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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Marx segundo Von Mises... ou as falácias presentes no facebook



Nos últimos tempos vem surgindo um conjunto de pessoas que fazem leituras superficiais sobre economia e política e começam a reproduzir, na internet, especialmente nas redes sociais (com destaque para o facebook), certos lugares-comuns equivocados. O blog Ombudsman do Facebook vem rebatendo e satirizando essas concepções. A imagem acima mostra um desses casos, tal como aqueles que através de leituras do site do Instituto Von Mises começam a querer criticar Marx, sendo que as críticas do próprio Von Mises já eram risíveis. O caso da política brasileira também é abordada nesse blog. Outro elemento que a página questiona é certas interpretações e concepções sobre a vida cotidiana, no qual afirmações falaciosas são repetidas para confundir as pessoas. Confira:


terça-feira, 27 de outubro de 2015

Livro "Religião e Capital Comunicacional" acaba de ser publicado


VIANA, Nildo (org.). Religião e Capital Comunicacional. Rio de Janeiro: Ar Editora, 2015.


O livro organizado por Nildo Viana e que conta com artigos de André de Melo Santos, Erisvaldo Pereira de Souza, Maria Angélica Peixoto e Veralúcia Pinheiro, com prefácio de Flávio Sofiatti, aborda a relação entre religião e capital comunicacional. Abaixo o texto da contracapa dessa obra e o sumário da obra.

A igreja e a religião foram, no passado, tal como na sociedade feudal, as grandes influências das representações e formas de consciência da população. Na sociedade moderna, ela perde parte de sua influência e novas formas de pensamento e reprodução do mesmo ganham espaço, tais como a ciência, a escola e o capital comunicacional. O capital comunicacional (“indústria cultural”), por sua vez, emerge na sociedade capitalista e passa a ser uma das maiores forças de formação de opinião e consciência. Ao lado disso, as relações sociais na sociedade moderna são marcadas pela mercantilização, na qual tudo vai se transformando em mercadoria ou assumindo a forma de mercadoria. O próprio capital comunicacional é expressão da mercantilização da comunicação e dos meios tecnológicos de comunicação. A religião não fica imune a esse processo.

Nesse contexto, a mutação da religião e de algumas igrejas se torna visível. O seu vínculo com a mercantilização se torna cada vez mais explícito e o uso do capital comunicacional é uma das formas de aliar a antiga influência com sua forma mais contemporânea. O vínculo da religião e o capital comunicacional se torna um dos fenômenos sociais mais importantes na sociedade moderna, especialmente na sociedade brasileira. O presente livro ganha importância nesse contexto, ao abordar essas “ligações perigosas”, pois revela um processo de mercantilização da religião. A relação entre capital comunicacional e religião é analisada sob vários aspectos, abordando a questão da mercantilização, do capital comunicacional, da mutação religiosa, bem como de casos específicos, tal como o uso de determinadas igrejas pelo capital comunicacional. Logo, a temática desse livro se torna fundamental para compreender a dinâmica religiosa contemporânea e sua relação com o capital comunicacional.


SUMÁRIO




Prefácio
Flávio Sofiatti

Introdução
Nildo Viana

Religião, Mercantilização, Fetichismo e Capital Comunicacional
Nildo Viana

Capital Comunicacional e Mutações Religiosas Durante o Regime de Acumulação Integral
André de Melo Santos

Capital Comunicacional e Ação Religiosa
Erisvaldo Pereira de Souza

Igreja Universal e Uso do Capital Comunicacional
Maria Angélica Peixoto

Mercado Religioso, Capital Comunicacional e Violência na Sociedade Contemporânea
Veralúcia Pinheiro


Sobre os autores



sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Intelectuais e Popularidade


INTELECTUAIS E POPULARIDADE
Nildo Viana


É a prova de uma mente inferior o desejar pensar como as massas ou como a maioria, somente porque a maioria é a maioria. A verdade não muda porque é, ou não é, acreditada por uma maioria das pessoas.

Giordano Bruno

O desenvolvimento da sociedade moderna, da tecnologia e dos meios de comunicação possibilitou, na contemporaneidade, a emergência de novos tipos de intelectuais, convivendo com os antigos. Um desses novos tipos é o daquele cujo interesse intelectual principal é a popularidade. Sem dúvida, isso sempre existiu e foi materializado na figura dos intelectuais venais[1]. No entanto, esse novo tipo acaba ganhando novas características, sendo que uma delas é seu vínculo com os meios tecnológicos de comunicação (internet e redes sociais) e sua posição política declaradamente de “esquerda”. Desenvolveremos uma breve análise desse tipo de intelectual nas próximas linhas.

Um dos objetivos fundamentais do “intelectual popular”[2], ou, para usar termo mais adequado, “populista”[3], é a popularidade. Assim, o que interessa é usar o discurso que mais agrada, especialmente ao seu “círculo próximo” (seus pares, ou seja, colegas de trabalho ou profissão, seus contatos e alunos, seus seguidores de redes sociais, seus correligionários, muitas vezes de forma eclética e ambígua, pois necessita “agradar a gregos e troianos”). É por isso mesmo que ele é dado a alianças, com os conservadores em seu local de trabalho e colegas de profissão, pois podem e são úteis para seus interesses pessoais, e também com posições à “esquerda”, nos processos políticos longe do seu local de trabalho, pois faz parte de suas pretensões, estar presente na vida das mobilizações e setores progressistas, seu “público reserva”.

Ao lado da possível busca de dinheiro, fama, etc., esse tipo de intelectual tem na popularidade o seu foco. O número de curtidas em seu facebook é, por exemplo, um medidor importante. A queda do número de curtidas pode significar a necessidade de evitar certos assuntos ou posicionamentos, certos colegas “impopulares” (por serem mais coerentes, por ter determinada concepção política, por sua radicalidade, etc.). Ele está sempre de olho nos modismos, nas correntes predominantes de opinião, na “preferência do público”[4].

O oportunismo é uma das características do intelectual populista. O intelectual populista acaba perdendo sua essência, pois, para parafrasear Marx, “quando mais ele se fia em sua popularidade, menos tem de si mesmo”[5]. Transforma-se, para parafrasear Musil, num “homem sem personalidade”, embora este não precisa ser parafraseado, pois o intelectual populista também é um “homem sem qualidades”, bem próximo ao protagonista do seu romance, só que em versão atualizada e contemporânea.

A motivação fundamental do intelectual populista são seus interesses pessoais: dinheiro, fama, popularidade e outras vantagens derivadas. Como esse tipo é predominantemente masculino, a “conquista de mulheres” entra na lista de alguns deles. Apesar disso esse tipo de intelectual se sente à vontade para falar e acusar os demais de “machismo” e outros termos que agradam parte do seu círculo próximo e que estão em evidência nos meios em que atua. A hipocrisia é outra característica desse tipo de intelectual. Vai cada vez mais se tornando um joguete da hegemonia dominante, se aliando com qualquer um que resulte em vantagem, perdendo toda e qualquer radicalidade e compromisso com a verdade. Assim, quanto mais popularidade, menos verdade, menos personalidade, menos radicalidade, menos profundidade, menos honestidade. Claro, isso não é uma lei e sim uma tendência, pois existem exceções.

Esse tipo de intelectual usa as redes sociais para falar de si e com postagens curtas, pois sabe que o “público” geralmente não lê longas postagens (segundo um intelectual populista “ninguém merece esses textos longos”) e ele não tem nenhuma pretensão de colaborar com o desenvolvimento da consciência ou da cultura, apenas quer ser “lido”, ou pelo menos “curtido”. O intelectual populista tem ideias curtas e curtas postagens. Além de geralmente fazer depoimento pessoal visando ganhar simpatia e aplausos de sua plateia, fica sempre na superficialidade e no mundo das impressões, às vezes dando aparência de seriedade e profundidade (uma citação aqui ou ali, por exemplo). Outros pegam temas que estão em destaque na imprensa ou no seu círculo de reconhecimento e reproduz o mesmo em alguma discussão supostamente “crítica” e “progressista”. Alguns buscam transformar coisas corriqueiras em grandes questões, bem como se apresentar como vítima, injustiçado, incompreendido, arrependido. Isso incluí até “autocrítica”, bem como mostrar os próprios defeitos que, uma vez expostos, se transformam em qualidades. Reconhecer um ato de desonestidade, por exemplo, rende o elogio pela honestidade por ter assumido isso. Essa é a mágica da transformação da desonestidade em honestidade. O cinismo é outra característica do intelectual populista.

