas de organização, os
conselhos operários, o Estado será decomposto, abolido. Os sindicatos, devido a
tradições enraizadas, ainda existirão por algum tempo, buscando se adequar ao
novo contexto e relações estabelecidas[5].
Este texto de Pannekoek marca um
significativo avanço em relação ao texto anterior. Este avanço não foi
promovido apenas pelas reflexões de Pannekoek, mas também pelas mudanças
sociais, a desmoralização total da social-democracia, vinculada à burocracia
sindical, e dos sindicatos, bem como suas ações conservadoras na Revolução
Alemã e sua crescente burocratização. A percepção do papel contra-revolucionário
dos sindicatos devido domínio da burocracia sindical é o grande avanço da
análise de Pannekoek sobre os sindicatos. Porém, ainda restam algumas
limitações em seu pensamento neste texto. Um deles está no pouco
desenvolvimento da análise dos IWW. Além disso, ao referir-se a “novos
sindicatos” (que, contraditoriamente, terão como base os conselhos
operários...) e sua permanência após abolição do Estado via formação dos
conselhos operários, são imprecisões que permitem interpretações problemáticas.
Ele mesmo afirma, no mesmo texto, que em momentos de revolução proletária, o
proletariado, através dos conselhos operários, terá que se defrontar com os sindicatos
e depois diz que estes serão as bases dos “novos sindicatos”. Esse é mais um
problema terminológico, mas que se presta a confusões. Não se trata, no fundo,
de “novos sindicatos” e sim de novas organizações mais amplas articulando todos
os ramos da produção, tal como as Uniões Operárias na Alemanha que nasceram
durante o processo revolucionário[6].
Neste caso, já não são mais sindicatos. A preservação de uma terminologia velha
para explicitar um fenômeno social novo permite a confusão e a ideia de permanência
que foi alterado radicalmente. A sua permanência já é algo mais complicado, mas
como não houve maiores desdobramentos, podemos pensar que talvez ele se referia
a estes “novos sindicatos”, que, no fundo, não são sindicatos.
Porém, antes de uma análise mais
global da concepção de Pannekoek, devemos analisar alguns outros textos dele
para ver seus desdobramentos posteriores e possuir uma percepção mais global de
suas teses sobre sindicalismo. Para tanto, iremos tomar o seu artigo de 1936, O Sindicalismo, para ver os
desdobramentos de sua análise sobre a questão sindical. Neste texto, Pannekoek
retoma a ideia que o sindicato é a forma primitiva do movimento operário em um
capitalismo marcado pela estabilidade, tendo o papel de proteger os
trabalhadores diante da voracidade exploradora do capital, inclusive tendo a
greve como meio principal de luta. O “espírito capitalista”, devido aos
processos sociais ocorridos no EUA e Inglaterra, acabou dominando a classe
operária. Segundo Pannekoek:
“Tudo isto está plenamente de acordo com o verdadeiro
caráter do sindicalismo, cujas reivindicações não vão nunca além do
capitalismo. O fim do sindicalismo não é substituir o capitalismo por outro
modo de produção, mas melhorar as condições de vida no interior mesmo do sistema
capitalista. A essência do sindicalismo não é revolucionária mas conservadora”
(Pannekoek, 1977a, p, 177).
Os sindicatos fazem parte da luta
de classes, pois a classe capitalista deseja aumentar constantemente a extração
de mais-valor e o proletariado, naturalmente, busca melhorias salariais e nessa
disputa, as condições de trabalho e outros interesses entram em jogo. Os
sindicatos tomam parte nesta luta. Até aqui Pannekoek reproduz alguns elementos
presentes em seus textos desde As
Divergências Táticas no Interior do Movimento Operário. Também neste
sentido está sua afirmação de que os sindicatos foram as primeiras escolas do
proletariado no sentido da aprendizagem da solidariedade. Porém, e neste
aspecto ele avança em relação a este primeiro texto, eles se tornam cada vez
mais fossilizados, tal como ocorreu na Inglaterra e EUA. Ele retoma o caráter
crítico de sua abordagem em Revolução
Mundial e Tática Comunista:
“Existe, portanto, uma diferença
entre a classe operária e os sindicatos. A classe operária tem que apontar para
mas além do capitalismo, enquanto que o sindicalismo está inteiramente
confinado nos limites do sistema capitalista. O sindicalismo só pode
representar uma parte, necessária, porém ínfima, da luta de classes. Ao
desenvolver-se, tem que entrar necessariamente em conflito com a classe
operária, a qual quer ir mais longe” (Pannekoek, 1977a, p. 179).
Pannekoek retoma o tema da
burocracia sindical. Com o desenvolvimento capitalista, os sindicatos crescem
se tornando gigantescas organizações que agregam milhares de aderentes em todo
um país. Possui todo um conjunto de funcionários: presidentes, secretários,
tesoureiros, dirigindo as questões financeiras, negociações com patrões, etc.
Os dirigentes sindicais se tornaram mestres na tarefa da negociação com os
capitalistas e passam e compreender o ponto de vista destes tão bem quanto o
dos trabalhadores e passam a defender os “interesses da indústria”, ou seja, do
“todo” e não apenas o dos trabalhadores. A burocracia sindical assume o papel de
dirigente e os operários sindicalizados, absorvidos pelo trabalho fabril, não
podem julgar ou dirigir seus interesses. A organização não é mais uma
assembléia de operários e sim um corpo especializado que possui política,
caráter, mentalidade, tradições e funções próprias. Os seus interesses se
tornam diferentes dos da classe operária e se um dia perdessem sua utilidade
para os trabalhadores, não desapareceriam por isso, pois seus fundos,
aderentes, funcionários, não iriam se dissolver de um dia para outro.
“Os funcionários sindicais, os dirigentes do movimento
operário, são os defensores dos interesses particulares dos sindicatos. Apesar
de suas origens operárias, adquiriram um novo caráter social após longos anos
de experiência na cabeça da organização. Em cada grupo social que se torna
suficientemente importante para formar um grupo à parte, a natureza do trabalho
modela e determina os modos de pensamento e ação. O papel dos sindicalistas não
é o mesmo que o dos operários. Eles não trabalham na fábrica, não são
explorados pelos capitalistas, não são ameaçados pelo desemprego. Se sentam nos
gabinetes em postos relativamente estáveis. Discutem questões sindicais, tem a
palavra nas assembléias de operários e negociam com os patrões. Certamente,
devem estar do lado dos operários, cujos interesses e reivindicações contra os
capitalistas devem defender. Porém, nisto, seu papel não é diferente do
advogado de uma organização qualquer” (Pannekoek, 1977a, p. 180).
Pannekoek reconhece que existe
uma diferença entre tal advogado e os burocratas sindicais, pois estes, em sua
maioria, saíram das fileiras do proletariado e sofreram na pele a exploração
capitalista. Porém, logo mudam suas posições e passam a atuar no “interesse da
indústria” e, assim, atuam como mediadores e por isso os sindicatos
inevitavelmente entram em conflito com a classe operária.
No capitalismo avançado, a
burocracia sindical se considera elemento indispensável do capitalismo e suas
funções passam a ser regular os conflitos de classes e assegurar a paz nas
fábricas. A força do capital, principalmente através de sua concentração e
poder crescentes, debilitam o poder dos sindicatos e assim as greves se tornam
um problema para os sindicatos, pois sua deflagração compromete as finanças e,
em alguns casos, até a existência dos sindicatos. Assim, eles passam a tentar
convencer os trabalhadores para aceitarem as condições do patronato.
“De tal modo que em última análise eles atuam como
porta-vozes dos capitalistas. A situação é ainda mais grave quando os operários
insistem em querer continuar a luta, sem unir-se às palavras de ordem dos
sindicatos. Nesse caso, a força sindical se volta contra os trabalhadores”
(Pannekoek, 1977a, p. 183).
Porém, os sindicatos devem manter
um simulacro de combate com a classe dirigente para poder conservar certa
influência sobre os trabalhadores. Quando busca, devido pressão da classe
trabalhadora, a contragosto, pressionar os capitalistas, o fazem moderadamente.