Buscar popularidade, em si, não é algo condenável. Os intelectuais, geralmente, buscam popularidade, por razões distintas, além do desejo de reconhecimento de sua produção cultural (autorrealização), como divulgar ideias (políticas, científicas, etc.), interferir no curso das coisas, manifestar e defender seus valores, ganhar dinheiro, popularizar aquilo que considera verdadeiro, justo ou belo, etc. O problema do intelectual populista é que a popularidade se torna seu valor fundamental e tudo passa a estar submetido a ele (às vezes junto com outros valores pouco nobres, como ascensão social, dinheiro, poder, etc.). O intelectual deve querer ter popularidade para que suas ideias tenham efetividade, mas, em nenhum caso, deve querer que suas ideias tenham efetividade para ter popularidade[6].

Enfim, o intelectual populista, no plano intelectual, realiza na prática o que foi aconselhado por Machado de Assis em Teoria do Medalhão. Quando ex-militante, não hesita em atacar ex-companheiros com subterfúgios retóricos, calúnias e difamação, para demonstrar aos seus novos companheiros e mestres que agora é um aliado confiável, regenerado, e que pode ser aceito tranquilamente, já que não lhe resta mais nenhum resquício de compromisso com a verdade, a honestidade e a radicalidade. Trata-se de uma figura patética e medíocre, aplaudido por desavisados, ingênuos, desinformados e por seus semelhantes.

O intelectual populista fica cada vez mais desacreditado nos meios mais informados e politizados, embora em alguns casos isso demore um certo tempo. O futuro do intelectual populista é desaparecer com o passar dos anos, pois a juventude vai se perdendo e a lei do mínimo esforço se torna mais imperativa. A época do estrelato passou. No início “a estrela sobe”, tal como a personagem de Marques Rebelo, e depois ela cai. O intelectual populista volta para o fundo do poço do esquecimento geral, pois ficou tão embriagado com a popularidade momentânea que abandonou qualquer coisa significativa, duradoura, verdadeira. Ao desistir de sua humanidade e escolher a mundanidade não só escolheu o seu presente de popularidade passageira, mas seu futuro como ser humano medíocre, sem ideal e sem utopia, tal como o definia Ingenieros (s/d) e qualquer motivo para ser lembrado, a não ser sob forma negativa. Em sua lápide estará escrito: “aqui jaz um intelectual populista, que era aplaudido por algumas centenas de leitores superficiais e agora no seu túmulo tem apenas a leitura devoradora dos vermes”.

Referências

INGENIEROS, José. O Homem Medíocre. Curitiba: Chain.

MACHADO DE ASSIS. Teoria do Medalhão. Contos Filosóficos. São Paulo: Sesi, 2014.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Sobre Arte e Literatura. São Paulo: Global, 1986.

VIANA, Nildo. As Esferas Sociais. A Divisão Capitalista do Trabalho Intelectual. No prelo, 2015.

VIANA, Nildo. Intelectuais Venais e Axiologia. Revista Axionomia. Ano 01, num. 01, jan./jul. 2015.





[1] Sobre intelectuais venais e outras posturas intelectuais, cf. Viana (2015). Isso não se aplica a todos os intelectuais venais, pois o dinheiro é seu valor fundamental. A popularidade é útil quando gera dinheiro. Em alguns casos, a popularidade é um valor importante ao lado do dinheiro, que mantém a supremacia.

[2] Aqui não se trata do uso tradicional do termo, que seria equivalente a “artista popular”, pois a este denominamos “intelectual amador”.

[3] O termo intelectual populista, aqui, não expressa uma postura intelectual (que pode ser venal, hegemônica, dissidente, ambígua, amadora, engajada) e sim uma forma específica de manifestar uma determinada relação com o público e conseguir popularidade, que pode ser manifestação da postura do intelectual venal ou do ambíguo. O intelectual populista pode ser uma prefiguração de um intelectual venal ou manifestação singular do intelectual ambíguo. Sobre essas duas posturas intelectuais, há uma síntese no artigo acima citado.

[4] Aqui, no caso, significa o “círculo próximo”. Sobre os intelectuais e sua relação com o público e os círculos de reconhecimento, o meu livro As Esferas Sociais, ainda a ser publicado, apresenta uma análise útil para sua compreensão.

[5] A frase de Marx é traduzida sob formas diferentes em distintas traduções dos Manuscritos de Paris (também chamado de Manuscritos de 1844 e Manuscritos Econômico-Filosóficos). Essa nos parece mais adequada e constará da tradução em que em breve será publicada.

[6] Essa frase é quase uma paráfrase de Marx: “o escritor deve ganhar dinheiro para poder viver e escrever, mas, em nenhum caso, deve viver e escrever para ganhar dinheiro” (MARX e ENGELS, 1986).

Leia Mais:

domingo, 11 de outubro de 2015

Anton Pannekoek e a Questão Sindical


Anton Pannekoek e a Questão Sindical
Nildo Viana

A questão sindical é uma das discussões mais tradicionais no que se convencionou denominar “esquerda”. Várias posições e análises foram realizadas sobre o sindicalismo e os sindicatos. Dentre estas análises há de Anton Pannekoek, marxista holandês que vem sendo retomado e lido em todo mundo após as mudanças sociais do final dos anos 1990, embora já tivesse sido recordado a partir da rebelião operária e estudantil de maio de 1968. A abordagem da questão sindical por Pannekoek tem alguns pontos problemáticos para qualquer analista de sua obra. Em primeiro lugar, ele, no decorrer de sua produção teórica, mudou de posição a respeito dos sindicatos; em segundo lugar, desenvolveu observações sobre sindicatos e sindicalismo em diversos textos esparsos não dedicados exclusivamente a esta questão. Para remover estes dois obstáculos iremos proceder da seguinte forma: dividiremos o pensamento de Pannekoek de acordo com as mudanças de seu pensamento, que estão ligadas às mudanças sociais, para resolver o primeiro problema e focalizaremos os textos nos quais ele aprofunda mais sua discussão sobre sindicatos, usando, em determinados momentos, alguns outros textos de forma complementar.

A primeira análise mais extensa dos sindicatos apresentada por Pannekoek se encontra em seu livro As Divergências Táticas no Interior do Movimento Operário. Neste texto ele faz algumas afirmações que serão repetidas em quase todos os seus textos sobre sindicalismo que serão escritos posteriores e algumas teses que irá abandonar posteriormente. O elemento permanente de sua análise do sindicalismo já se encontra em Marx. Trata-se da ideia de que o sindicato, na verdade, é produto da luta dos trabalhadores e que seu papel é negociar o valor da mercadoria força de trabalho.

“O valor da força de trabalho constitui a base racional e declarada dos sindicatos, cuja importância para a classe operária não se pode subestimar. Os sindicatos têm por fim impedir que o nível dos salários desça abaixo da soma paga tradicionalmente nos diversos ramos da indústria e que o preço da força de trabalho caia abaixo de seu valor” (Marx e Engels, 1980, p. 9).

Estas palavras, bem como a afirmação sobre o esforço dos sindicatos em manter um intercâmbio “honesto” de mercadorias pelo seu valor, é retomada quase que textualmente várias vezes por Pannekoek. A outra afirmação que ele também reproduz é o fato de os sindicatos são produtos das lutas operárias:

“Os sindicatos nasceram dos esforços espontâneos dos operários ao lutar contra as ordens despóticas do capital, para impedir ou ao menos atenuar os efeitos dessa concorrência [entre os operários – NV], modificando os termos do contrato, de forma a se colocarem acima da condição de simples escravos” (Marx e Engels, 1980, p. 13).