Se os sindicatos se levantassem e buscassem despertar o espírito combativo dos
trabalhadores, “seriam perseguidos sem piedade pela classe dirigente, que
reprimiria suas ações, mandaria sua polícia para destruir seus escritórios,
prenderia seus dirigentes e lhe condenaria a pagar multas e confiscaria seus
fundos”. Claro está que essa última parte do texto de Pannekoek está ligado à
época marcada por uma repressão crescente (o nazismo na Alemanha e fascismo na
Itália são apenas os exemplos mais drásticos). De qualquer forma, dependendo da
radicalidade das lutas sociais e do papel dos sindicatos, esta ação
governamental poderia se desencadear mesmo em outros contextos históricos.
Pannekoek destaca o papel
conservador dos sindicatos, que em momentos de relativa estabilidade e
prosperidade do capitalismo buscam melhorias e possui mais facilidade em
consegui-las e por isso tomam partido dos governos e buscam evitar as crises de
qualquer forma. É devido a isto também que o sindicalismo nos países
imperialistas apóiam a exploração internacional e a política imperialista e,
quando a competição intercapitalista e a luta de classes avançam, apóiam as
guerras e aderem ao objetivo de despertar o nacionalismo e chauvinismo na
classe operária. O sindicalismo, devido sua vinculação com o capitalismo,
também recusa o comunismo (não no sentido deformado da palavra, mas no sentido
das idéias defendidas por Marx e comunistas conselhistas, por exemplo):
“O sindicalismo tem horror ao comunismo, o qual
representa uma ameaça para sua existência, pois no regime comunista não há
patrões, nem, portanto, sindicatos. Certo é que nos países onde existe um
movimento socialista forte e onde a grande maioria dos trabalhadores são
socialistas, os dirigentes do movimento operário serão também socialistas.
Porém, nesse caso se trata de socialistas de direita que se limitam a desejar
uma república em que os honestos dirigentes sindicais substituirão na direção
da produção os capitalistas sedentos de lucro” (Pannekoek, 1977a, p. 188).
O sindicalismo se horroriza
também com a revolução. Essa atitude sindical é significativa, já que os
sindicatos possuem grande influência sobre os trabalhadores através de uma
cuidadosa diversidade de publicações. Por isso, os sindicatos dominam os
trabalhadores tal como o governo domina o povo.
O sindicalismo varia de acordo
com o país e a forma de desenvolvimento capitalista e também muda no processo
de desenvolvimento no interior de um mesmo país. Há situações em que os
sindicatos se enfraquecem e as lutas dos trabalhadores acabam lhes fortalecendo
e transformando em forças mais combativas. Pannekoek cita como exemplo o “novo
sindicalismo” que emergiu no final do século 19 na Inglaterra e o IWW nos
Estados Unidos, cuja base são trabalhadores em péssimas condições de trabalho e
submetidos a um alto grau de exploração. Os IWW condenaram as rivalidades
mesquinhas que opunham uns sindicatos aos outros e buscavam a solidariedade de
todos os trabalhadores. Sua base social eram os trabalhadores imigrantes
desorganizados, a fração mais pobre do proletariado. Estes não tinham condições
financeiras para realizar cotizações sindicais e formar sindicatos tradicionais
e foram apoiados pelos IWW quando se rebelaram e entraram em greve. O IWW deu
apoio à luta destes trabalhadores, fornecendo elementos de apoio, incluindo
fundos de ajuda e defesa de sua causa na imprensa e tribunais. Ao contrário da
estrutura rígida da organização sindical tradicional, adotava uma estrutura
flexível e propagandearam a revolução. Isto provocou a perseguição e tortura de
vários de seus militantes pelo mundo. Apesar disso, a forma de ação sindical
não é suficiente para promover a derrocada do capitalismo, pois se questiona o
setor econômico, não pode atacar seu bastião político, o poder estatal. Assim,
os IWW foram o que houve de mais revolucionário nos EUA e contribuiu com o
desenvolvimento da consciência de classe, solidariedade e unidade do movimento
operário americano.
“O sindicalismo não pode vencer o capitalismo. Tal é a
lição que se pode tirar do que antecede. As vitórias que o sindicalismo
consegue não apresenta mais que soluções a curto prazo. Porém, estas lutas
sindicais não são menos essenciais e devem prosseguir até o final, até a
vitória final” (Pannekoek, 1977a, p. 191).