Pannekoek afirma que os sindicatos são a forma de organização natural do proletariado, derivada da função social do proletariado como vendedor da força de trabalho. O seu objetivo é conseguir melhores condições de venda da força de trabalho, a luta contra o patrão pela melhora das condições de trabalho é a forma primeira e instintiva da luta de classes (Pannekoek, 2007a). Os sindicatos não são órgãos da luta revolucionária contra o capital e sim órgãos de reivindicação e estabilidade do capitalismo. O seu objetivo fundamental é garantir o pagamento da força de trabalho por seu verdadeiro valor:

“É a primeira grande tarefa dos sindicatos e em todas as partes é seu objetivo essencial. Todas suas instituições, sua forma de organização, e sua atitude em relação ao exterior, devem adaptar-se a essa tarefa. Por isso devem ser ‘neutros’, isto é, não exigir a seus aderentes que professem concepções políticas, ou outras quaisquer; devem agrupar a todos os operários que querem lutar contra os empresários pela melhoria de suas condições de trabalho, quaisquer que sejam suas opiniões. Devem pedir cotizações elevadas, pois, sem caixa bem cheia, é impossível levar a cabo greves ou suportar pressões empresariais. Devem contratar empregados remunerados, pois as tarefas administrativas, a condução das lutas, as negociações com os empresários, não podem ser ocupações secundárias e requerem também atitudes e conhecimentos especializados que não se pode adquirir sem a prática” (Pannekoek, 2007a, p. 51).

Neste sentido, os sindicatos não se colocam como inimigos do capitalismo, não lutam contra a existência da força de trabalho como mercadoria, mas sim para conseguir um melhor preço para esta valiosa mercadoria. A sua tarefa se situa no interior do capitalismo e por isso não supera os seus limites. Este caráter, no entanto, é apenas um dos aspectos de sua natureza. A luta de classes, o combate permanente entre burguesia e proletariado, faz com que os sindicatos sejam jogados constantemente na luta. O capitalismo não é um modo de produção imóvel, ele se encontra em fluxo constante e rápido desenvolvimento. A competição intercapitalista e o desenvolvimento tecnológico voltado para a maximização da acumulação de capital, o que significa aumento do lucro, produzem uma resistência encarniçada aos sindicatos que buscam aumentar os salários e diminuir o despotismo fabril. Isso é reforçado pela alteração entre períodos de prosperidade e crise que vive o capitalismo. Esse desenvolvimento contraditório do capitalismo impede também a conversão dos sindicatos em organizações conservadoras. Os sindicatos também são um elemento indispensável ao capitalismo ao não permitir que o desenvolvimento capitalista rebaixe os salários a níveis de miséria e desamparo de tal forma que prejudicaria a própria produção.

No entanto, os sindicatos são algo mais:

“São ao mesmo tempo um elemento de transformação revolucionária da sociedade. Não porque se colocam novos objetivos e tarefas, distintos dos já citados, mas unicamente porque realizam o melhor possível de sua luta específica, isto é, a luta por melhores condições de trabalho. Não é um propósito consciente ou um programa e sim a realidade mesma que faz deles órgãos da revolução. Uma vez mais se vê que o fim revolucionário do proletariado está ligado intimamente à luta prática cotidiana e que adquire força através dela” (Pannekoek, 2007a, p. 254).

A prática sindical oferece aos trabalhadores ensinamentos que servem para o desenvolvimento de uma consciência de classe inicial e uma primeira compreensão da sociedade. “A adesão à organização sindical é prova da primeira aparição de sua consciência de classe” (Pannekoek, 2007a, p. 254-255). A participação nos sindicatos oferece ensinamentos sobre as verdadeiras motivações dos capitalistas, a natureza do capitalismo, a necessidade de uma luta incessante, e, no curso da prática, ou seja, colabora com a superação das ilusões que foram inculcadas através de sua educação. Neste momento, Pannekoek apresenta a tese do sindicato como “escola do proletariado”.

Porém, tal compreensão da natureza do capitalismo, segundo Pannekoek, é ainda limitada, sendo profunda, mas não ampla, geral. A luta sindical promove a percepção do empresário ou do sindicato patronal mas não da classe capitalista como um todo. É preciso uma compreensão política mais ampla, o que ocorre quando o proletariado ataca o capital em seu conjunto através da luta política, oferecendo uma compreensão geral e tática geral de luta.

A importância da luta sindical reside no fato de, sendo uma organização natural do proletariado, o sindicato proporciona uma aprendizagem da disciplina proletária:

“A prática da luta sindical cotidiana é a prática que ensina aos trabalhadores a subordinar seu interesse imediato, pessoal, ao interesse geral, a sacrificar sua vantagem pessoal pela vitória da classe. Cada greve ganha graças à união sólida, cada luta perdida por causa da falta de solidariedade, lhes golpeia no espírito a verdade que, quando o indivíduo segue sua vontade, todos perdem, porém, quando cada indivíduo submete sua vontade ao conjunto, todos ganham e progridem. Esta experiência adquirida na luta arrastam com força os trabalhadores à disciplina” (Pannekoek, 2007a, p. 256).

Os dois grandes fatores de força do proletariado, tese que Pannekoek jamais abandonará, embora no futuro transfira a segunda para os conselhos operários[1], são o saber e a organização e esta última é produto da luta sindical. É aí que se encontra a importância revolucionária dos sindicatos.

Porém, essa compreensão da luta sindical só se encontra no marxismo, que vê nas lutas cotidianas de hoje as condições da transformação revolucionária da sociedade. É neste contexto que Pannekoek passa a avaliar as “tendências burguesas no movimento sindical”. A concepção burguesa, não-marxista, vê nas lutas sindicais cotidianas apenas busca de melhora nas condições de vida sem ligação com o processo de emancipação proletária. Outra concepção leva a perceber o significado revolucionário da organização sindical e busca influir na prática atual dos sindicatos. Estas duas posições são a posição reformista e a posição sindicalista revolucionária. A primeira posição é expressa pelos sindicatos ingleses e a posição sindicalista revolucionária é expressão do sindicalismo francês (da época em que Pannekoek escreveu este texto, 1909).

Na França, o Partido Socialista e seu reformismo e falta de ponto de vista de classe, promove uma insatisfação que gera sentimentos revolucionários fortes que se opõem ao parlamentarismo

“O fim destes sindicatos não é a conquista do poder político mas o domínio dos operários sobre a indústria. O movimento operário verdadeiro consiste na luta realizada pelos próprios proletários e não por seus representantes. Sua palavra de ordem é atuar por conta própria, isto é, a ação direta. As massas não podem conquistar sua liberdade a não ser por si mesmas; não pode ser conquistadas para elas por chefes ou representantes. As massas operárias devem pensar e sentir de maneira revolucionária por si mesmas; não basta que se unam simplesmente para conseguir melhores salários e uma jornada de trabalho mais curta” (Pannekoek, 2007, p. 257-258).

A prática sindical deve seguir esta concepção. Elas são as verdadeiras organizações operárias que devem levar a cabo a luta política contra o governo. A conquista do poder se fará através de uma greve geral durante a qual haverá a paralisação de todo trabalho e os operários se negarão a obedecer aos capitalistas. Os operários devem ser educados nestes sentimentos revolucionários pelos sindicatos não apenas através de discursos mas principalmente através da prática das greves. As greves se tornam um fim em si mesmas e uma escola revolucionária e pouco importa os êxitos ou fracassos momentâneos.

Pannekoek, no entanto, coloca que estes princípios não são capazes de criar um movimento sindical vigoroso e por isso não atingem seus objetivos. O sindicalismo revolucionário supõe que os proletários possuem sentimentos revolucionários antes da prática, mas eles são produtos desta. Por isso, ele afirma que estas organizações não são capazes de aglutinar um conjunto extensivo de proletários que não são ainda conscientes e só poderia consegui-lo através de lutas que objetivem pequenas melhoras cotidianas. Ao tentar exercer uma função que não é sua e sim do partido político, não exerce corretamente sua função própria, que é a melhora das condições de vida dos trabalhadores[2].

O revisionismo, por sua vez, encontra um terreno fértil no sindicalismo[3]. A luta sindical não visa o objetivo final da luta, o socialismo, as questões gerais, etc. O movimento sindical se limita a olhar as questões imediatas. Outro motivo para os sindicatos serem sensíveis ao revisionismo se encontra no fato de que a luta deve ocorrer no terreno da ordem política burguesa, do Estado de direito liberal, com sua superestrutura jurídica e ideológica. Isto é derivado das condições naturais no qual se desenvolve o sindicalismo e não de concepções errôneas e erros pessoais. As tendências revisionistas promovem um debilitamento do movimento operário ao separar as questões imediatas das questões mais gerais.

Os sindicatos, afirma Pannekoek, são organizações de massas dos trabalhadores que, geralmente, estão dispersas em federações de ofícios e quando estão isolados da luta política caem no corporativismo. A luta por interesses imediatos domina os sindicatos e reforça o burocratismo. Isso reforça o parlamentarismo e a direção dos chefes passa a primeiro plano. O revisionismo promove um efeito prejudicial ao movimento operário ao gerar sentimentos de auto-satisfação antirrevolucionários, gerando uma dificuldade de inserção da social-democracia e criando um predomínio do espírito corporativo, além de debilitar a consciência democrática e a confiança dos trabalhadores em suas próprias forças.

O desenvolvimento capitalista, no entanto, promove uma luta constante e subverte cotidianamente tudo o que existe. Isto promove as greves e lutas que faz com os sindicatos abandonem os interesses imediatos e se direcionem às grandes lutas políticas. “A luta política e a luta sindical confluem cada vez mais em uma única luta da classe operária contra as classes dirigentes” (Pannekoek, 2007a, p. 266). A luta meramente reivindicativa é superada pela terceira fase da luta proletária, que une as lutas imediatas sindicais com a luta política geral através das greves de massas.

Esse texto deve ser contextualizado para que possa ser melhor compreendido e inserido na evolução do pensamento de Pannekoek. Neste período, Pannekoek estava inserido na social-democracia e escreveu sua obra na Alemanha, numa época em que havia uma divergência entre os revisionistas, representados teoricamente por Bernstein, e os “ortodoxos”, representados intelectualmente por Kautsky. Pannekoek se posicionava como social-democrata dissidente, ou seja, fazia parte da social-democracia mas era um dissidente e por isso se colocava frontalmente contra o revisionismo, a tendência reformista assumida, e possuía divergência com a nova ortodoxia instaurada, a de Kautsky, embora tivesse proximidade com esta ala, que, apesar de também ser reformista, ainda usava uma fraseologia revolucionária e declarava sua adesão ortodoxa ao pensamento de Marx.

Por conseguinte, o pensamento de Pannekoek ainda mostrava limitações de suas ligações com a social-democracia, pois sua oposição interna ainda não tinha adquirido uma maior radicalidade e compreensão do que realmente era esta tendência. Além disso, as ações dos partidos social-democratas e de muitos sindicatos, ainda não haviam chegado aos exageros futuros que clarificariam o seu caráter político burocrático, apesar de já manifestar isso, não só em tendências mais direitistas (o revisionismo), mas também nas tendências “ortodoxas”.

Além da inserção de Pannekoek na social-democracia, apesar de manter uma posição crítica, há também a situação social e política da época, no qual havia certos sindicatos com maior autonomia e a social-democracia ainda não tinha revelado sua verdadeira face sob a forma explícita de decisões políticas contra-revolucionárias. É com as mudanças sociais posteriores, a aprovação dos créditos de guerra pela social-democracia alemã, onde Pannekoek morava nesta época, que as contradições se tornam mais amplas e há a ruptura na social-democracia, emergindo assim o chamado “comunismo” ou “socialismo radical”, expresso por várias tendências e concepções, se destacando no cenário político Rosa Luxemburgo, na Alemanha, e Lênin, na Rússia. Pannekoek é um dos principais representantes teóricos do socialismo radical e irá manter uma posição crítica ao reformismo e se inserir nas tendências radicais da época. Devido ao desconhecimento do verdadeiro caráter do bolchevismo e a unidade de oposição ao reformismo, as tendências socialistas radicais não irão se opor ao bolchevismo frontalmente (retirando as críticas, inclusive anteriores a esse processo de ruptura, de Rosa Luxemburgo, que continua quando faz sua análise crítica da revolução russa, havia uma idéia de que o bolchevismo seria próximo e uma primeira imagem da revolução russa que seria de apoio crítico para várias tendências), até que as relações diretas ou intelectuais ou o desenvolvimento dos acontecimentos na Rússia provocasse uma nova ruptura.

A ruptura se consolida, inicialmente, devido ao livro lançado por Lênin, O Esquerdismo, A Doença Infantil do Comunismo. A obra ataca as tendências que não seguem o modelo russo de organização e tática, tal como Silvya Pankhurst na Inglaterra, Amadeo Bordiga na Itália e, principalmente, Gorter e Pannekoek, holandeses que estavam atuando nas lutas políticas na Alemanha. Gorter respondeu a Lênin, enquanto que Pannekoek escreveu uma obra que marcou sua ruptura definitiva com o bolchevismo, Revolução Mundial e Tática Comunista. Nesta obra, Pannekoek já escreve em outra situação, na qual marca o seu rompimento com o socialismo radical e seu primeiro passo rumo ao comunismo de conselhos. A Revolução Russa e a Revolução Alemã fazem brotar da luta operária os conselhos operários que acabam aparecendo a forma organizacional revolucionária do proletariado que foi combatida ou corrompida pelas organizações tradicionais, partidos e sindicatos. É neste contexto que a esquerda alemã irá formar o KAPD – O Partido Comunista Operário da Alemanha, um partido que não é “um partido propriamente dito” e surgiram as uniões operárias que aglutinam os conselhos de fábricas. Esta organização logo entrará em confronto com o bolchevismo devido questões relativas à III Internacional e divergências que vão se clarificando com o tempo.

A posição de Pannekoek sobre os sindicatos, que concorreram e em muitos casos combateram os conselhos operários se altera. Pannekoek continua reconhecendo, como não poderia deixar de ser para se manter fiel ao processo histórico, que os sindicatos surgiram das lutas operárias e que sua função primordial é negociar o valor da força de trabalho. Porém, ao lado disso, passa a perceber que os sindicatos são organizações burocráticas e, nesse sentido, passa a enxergar a burocracia sindical.

“O poder dos chefes sobre as massas se encarna no plano espiritual no parlamentarismo e no plano material no movimento sindical. No sistema capitalista, os sindicatos constituem a forma de organização natural do proletariado: Marx há muito tempo já assinalou sua importância como tal. Com o desenvolvimento do capitalismo e, mais ainda, na época do imperialismo, os sindicatos se transformaram cada vez mais em associações gigantescas que apresentam uma tendência a proliferar comparável ao organismo estatal burguês em outros tempos. No seu interior foi criada uma classe de funcionários, uma burocracia que dispõe de todos os elementos de força: o dinheiro, a imprensa, a promoção do pessoal inferior. Em muitos aspectos goza de prerrogativas a ponto de que seus membros, que no início estava a serviço da coletividade, se transformaram em seus donos e se identificando a si mesmos com a organização. Os sindicatos também se parecem com o Estado e sua burocracia, pois apesar da existência de um regime democrático, os sindicalizados não tem nenhum meio de impor aos dirigentes sua vontade; efetivamente, há um engenhoso sistema de regulamentos e estatutos que impedem a menor rebelião antes que possa ameaçar suas altas esferas” (Pannekoek, 1975a, p. 196).

A oposição sindical precisa de anos e esforço para conseguir algum êxito, que nada mais é que a mudança dos dirigentes. Quando os trabalhadores agitam e se rebelam, fazem greves por si mesmos e novas lideranças aparecem e tão logo haja um processo de retomada da calmaria, a velha direção retoma sua posição. Os sindicatos, ao combater a pauperização dos trabalhadores e o absolutismo do capital, exerce sua função no interior do capitalismo, tal como Pannekoek já havia identificado em obra anterior. Porém, agora ele acrescenta que:

“Porém, a partir do momento em que a revolução se desenvolve, o proletariado se transforma e, de elemento da sociedade capitalista se converte em seu destruidor, passa a ter também que enfrentar o sindicato” (Pannekoek, 1975a, p. 196).