A impotência do sindicalismo se
revela no fato de que a luta em uma determinada empresa não permite a
transformação social e não muda a totalidade da sociedade capitalista, que
através da ação da imprensa, poder financeiro e estatal, desarticula e joga a
opinião pública contra os grevistas. A revolução é tarefa da totalidade da
classe operária e somente quando se vai além das paredes das fábricas é que os
trabalhadores podem ir além do capitalismo.
Este texto de Pannekoek apresenta
uma crítica bem mais precisa aos sindicatos, colocando seus limites e
contradições. Porém, dois elementos ainda são questionáveis em sua formulação:
a sua abordagem dos IWW e a ideia de que a luta sindical deve permanecer até a
“vitória final”. Analisaremos a sua abordagem dos IWW e a questão da “vitória
final” via luta sindical adiante, quando abordarmos seu texto posterior sobre
sindicalismo. Por agora nos limitamos a observar que os IWW formam um “novo
sindicalismo” diferente daquele criticado por Pannekoek e seria contradição
pensar que para ele os sindicatos burocratizados executariam lutas essenciais e
deveriam prosseguir até a vitória final, pois a frase dele está em um
determinado contexto no qual ele afirma que a “lição que se pode tirar do que
antecede” – e o que antecede é a discussão sobre o novo sindicalismo e os IWW –
é que tais lutas – e não as lutas sindicais em geral – são essenciais e devem
ir até a vitória final.
Pannekoek voltou ao tema do
sindicalismo em sua grande obra, Os
Conselhos Operários, publicada em 1947[7].
Dedica um capítulo exclusivamente a este tema em tal livro e faz algumas
referências em outros capítulos. No capítulo dedicado a este tema, inicia
retomando a ideia de que a classe operária deve travar duas espécies lutas
contra o capital: a luta contra o grau de exploração e a luta pela abolição do
capitalismo. Em condições marcadas por forte processo de exploração, surge a
greve e com ela o processo de ajuda mútua e solidariedade entre os
trabalhadores. Também brotam, desta luta inicial, os sindicatos. Pannekoek
afirma que hoje (1947), as coisas mudaram. Existem grandes sindicatos articulados
por ramos de indústria e países, com recursos financeiros, e que podem
pressionar os capitalistas e realizar conquistas para os trabalhadores.
Cria-se, assim, um certo equilíbrio entre a força dos trabalhadores e dos
capitalistas. Os operários especializados são os primeiros a criarem seus
sindicatos e os não especializados o fazem a partir de explosões de suas lutas
contra os patrões.
Isto, porém, não significa o fim
do capitalismo. Apenas foi imposto um limite à exploração capitalista. “O
desenvolvimento do poder dos sindicatos permite uma normalização do
capitalismo, uma certa norma de exploração é universalmente aceita e
estabelecida”. Assim, normas sobre os salários e sobre horários de trabalho
para garantir a renda mínima para sobrevivência e não esgotamento da vitalidade
dos trabalhadores são instituídas, o que não impede o aumento da intensidade e
ritmo do trabalho. Isto é necessário para o capitalismo, que precisa de uma
classe operária reutilizável e, portanto, que não seja destruída no processo de
trabalho. Pannekoek demonstra a relação indissolúvel entre sindicalismo e
capitalismo e o papel importante do primeiro para a reprodução do segundo:
“Os instrumentos desta luta são os sindicatos. Alguns
patrões obstinados não compreendem isso, mas seus chefes políticos, mais
inteligentes, sabem muito bem que os sindicatos são um elemento essencial do
capitalismo e que, sem esta força essencial que são os sindicatos operários, o
poder capitalista não estaria completo. Finalmente, os sindicatos, apesar de produtos
das lutas operárias e mantidos graças aos seus esforços e sacrifícios, se
converteram também em órgãos da sociedade capitalista” (Pannekoek, 1977b, p.
100).
O desenvolvimento capitalista, no
entanto, tornaram as condições mais favoráveis aos trabalhadores. O grande
capital cresce e se organiza em sindicatos patronais. O capital aumenta sua
força e combate as greves através do lock-out[8]
e outras ações. As lutas acabam esgotando o poder de negociação dos
trabalhadores e acaba criando uma divergência entre os sindicatos e os
trabalhadores, mas os sindicalistas defendem os acordos efetivados e, assim, se
tornando, por vezes, os porta-vozes do capital. O dirigentes influentes dos
sindicatos usam seu poder e autoridade do lado dos capitalistas e pesam na balança
a favor destes. Assim, “os sindicatos se transformam em órgãos do capital”.