O sindicato se torna não apenas uma instituição da sociedade capitalista mas torna-se um de seus sustentáculos: “A burocracia sindical não se limita a pactuar com a burocracia estatal, se esforça também por levar aos proletários a aprovar os acordos a que chegarem com os capitalistas” (Pannekoek, 1975, p. 196). Para conseguir isso, a burocracia sindical usa da demagogia, violência e mentiras desavergonhadas. Assim, apesar da democracia formal, os sindicatos não podem ser instrumentos da revolução proletária. “Seu poder contra-revolucionário não se aniquilará, nem se sequer se enfraquecerá, com uma mudança de dirigentes, substituindo aos chefes reacionários por homens de esquerda ou “revolucionários” (Pannekoek, 1975a, p. 197). O sindicato reduz as massas à impotência, e “a revolução só pode vencer se esta forma de organização é destruída e, mais exatamente, se se transforma de cabo a rabo de maneira que se converta em algo muito diferente” (Pannekoek, 1975a, p. 197).

A solução para este problema, numa situação revolucionária, é a formação dos conselhos operários, tal como coloca Pannekoek:

“Instaurado no interior da classe, o sistema dos sovietes (conselhos operários) está em condições de extirpar e de suplantar tanto a burocracia do Estado como a dos sindicatos; os sovietes estão convocados a servir de novos órgãos políticos para o proletariado assim como também de bases para os novos sindicatos” (Pannekoek, 1975a, p. 197).

O sindicalismo revolucionário busca diminuir as tendências burocráticas, mas possuem limitações e “audiência reduzida”, como raras exceções, tal como os IWW, nos Estados Unidos[4]. Quando os trabalhadores produzirem suas próprias formas de organização, os conselhos operários, o Estado será decomposto, abolido. Os sindicatos, devido a tradições enraizadas, ainda existirão por algum tempo, buscando se adequar ao novo contexto e relações estabelecidas[5].

Este texto de Pannekoek marca um significativo avanço em relação ao texto anterior. Este avanço não foi promovido apenas pelas reflexões de Pannekoek, mas também pelas mudanças sociais, a desmoralização total da social-democracia, vinculada à burocracia sindical, e dos sindicatos, bem como suas ações conservadoras na Revolução Alemã e sua crescente burocratização. A percepção do papel contra-revolucionário dos sindicatos devido domínio da burocracia sindical é o grande avanço da análise de Pannekoek sobre os sindicatos. Porém, ainda restam algumas limitações em seu pensamento neste texto. Um deles está no pouco desenvolvimento da análise dos IWW. Além disso, ao referir-se a “novos sindicatos” (que, contraditoriamente, terão como base os conselhos operários...) e sua permanência após abolição do Estado via formação dos conselhos operários, são imprecisões que permitem interpretações problemáticas. Ele mesmo afirma, no mesmo texto, que em momentos de revolução proletária, o proletariado, através dos conselhos operários, terá que se defrontar com os sindicatos e depois diz que estes serão as bases dos “novos sindicatos”. Esse é mais um problema terminológico, mas que se presta a confusões. Não se trata, no fundo, de “novos sindicatos” e sim de novas organizações mais amplas articulando todos os ramos da produção, tal como as Uniões Operárias na Alemanha que nasceram durante o processo revolucionário[6]. Neste caso, já não são mais sindicatos. A preservação de uma terminologia velha para explicitar um fenômeno social novo permite a confusão e a ideia de permanência que foi alterado radicalmente. A sua permanência já é algo mais complicado, mas como não houve maiores desdobramentos, podemos pensar que talvez ele se referia a estes “novos sindicatos”, que, no fundo, não são sindicatos.

Porém, antes de uma análise mais global da concepção de Pannekoek, devemos analisar alguns outros textos dele para ver seus desdobramentos posteriores e possuir uma percepção mais global de suas teses sobre sindicalismo. Para tanto, iremos tomar o seu artigo de 1936, O Sindicalismo, para ver os desdobramentos de sua análise sobre a questão sindical. Neste texto, Pannekoek retoma a ideia que o sindicato é a forma primitiva do movimento operário em um capitalismo marcado pela estabilidade, tendo o papel de proteger os trabalhadores diante da voracidade exploradora do capital, inclusive tendo a greve como meio principal de luta. O “espírito capitalista”, devido aos processos sociais ocorridos no EUA e Inglaterra, acabou dominando a classe operária. Segundo Pannekoek:

“Tudo isto está plenamente de acordo com o verdadeiro caráter do sindicalismo, cujas reivindicações não vão nunca além do capitalismo. O fim do sindicalismo não é substituir o capitalismo por outro modo de produção, mas melhorar as condições de vida no interior mesmo do sistema capitalista. A essência do sindicalismo não é revolucionária mas conservadora” (Pannekoek, 1977a, p, 177).

Os sindicatos fazem parte da luta de classes, pois a classe capitalista deseja aumentar constantemente a extração de mais-valor e o proletariado, naturalmente, busca melhorias salariais e nessa disputa, as condições de trabalho e outros interesses entram em jogo. Os sindicatos tomam parte nesta luta. Até aqui Pannekoek reproduz alguns elementos presentes em seus textos desde As Divergências Táticas no Interior do Movimento Operário. Também neste sentido está sua afirmação de que os sindicatos foram as primeiras escolas do proletariado no sentido da aprendizagem da solidariedade. Porém, e neste aspecto ele avança em relação a este primeiro texto, eles se tornam cada vez mais fossilizados, tal como ocorreu na Inglaterra e EUA. Ele retoma o caráter crítico de sua abordagem em Revolução Mundial e Tática Comunista:

“Existe, portanto, uma diferença entre a classe operária e os sindicatos. A classe operária tem que apontar para mas além do capitalismo, enquanto que o sindicalismo está inteiramente confinado nos limites do sistema capitalista. O sindicalismo só pode representar uma parte, necessária, porém ínfima, da luta de classes. Ao desenvolver-se, tem que entrar necessariamente em conflito com a classe operária, a qual quer ir mais longe” (Pannekoek, 1977a, p. 179).

Pannekoek retoma o tema da burocracia sindical. Com o desenvolvimento capitalista, os sindicatos crescem se tornando gigantescas organizações que agregam milhares de aderentes em todo um país. Possui todo um conjunto de funcionários: presidentes, secretários, tesoureiros, dirigindo as questões financeiras, negociações com patrões, etc. Os dirigentes sindicais se tornaram mestres na tarefa da negociação com os capitalistas e passam e compreender o ponto de vista destes tão bem quanto o dos trabalhadores e passam a defender os “interesses da indústria”, ou seja, do “todo” e não apenas o dos trabalhadores. A burocracia sindical assume o papel de dirigente e os operários sindicalizados, absorvidos pelo trabalho fabril, não podem julgar ou dirigir seus interesses. A organização não é mais uma assembléia de operários e sim um corpo especializado que possui política, caráter, mentalidade, tradições e funções próprias. Os seus interesses se tornam diferentes dos da classe operária e se um dia perdessem sua utilidade para os trabalhadores, não desapareceriam por isso, pois seus fundos, aderentes, funcionários, não iriam se dissolver de um dia para outro.

“Os funcionários sindicais, os dirigentes do movimento operário, são os defensores dos interesses particulares dos sindicatos. Apesar de suas origens operárias, adquiriram um novo caráter social após longos anos de experiência na cabeça da organização. Em cada grupo social que se torna suficientemente importante para formar um grupo à parte, a natureza do trabalho modela e determina os modos de pensamento e ação. O papel dos sindicalistas não é o mesmo que o dos operários. Eles não trabalham na fábrica, não são explorados pelos capitalistas, não são ameaçados pelo desemprego. Se sentam nos gabinetes em postos relativamente estáveis. Discutem questões sindicais, tem a palavra nas assembléias de operários e negociam com os patrões. Certamente, devem estar do lado dos operários, cujos interesses e reivindicações contra os capitalistas devem defender. Porém, nisto, seu papel não é diferente do advogado de uma organização qualquer” (Pannekoek, 1977a, p. 180).

Pannekoek reconhece que existe uma diferença entre tal advogado e os burocratas sindicais, pois estes, em sua maioria, saíram das fileiras do proletariado e sofreram na pele a exploração capitalista. Porém, logo mudam suas posições e passam a atuar no “interesse da indústria” e, assim, atuam como mediadores e por isso os sindicatos inevitavelmente entram em conflito com a classe operária.

No capitalismo avançado, a burocracia sindical se considera elemento indispensável do capitalismo e suas funções passam a ser regular os conflitos de classes e assegurar a paz nas fábricas. A força do capital, principalmente através de sua concentração e poder crescentes, debilitam o poder dos sindicatos e assim as greves se tornam um problema para os sindicatos, pois sua deflagração compromete as finanças e, em alguns casos, até a existência dos sindicatos. Assim, eles passam a tentar convencer os trabalhadores para aceitarem as condições do patronato.

“De tal modo que em última análise eles atuam como porta-vozes dos capitalistas. A situação é ainda mais grave quando os operários insistem em querer continuar a luta, sem unir-se às palavras de ordem dos sindicatos. Nesse caso, a força sindical se volta contra os trabalhadores” (Pannekoek, 1977a, p. 183).

Porém, os sindicatos devem manter um simulacro de combate com a classe dirigente para poder conservar certa influência sobre os trabalhadores. Quando busca, devido pressão da classe trabalhadora, a contragosto, pressionar os capitalistas, o fazem moderadamente. Se os sindicatos se levantassem e buscassem despertar o espírito combativo dos trabalhadores, “seriam perseguidos sem piedade pela classe dirigente, que reprimiria suas ações, mandaria sua polícia para destruir seus escritórios, prenderia seus dirigentes e lhe condenaria a pagar multas e confiscaria seus fundos”. Claro está que essa última parte do texto de Pannekoek está ligado à época marcada por uma repressão crescente (o nazismo na Alemanha e fascismo na Itália são apenas os exemplos mais drásticos). De qualquer forma, dependendo da radicalidade das lutas sociais e do papel dos sindicatos, esta ação governamental poderia se desencadear mesmo em outros contextos históricos.

Pannekoek destaca o papel conservador dos sindicatos, que em momentos de relativa estabilidade e prosperidade do capitalismo buscam melhorias e possui mais facilidade em consegui-las e por isso tomam partido dos governos e buscam evitar as crises de qualquer forma. É devido a isto também que o sindicalismo nos países imperialistas apóiam a exploração internacional e a política imperialista e, quando a competição intercapitalista e a luta de classes avançam, apóiam as guerras e aderem ao objetivo de despertar o nacionalismo e chauvinismo na classe operária. O sindicalismo, devido sua vinculação com o capitalismo, também recusa o comunismo (não no sentido deformado da palavra, mas no sentido das idéias defendidas por Marx e comunistas conselhistas, por exemplo):

“O sindicalismo tem horror ao comunismo, o qual representa uma ameaça para sua existência, pois no regime comunista não há patrões, nem, portanto, sindicatos. Certo é que nos países onde existe um movimento socialista forte e onde a grande maioria dos trabalhadores são socialistas, os dirigentes do movimento operário serão também socialistas. Porém, nesse caso se trata de socialistas de direita que se limitam a desejar uma república em que os honestos dirigentes sindicais substituirão na direção da produção os capitalistas sedentos de lucro” (Pannekoek, 1977a, p. 188).

O sindicalismo se horroriza também com a revolução. Essa atitude sindical é significativa, já que os sindicatos possuem grande influência sobre os trabalhadores através de uma cuidadosa diversidade de publicações. Por isso, os sindicatos dominam os trabalhadores tal como o governo domina o povo.

O sindicalismo varia de acordo com o país e a forma de desenvolvimento capitalista e também muda no processo de desenvolvimento no interior de um mesmo país. Há situações em que os sindicatos se enfraquecem e as lutas dos trabalhadores acabam lhes fortalecendo e transformando em forças mais combativas. Pannekoek cita como exemplo o “novo sindicalismo” que emergiu no final do século 19 na Inglaterra e o IWW nos Estados Unidos, cuja base são trabalhadores em péssimas condições de trabalho e submetidos a um alto grau de exploração. Os IWW condenaram as rivalidades mesquinhas que opunham uns sindicatos aos outros e buscavam a solidariedade de todos os trabalhadores. Sua base social eram os trabalhadores imigrantes desorganizados, a fração mais pobre do proletariado. Estes não tinham condições financeiras para realizar cotizações sindicais e formar sindicatos tradicionais e foram apoiados pelos IWW quando se rebelaram e entraram em greve. O IWW deu apoio à luta destes trabalhadores, fornecendo elementos de apoio, incluindo fundos de ajuda e defesa de sua causa na imprensa e tribunais. Ao contrário da estrutura rígida da organização sindical tradicional, adotava uma estrutura flexível e propagandearam a revolução. Isto provocou a perseguição e tortura de vários de seus militantes pelo mundo. Apesar disso, a forma de ação sindical não é suficiente para promover a derrocada do capitalismo, pois se questiona o setor econômico, não pode atacar seu bastião político, o poder estatal. Assim, os IWW foram o que houve de mais revolucionário nos EUA e contribuiu com o desenvolvimento da consciência de classe, solidariedade e unidade do movimento operário americano.

“O sindicalismo não pode vencer o capitalismo. Tal é a lição que se pode tirar do que antecede. As vitórias que o sindicalismo consegue não apresenta mais que soluções a curto prazo. Porém, estas lutas sindicais não são menos essenciais e devem prosseguir até o final, até a vitória final” (Pannekoek, 1977a, p. 191).

A impotência do sindicalismo se revela no fato de que a luta em uma determinada empresa não permite a transformação social e não muda a totalidade da sociedade capitalista, que através da ação da imprensa, poder financeiro e estatal, desarticula e joga a opinião pública contra os grevistas. A revolução é tarefa da totalidade da classe operária e somente quando se vai além das paredes das fábricas é que os trabalhadores podem ir além do capitalismo.

Este texto de Pannekoek apresenta uma crítica bem mais precisa aos sindicatos, colocando seus limites e contradições. Porém, dois elementos ainda são questionáveis em sua formulação: a sua abordagem dos IWW e a ideia de que a luta sindical deve permanecer até a “vitória final”. Analisaremos a sua abordagem dos IWW e a questão da “vitória final” via luta sindical adiante, quando abordarmos seu texto posterior sobre sindicalismo. Por agora nos limitamos a observar que os IWW formam um “novo sindicalismo” diferente daquele criticado por Pannekoek e seria contradição pensar que para ele os sindicatos burocratizados executariam lutas essenciais e deveriam prosseguir até a vitória final, pois a frase dele está em um determinado contexto no qual ele afirma que a “lição que se pode tirar do que antecede” – e o que antecede é a discussão sobre o novo sindicalismo e os IWW – é que tais lutas – e não as lutas sindicais em geral – são essenciais e devem ir até a vitória final.

Pannekoek voltou ao tema do sindicalismo em sua grande obra, Os Conselhos Operários, publicada em 1947[7]. Dedica um capítulo exclusivamente a este tema em tal livro e faz algumas referências em outros capítulos. No capítulo dedicado a este tema, inicia retomando a ideia de que a classe operária deve travar duas espécies lutas contra o capital: a luta contra o grau de exploração e a luta pela abolição do capitalismo. Em condições marcadas por forte processo de exploração, surge a greve e com ela o processo de ajuda mútua e solidariedade entre os trabalhadores. Também brotam, desta luta inicial, os sindicatos. Pannekoek afirma que hoje (1947), as coisas mudaram. Existem grandes sindicatos articulados por ramos de indústria e países, com recursos financeiros, e que podem pressionar os capitalistas e realizar conquistas para os trabalhadores. Cria-se, assim, um certo equilíbrio entre a força dos trabalhadores e dos capitalistas. Os operários especializados são os primeiros a criarem seus sindicatos e os não especializados o fazem a partir de explosões de suas lutas contra os patrões.