O desenvolvimento capitalista
transforma os sindicatos em grandes organizações, cada vez mais burocratizado.
O poder se concentra nas mãos da burocracia sindical. Pannekoek retoma a
análise da burocratização e do poder crescente da burocracia sindical,
mostrando suas funções, recursos, etc. Os sindicatos se tornam um “governo
sindical” reinando sobre os sindicalizados. A solidariedade não é mais a
virtude ressaltada e sim a obediência às decisões da cúpula burocrática. A
função primária dos sindicatos, a defesa dos trabalhadores contra a exploração
dos capitalistas, desapareceu. Com o capital monopolista o seu poder se tornou
insignificante. Apesar dos sindicatos
terem se tornado organizações gigantes, não passam de um aparelho que o grande
capital utiliza para impor os interesses capitalistas aos trabalhadores. Os
sindicatos se transformaram em órgãos da dominação capitalista sobre os
trabalhadores.
Assim, a análise de Pannekoek,
até aqui, não possui as incoerências que notamos no texto anterior. Ele, como
sempre, coloca o papel combativo dos sindicatos num período histórico anterior
e mostra sua degeneração em órgãos do capitalismo com a evolução histórica. No
capítulo posterior de sua obra, sobre Ação
Direta, ele fornece elementos de clarificação de sua análise dos
sindicatos.
Pannekoek inicia este capítulo
deixando claro que “os sindicatos perdem então a sua importância na luta dos
operários contra o capital”. Porém, a luta deve continuar e isso ocorre via
greves selvagens (ilegais), espontaneamente desencadeadas pelos trabalhadores.
Os trabalhadores passam a agir sob a forma da ação direta, na qual dispensam os
intermediários, os burocratas sindicais.
O combate do proletariado contra
o capital, no entanto, é impossível sem organização e é por isso que ela também
surge espontaneamente, tal como os comitês de greve. Às vezes, estas lutas
geram novos sindicatos mais combativos e compostos pelos mais capazes e
enérgicos, mas que, tão logo cessa o momento da luta, assumem as mesmas
posições que os sindicatos tradicionais. Daí a tendência dos trabalhadores em
tomar em suas próprias mãos a sua luta contra o capital. O comitê de greve
geralmente assume a primeira forma organizacional que não possui poder
dirigente sobre os trabalhadores e pode evoluir, tal como é sua tendência com a
radicalização da luta, em conselhos de fábrica. Não iremos aqui expor a análise
que Pannekoek faz dos comitês de greve e das greves espontâneas até chegar à
formação dos conselhos operários, já que este não é nosso objetivo e há
desdobramentos em outros capítulos do seu livro e sim ver como, neste contexto,
ele retoma a questão sindical. Assim, após expor esse processo, Pannekoek
afirma o seguinte:
“Deste modo, se opõem as duas formas de organização e
luta. A antiga, a dos sindicatos e greves regulamentadas; a nova, a das greves
espontâneas e dos conselhos operários. Isto não significa que a primeira seja substituída,
um dia, pela segunda. É possível imaginar formas intermediárias. Estas
constituiriam tentativas de corrigir os males e debilidades do sindicalismo,
salvaguardando os seus bons princípios; por exemplo, atenuar o dirigismo duma
burocracia de profissionais fixos, evitar o aumento do fosso surgido entre estreiteza
de visão e interesses mesquinhos, preservar e empregar a experiência de lutas
passadas” (Pannekoek, 1977b, p. 108).
Pannekoek coloca que este foi o
caso dos IWW nos EUA. Ele acrescenta que “formas similares” de organização
poderão surgir, mas isto enquanto os
trabalhadores não tiverem confiança o suficiente para assumir seus próprios
assuntos. E isso não passará de uma forma
transitória. O caso dos IWW não é o do capitalismo atual e sim dos EUA de
outrora, marcado pela “independência feroz dos pioneiros” ou pelo “egoísmo
primitivo dos emigrantes”, que é superado pela solidariedade e colaboração,
condições para a ação direta do proletariado. Neste contexto, ultrapassarão as
“formas intermediárias” de “autodeterminação parcial”, abrindo caminho para a
organização em conselhos.