Isto, porém, não significa o fim do capitalismo. Apenas foi imposto um limite à exploração capitalista. “O desenvolvimento do poder dos sindicatos permite uma normalização do capitalismo, uma certa norma de exploração é universalmente aceita e estabelecida”. Assim, normas sobre os salários e sobre horários de trabalho para garantir a renda mínima para sobrevivência e não esgotamento da vitalidade dos trabalhadores são instituídas, o que não impede o aumento da intensidade e ritmo do trabalho. Isto é necessário para o capitalismo, que precisa de uma classe operária reutilizável e, portanto, que não seja destruída no processo de trabalho. Pannekoek demonstra a relação indissolúvel entre sindicalismo e capitalismo e o papel importante do primeiro para a reprodução do segundo:

“Os instrumentos desta luta são os sindicatos. Alguns patrões obstinados não compreendem isso, mas seus chefes políticos, mais inteligentes, sabem muito bem que os sindicatos são um elemento essencial do capitalismo e que, sem esta força essencial que são os sindicatos operários, o poder capitalista não estaria completo. Finalmente, os sindicatos, apesar de produtos das lutas operárias e mantidos graças aos seus esforços e sacrifícios, se converteram também em órgãos da sociedade capitalista” (Pannekoek, 1977b, p. 100).

O desenvolvimento capitalista, no entanto, tornaram as condições mais favoráveis aos trabalhadores. O grande capital cresce e se organiza em sindicatos patronais. O capital aumenta sua força e combate as greves através do lock-out[8] e outras ações. As lutas acabam esgotando o poder de negociação dos trabalhadores e acaba criando uma divergência entre os sindicatos e os trabalhadores, mas os sindicalistas defendem os acordos efetivados e, assim, se tornando, por vezes, os porta-vozes do capital. O dirigentes influentes dos sindicatos usam seu poder e autoridade do lado dos capitalistas e pesam na balança a favor destes. Assim, “os sindicatos se transformam em órgãos do capital”.

O desenvolvimento capitalista transforma os sindicatos em grandes organizações, cada vez mais burocratizado. O poder se concentra nas mãos da burocracia sindical. Pannekoek retoma a análise da burocratização e do poder crescente da burocracia sindical, mostrando suas funções, recursos, etc. Os sindicatos se tornam um “governo sindical” reinando sobre os sindicalizados. A solidariedade não é mais a virtude ressaltada e sim a obediência às decisões da cúpula burocrática. A função primária dos sindicatos, a defesa dos trabalhadores contra a exploração dos capitalistas, desapareceu. Com o capital monopolista o seu poder se tornou insignificante.  Apesar dos sindicatos terem se tornado organizações gigantes, não passam de um aparelho que o grande capital utiliza para impor os interesses capitalistas aos trabalhadores. Os sindicatos se transformaram em órgãos da dominação capitalista sobre os trabalhadores.

Assim, a análise de Pannekoek, até aqui, não possui as incoerências que notamos no texto anterior. Ele, como sempre, coloca o papel combativo dos sindicatos num período histórico anterior e mostra sua degeneração em órgãos do capitalismo com a evolução histórica. No capítulo posterior de sua obra, sobre Ação Direta, ele fornece elementos de clarificação de sua análise dos sindicatos.

Pannekoek inicia este capítulo deixando claro que “os sindicatos perdem então a sua importância na luta dos operários contra o capital”. Porém, a luta deve continuar e isso ocorre via greves selvagens (ilegais), espontaneamente desencadeadas pelos trabalhadores. Os trabalhadores passam a agir sob a forma da ação direta, na qual dispensam os intermediários, os burocratas sindicais.

O combate do proletariado contra o capital, no entanto, é impossível sem organização e é por isso que ela também surge espontaneamente, tal como os comitês de greve. Às vezes, estas lutas geram novos sindicatos mais combativos e compostos pelos mais capazes e enérgicos, mas que, tão logo cessa o momento da luta, assumem as mesmas posições que os sindicatos tradicionais. Daí a tendência dos trabalhadores em tomar em suas próprias mãos a sua luta contra o capital. O comitê de greve geralmente assume a primeira forma organizacional que não possui poder dirigente sobre os trabalhadores e pode evoluir, tal como é sua tendência com a radicalização da luta, em conselhos de fábrica. Não iremos aqui expor a análise que Pannekoek faz dos comitês de greve e das greves espontâneas até chegar à formação dos conselhos operários, já que este não é nosso objetivo e há desdobramentos em outros capítulos do seu livro e sim ver como, neste contexto, ele retoma a questão sindical. Assim, após expor esse processo, Pannekoek afirma o seguinte:

“Deste modo, se opõem as duas formas de organização e luta. A antiga, a dos sindicatos e greves regulamentadas; a nova, a das greves espontâneas e dos conselhos operários. Isto não significa que a primeira seja substituída, um dia, pela segunda. É possível imaginar formas intermediárias. Estas constituiriam tentativas de corrigir os males e debilidades do sindicalismo, salvaguardando os seus bons princípios; por exemplo, atenuar o dirigismo duma burocracia de profissionais fixos, evitar o aumento do fosso surgido entre estreiteza de visão e interesses mesquinhos, preservar e empregar a experiência de lutas passadas” (Pannekoek, 1977b, p. 108).

Pannekoek coloca que este foi o caso dos IWW nos EUA. Ele acrescenta que “formas similares” de organização poderão surgir, mas isto enquanto os trabalhadores não tiverem confiança o suficiente para assumir seus próprios assuntos. E isso não passará de uma forma transitória. O caso dos IWW não é o do capitalismo atual e sim dos EUA de outrora, marcado pela “independência feroz dos pioneiros” ou pelo “egoísmo primitivo dos emigrantes”, que é superado pela solidariedade e colaboração, condições para a ação direta do proletariado. Neste contexto, ultrapassarão as “formas intermediárias” de “autodeterminação parcial”, abrindo caminho para a organização em conselhos.

Aqui Pannekoek rompe com as imprecisões do texto de 1936 e avança no sentido de colocar, explicitamente, que os sindicatos são órgãos do capitalismo, apesar de sua origem operária, e que seu papel é nitidamente conservador. A ideia de que as lutas sindicais seriam essenciais é abandonada completamente, pois em que pese ele compreender por tais lutas as do “novo sindicalismo” no texto de 1936, ele considera, de forma mais precisa, que tais lutas não são exatamente sindicais e sim de “formas intermediárias”, tal como os IWW. Porém, além de esclarecer que o que denominou “novo sindicalismo” são “formas intermediárias” (entre o sindicalismo e a auto-organização dos trabalhadores) e que são mais comuns em determinados momentos (os IWW existiram num determinado contexto histórico e tendo um determinado setor dos trabalhadores como base social, sendo que ambos estão ultrapassados historicamente) também esclareceu que são “formas transitórias”, enquanto o proletariado não avança no sentido da ação direta, que significa a sua superação. Assim, em 1947, Pannekoek apresenta uma percepção mais nítida e completa do sindicalismo, organização da sociedade capitalista de caráter conservador e esclarece que as formas intermediárias e transitórias podem (mas no atual contexto dificilmente isso ocorreria) surgir, mas que deverão ser ultrapassadas pelas lutas operárias.

Assim, podemos dizer que o percurso do pensamento de Pannekoek sobre os sindicatos foi caracterizado pela percepção de que eles são produtos da luta operária em suas origens e que cumprem o papel de negociar o valor da força de trabalho, tal como Marx já colocava. Também observou o seu caráter conservador e sua integração no capitalismo, com cada vez mais nitidez, apontando, nos últimos textos, para o seu papel de órgão de reprodução do capitalismo. As formas intermediárias e transitórias, tal como irá denominar em seu último texto em que aborda o sindicalismo, entre sindicatos e auto-organização operária, exemplificadas pelo semi-sindicalismo dos IWW, são vistas de forma mais precisa e contextualizada. Em síntese, Pannekoek critica as organizações sindicais e mostra seu papel conservador, e, ao mesmo tempo, mostra a necessidade de sua superação (e também das formas intermediárias, meramente transitórias e expressando um estágio ainda insuficiente da autonomização do proletariado) e substituição pela ação direta e conselhos operários. Isso ocorreu devido não apenas o desenvolvimento do pensamento de Pannekoek, mas também devido a evolução histórica que demonstrou, cada vez mais, o caráter conservador dos sindicatos e sua burocratização crescente.

Na verdade, o papel dos sindicatos enquanto instituição da sociedade burguesa já foi percebido deste Marx. O seu processo de burocratização ampliou-se com o desenvolvimento do capitalismo, ao ponto de diversos setores da burocracia se expressar contraditoriamente sobre a questão sindical[9]. A análise crítica de Pannekoek é correta e sua posição sobre os IWW, por exemplo, aponta para a percepção de que os sindicatos são atingidos pelas lutas sociais, são pressionados pelos setores mais empobrecidos e radicalizados do proletariado, etc., mas não ultrapassam determinados limites, que, caso fossem ultrapassados, deixariam de ser formas intermediárias (uma espécie de semi-sindicalismo)[10] para ser outra forma organizacional. Partidos e sindicatos são organizações integradas ao capitalismo e influenciam os trabalhadores em períodos de estabilidade do capitalismo e por isso não possuem utilidade política:

“Neste marco, a forma de organização em sindicato e partido, originária do período do capitalismo ascendente, já não apresenta a menor utilidade. Com efeito, se metamorfosearam ao serviço dos chefes que não podem nem sequer comprometer-se com o combate revolucionário. A luta não depende dos dirigentes: os líderes operários [sic] detestam a revolução proletária. Para levar este combate têm, pois, necessidade de formas de organização novas que conservem seus elementos de força” (Pannekoek, 1975b, p. 74)[11].

Assim, Pannekoek consegue realizar uma análise crítica dos sindicatos, mostrando seu caráter contra-revolucionário e conservador e a necessidade de novas formas organizacionais, que, nos períodos revolucionários, tendem a assumir a forma dos conselhos operários. Neste sentido, a obra de Pannekoek é uma grande contribuição para se pensar o sindicalismo e sua relação com o movimento operário. O processo histórico aprofundou o processo de burocratização e integração dos sindicatos na sociedade capitalista e em suas várias versões (indo do “sindicato amarelo” ao “sindicato vermelho”, bem como para as concepções nostálgicas que ainda querem ressuscitar o sindicalismo revolucionário e anarco-sindicalismo) e as poucas vezes que os sindicatos assumem uma posição de maior radicalidade (o que não significa se tornar “revolucionário”, algo impossível na atualidade), isto ocorre ou por oportunismo ou pressão das bases, ou por determinadas conjunturas e situações, mas que é algo passageiro e limitado. O futuro do sindicalismo é o mesmo que o do capitalismo: o museu da história.

Referências
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Lênin, W. Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo. 6ª edição, São Paulo, Global, 1989.
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Meijer, H. C. O Movimento dos Conselhos Operários na Alemanha (1918-1921). Coimbra, Centelha, 1976.
Pannekoek, A. La Acción Direta en las Sociedades Contempóraneas. In: Escritos sobre los Consejos Obreros. Madrid, Zero, 1975c.
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Pannekoek, Anton. A Luta Operária. Coimbra, Centelha, 1977c.
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Rühle, Otto. Da Revolução Burguesa à Revolução Proletária. Porto, Publicações Escorpião, 1975.
Trotski, L. Escritos Sobre Sindicato. São Paulo, Kairós, 1978.
Publicado originalmente em: BRAGA, Lisandro e VIANA, Nildo (orgs.). Anton Pannekoek e a Questão da Organização. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.



[1] Aliás, é de se notar que estes elementos (solidariedade, por exemplo) que ele atribui aos sindicatos serão atribuídos, posteriormente, aos conselhos operários, com exceção dos aspectos negativos e de integração no capitalismo.
[2] Aqui se pode supor que Pannekoek se move dentro da cultura da época, que distinguia luta econômica e luta política, nas quais a primeira era reservada para os sindicatos e a segunda para os partidos políticos, os sindicatos sendo reformistas e os partidos sendo revolucionários. Porém, um pouco adiante ele vai contra esta análise ao afirmar que “ambos combatem por melhorias imediatas e ambos são úteis à subversão revolucionária” (Pannekoek, 2007, p. 259). Apesar disso, é necessário reconhecer que há um resquício desta concepção em Pannekoek.
[3] A análise de Pannekoek neste texto aponta para a percepção das bases sociais das diversas tendências políticas que expressam diversas táticas, e, assim, o revisionismo teria como base social as camadas pequeno-burguesas no interior do partido e também a “aristocracia operária” (operários qualificados e com maiores salários); enquanto que o anarquismo teria como base social também a pequena-burguesia, com a diferença que, ao contrário da “domesticada” que recorre ao revisionismo, a “selvagem” (Pannekoek, 2007a; Duarte e Miranda, 1985). Esta obra, curiosamente, irá exercer grande influência sobre Lênin, principalmente em seu texto “As Divergências no Movimento Operário Europeu” (Lênin, 2009) e “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo” (Lênin, 1989), que, no entanto, como sempre, irá desenvolver em sentido diferente a análise e até usá-la contra o próprio Pannekoek em outra oportunidade. Não deixa de ser curioso que alguns desconheçam que a inspiração da tese sobre “aristocracia operária” de Lênin se encontra nessa obra de Pannekoek (cf. Alves, 1984), porém, sendo deformada para se encaixar na concepção leninista.
[4] IWW: Operários Industriais do Mundo, movimento sindical radical surgido nos Estados Unidos em 1905 (Guérin, 1972), que posteriormente será novamente abordado por Pannekoek e terá importância para compreender sua posição diante dos sindicatos.
[5] A parte deste livro referente aos sindicatos está disponível na internet, com uma tradução incompleta e problemática, em: http://www.marxists.org/portugues/pannekoe/1920/mes/forca.htm
[6] Sobre as uniões operárias, cf. Rühle, 1975; Authier, 1975; Meijer, 1976; Barrot e Authier, 1978.
[7] Esta parte tem edição portuguesa (Pannekoek, 1977c) e uma edição impressa artesanal brasileira, disponível na internet (Pannekoek, 2007b).
[8] Lock-out é uma ação dos capitalistas que consiste em “portas fechadas”, ou seja, impedir o acesso dos trabalhadores aos meios de produção.
[9] Este é o caso de Trotski, que reconhece que ocorre uma burocratização crescente dos sindicatos, mas condena os “ultimatistas” que lançam ultimatos ao proletariado no sentido de abandonar os sindicatos, sem saber se os operários irão entender a situação. Ao mesmo tempo em que diz que “o capitalismo monopolista é cada vez menos capaz de conviver com a independência dos sindicatos. Exige que a burocracia reformista e a aristocracia operária, que juntam as migalhas de sua mesa, transformem-se em sua polícia política aos olhos da classe operária” (Trotski, 1978, p. 105), afirma que é possível um sindicato revolucionário, desde que, obviamente (e burocraticamente) sob a direção da IV Internacional, ou seja, sobre a direção da organização dele. Esta é a posição tipicamente leninista sobre os sindicatos, que são, nesta concepção, burgueses, caso não se submetam à direção do partido de vanguarda. Segundo Lênin, o partido deve “educar” e “dirigir” os sindicatos (Lênin, 1979), o que está expresso em seu texto de ataque ao esquerdismo (Lênin, 1989).
[10] Os IWW rompem com aspectos do sindicalismo, tal como a base fundada na divisão social do trabalho, isto é, por profissão, aglutinando o ramo industrial em sua totalidade, daí seu nome, mas faz isto de forma limitada, pois na base dos sindicatos ainda mantém o vínculo com a categoria profissional (mineiros, cervejeiros, etc.). Cf. Guérin, 1972.
[11] A greve selvagem é realizada quando os trabalhadores descobrem que os sindicatos são incapazes de efetivar sua luta contra o capital (Pannekoek, 1975c).