Aqui Pannekoek rompe com as
imprecisões do texto de 1936 e avança no sentido de colocar, explicitamente,
que os sindicatos são órgãos do capitalismo, apesar de sua origem operária, e que
seu papel é nitidamente conservador. A ideia de que as lutas sindicais seriam
essenciais é abandonada completamente, pois em que pese ele compreender por
tais lutas as do “novo sindicalismo” no texto de 1936, ele considera, de forma
mais precisa, que tais lutas não são exatamente sindicais e sim de “formas
intermediárias”, tal como os IWW. Porém, além de esclarecer que o que denominou
“novo sindicalismo” são “formas intermediárias” (entre o sindicalismo e a
auto-organização dos trabalhadores) e que são mais comuns em determinados
momentos (os IWW existiram num determinado contexto histórico e tendo um
determinado setor dos trabalhadores como base social, sendo que ambos estão
ultrapassados historicamente) também esclareceu que são “formas transitórias”,
enquanto o proletariado não avança no sentido da ação direta, que significa a
sua superação. Assim, em 1947, Pannekoek apresenta uma percepção mais nítida e
completa do sindicalismo, organização da sociedade capitalista de caráter
conservador e esclarece que as formas intermediárias e transitórias podem (mas
no atual contexto dificilmente isso ocorreria) surgir, mas que deverão ser
ultrapassadas pelas lutas operárias.
Assim, podemos dizer que o
percurso do pensamento de Pannekoek sobre os sindicatos foi caracterizado pela
percepção de que eles são produtos da luta operária em suas origens e que
cumprem o papel de negociar o valor da força de trabalho, tal como Marx já
colocava. Também observou o seu caráter conservador e sua integração no
capitalismo, com cada vez mais nitidez, apontando, nos últimos textos, para o
seu papel de órgão de reprodução do capitalismo. As formas intermediárias e transitórias, tal como irá denominar em seu último
texto em que aborda o sindicalismo, entre sindicatos e auto-organização
operária, exemplificadas pelo semi-sindicalismo dos IWW, são vistas de forma
mais precisa e contextualizada. Em síntese, Pannekoek critica as organizações
sindicais e mostra seu papel conservador, e, ao mesmo tempo, mostra a
necessidade de sua superação (e também das formas intermediárias, meramente
transitórias e expressando um estágio ainda insuficiente da autonomização do
proletariado) e substituição pela ação direta e conselhos operários. Isso
ocorreu devido não apenas o desenvolvimento do pensamento de Pannekoek, mas
também devido a evolução histórica que demonstrou, cada vez mais, o caráter
conservador dos sindicatos e sua burocratização crescente.
Na verdade, o papel dos
sindicatos enquanto instituição da sociedade burguesa já foi percebido deste
Marx. O seu processo de burocratização ampliou-se com o desenvolvimento do
capitalismo, ao ponto de diversos setores da burocracia se expressar
contraditoriamente sobre a questão sindical[9].
A análise crítica de Pannekoek é correta e sua posição sobre os IWW, por
exemplo, aponta para a percepção de que os sindicatos são atingidos pelas lutas
sociais, são pressionados pelos setores mais empobrecidos e radicalizados do
proletariado, etc., mas não ultrapassam determinados limites, que, caso fossem
ultrapassados, deixariam de ser formas intermediárias (uma espécie de
semi-sindicalismo)[10]
para ser outra forma organizacional. Partidos e sindicatos são organizações
integradas ao capitalismo e influenciam os trabalhadores em períodos de
estabilidade do capitalismo e por isso não possuem utilidade política:
“Neste marco, a forma de organização em sindicato e
partido, originária do período do capitalismo ascendente, já não apresenta a
menor utilidade. Com efeito, se metamorfosearam ao serviço dos chefes que não
podem nem sequer comprometer-se com o combate revolucionário. A luta não
depende dos dirigentes: os líderes operários [sic] detestam a revolução
proletária. Para levar este combate têm, pois, necessidade de formas de
organização novas que conservem seus elementos de força” (Pannekoek, 1975b, p.
74)[11].
Assim, Pannekoek consegue
realizar uma análise crítica dos sindicatos, mostrando seu caráter
contra-revolucionário e conservador e a necessidade de novas formas
organizacionais, que, nos períodos revolucionários, tendem a assumir a forma
dos conselhos operários. Neste sentido, a obra de Pannekoek é uma grande
contribuição para se pensar o sindicalismo e sua relação com o movimento
operário. O processo histórico aprofundou o processo de burocratização e
integração dos sindicatos na sociedade capitalista e em suas várias versões
(indo do “sindicato amarelo” ao “sindicato vermelho”, bem como para as
concepções nostálgicas que ainda querem ressuscitar o sindicalismo
revolucionário e anarco-sindicalismo) e as poucas vezes que os sindicatos
assumem uma posição de maior radicalidade (o que não significa se tornar
“revolucionário”, algo impossível na atualidade), isto ocorre ou por
oportunismo ou pressão das bases, ou por determinadas conjunturas e situações,
mas que é algo passageiro e limitado. O futuro do sindicalismo é o mesmo que o
do capitalismo: o museu da história.
Referências
Alves,
Vânia M. B. Vanguarda Operária: Elite de
Classe? Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984.
Authier,
D. A Esquerda Alemã (1918-1921). “Doença
Infantil” ou Revolução? Porto, Afrontamento, 1975.
Barrot,
J. e Authier, D. La Izquierda Comunista en Alemanha.
1918-1921. Madrid, Zero, 1978.
Duarte,
A. e Miranda, O. Trabalhismo e Social-Democracia. São
Paulo, Global, 1985.
Guérin,
Daniel. Estados Unidos: 1880/1950.
Movimiento Obrero y Campesino. Buenos Aires, CEAL, 1972.
Lênin,
W. Esquerdismo, Doença Infantil do
Comunismo. 6ª edição, São Paulo, Global, 1989.
Lênin,
W. Las
divergências en el movimiento obrero europeo. in: http://www.marxists.org/espanol/lenin/obras/1910s/12-1910.htm
acessado em 12/12/2009.
Lênin,
W. Sobre os Sindicatos. São Paulo,
Livramento, 1979.
Marx,
K. e Engels, F. Sindicalismo. São Paulo, Ched, 1980.
Meijer,
H. C. O Movimento dos Conselhos Operários
na Alemanha (1918-1921). Coimbra, Centelha, 1976.
Pannekoek,
A. La Acción Direta en las Sociedades
Contempóraneas. In: Escritos sobre
los Consejos Obreros. Madrid, Zero, 1975c.
Pannekoek,
A. Principios de Organización. In: Escritos sobre los Consejos Obreros. Madrid, Zero, 1975b.
Pannekoek,
Anton. A Luta Operária. Coimbra,
Centelha, 1977c.
Pannekoek,
Anton. A Revolução dos Trabalhadores.
Florianópolis, Barba Ruiva, 2007b.
Pannekoek,
Anton. El Sindicalismo. In: Mattick, P. et. al. Los Consejos Obreros y la Cuestión Sindical.
Madrid, Castellote, 1977a.
Pannekoek,
Anton. Las Divergencias Tácticas en el Movimiento
Obrero. In: Gorter, H. e Pannekoek, A. El Materialismo Histórico; Las Divergencias Tácticas en el Movimiento
Obrero. Sl, Ediciones Espartaco Internacional, 2007a.
Pannekoek,
Anton. Los Consejos Obreros. Madrid,
Zero, 1977b.
Pannekoek,
Anton. Revolución Mundial y Tactica
Comunista. In: Bricianer,
Serge. Anton Pannekoek y los Consejos
Obreros. Buenos Aires, Schapire, 1975a.
Rühle,
Otto. Da Revolução Burguesa à Revolução
Proletária. Porto, Publicações Escorpião, 1975.
Trotski,
L. Escritos Sobre Sindicato. São
Paulo, Kairós, 1978.
Publicado
originalmente em: BRAGA, Lisandro e VIANA, Nildo (orgs.). Anton Pannekoek e a Questão da Organização. Rio de Janeiro: Achiamé,
2011.
[1]
Aliás, é de se notar que estes elementos (solidariedade, por exemplo) que ele
atribui aos sindicatos serão atribuídos, posteriormente, aos conselhos
operários, com exceção dos aspectos negativos e de integração no capitalismo.
[2] Aqui se pode supor que Pannekoek se move dentro da
cultura da época, que distinguia luta econômica e luta política, nas quais a
primeira era reservada para os sindicatos e a segunda para os partidos
políticos, os sindicatos sendo reformistas e os partidos sendo revolucionários.
Porém, um pouco adiante ele vai contra esta análise ao afirmar que “ambos
combatem por melhorias imediatas e ambos são úteis à subversão revolucionária”
(Pannekoek, 2007, p. 259). Apesar disso, é necessário reconhecer que há um
resquício desta concepção em Pannekoek.
[3] A
análise de Pannekoek neste texto aponta para a percepção das bases sociais das
diversas tendências políticas que expressam diversas táticas, e, assim, o
revisionismo teria como base social as camadas pequeno-burguesas no interior do
partido e também a “aristocracia operária” (operários qualificados e com
maiores salários); enquanto que o anarquismo teria como base social também a
pequena-burguesia, com a diferença que, ao contrário da “domesticada” que
recorre ao revisionismo, a “selvagem” (Pannekoek, 2007a; Duarte e Miranda,
1985). Esta obra, curiosamente, irá exercer grande influência sobre Lênin,
principalmente em seu texto “As Divergências
no Movimento Operário Europeu” (Lênin, 2009) e “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo” (Lênin, 1989), que, no
entanto, como sempre, irá desenvolver em sentido diferente a análise e até
usá-la contra o próprio Pannekoek em outra oportunidade. Não deixa de ser
curioso que alguns desconheçam que a inspiração da tese sobre “aristocracia
operária” de Lênin se encontra nessa obra de Pannekoek (cf. Alves, 1984),
porém, sendo deformada para se encaixar na concepção leninista.
[4]
IWW: Operários Industriais do Mundo, movimento sindical radical surgido nos
Estados Unidos em 1905 (Guérin, 1972), que posteriormente será novamente
abordado por Pannekoek e terá importância para compreender sua posição diante
dos sindicatos.
[5] A
parte deste livro referente aos sindicatos está disponível na internet, com uma
tradução incompleta e problemática, em: http://www.marxists.org/portugues/pannekoe/1920/mes/forca.htm
[6]
Sobre as uniões operárias, cf. Rühle, 1975; Authier, 1975; Meijer, 1976; Barrot
e Authier, 1978.
[7]
Esta parte tem edição portuguesa (Pannekoek, 1977c) e uma edição impressa artesanal
brasileira, disponível na internet (Pannekoek, 2007b).
[8] Lock-out
é uma ação dos capitalistas que consiste em “portas fechadas”, ou seja, impedir
o acesso dos trabalhadores aos meios de produção.
[9]
Este é o caso de Trotski, que reconhece que ocorre uma burocratização crescente
dos sindicatos, mas condena os “ultimatistas” que lançam ultimatos ao
proletariado no sentido de abandonar os sindicatos, sem saber se os operários
irão entender a situação. Ao mesmo tempo em que diz que “o capitalismo
monopolista é cada vez menos capaz de conviver com a independência dos
sindicatos. Exige que a burocracia reformista e a aristocracia operária, que
juntam as migalhas de sua mesa, transformem-se em sua polícia política aos
olhos da classe operária” (Trotski, 1978, p. 105), afirma que é possível um
sindicato revolucionário, desde que, obviamente (e burocraticamente) sob a
direção da IV Internacional, ou seja, sobre a direção da organização dele. Esta
é a posição tipicamente leninista sobre os sindicatos, que são, nesta
concepção, burgueses, caso não se submetam à direção do partido de vanguarda.
Segundo Lênin, o partido deve “educar” e “dirigir” os sindicatos (Lênin, 1979),
o que está expresso em seu texto de ataque ao esquerdismo (Lênin, 1989).
[10]
Os IWW rompem com aspectos do sindicalismo, tal como a base fundada na divisão
social do trabalho, isto é, por profissão, aglutinando o ramo industrial em sua
totalidade, daí seu nome, mas faz isto de forma limitada, pois na base dos
sindicatos ainda mantém o vínculo com a categoria profissional (mineiros, cervejeiros,
etc.). Cf. Guérin, 1972.
[11] A
greve selvagem é realizada quando os trabalhadores descobrem que os sindicatos
são incapazes de efetivar sua luta contra o capital (Pannekoek, 1975c).