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terça-feira, 28 de julho de 2015

SEMINÁRIO PERSPECTIVA MARXISTA - Marxismo, Contemporaneidade e Humanidades



SEMINÁRIO PERSPECTIVA MARXISTA - Marxismo, Contemporaneidade e Humanidades 

Dias 2, 3 e 4 de setembro/2015

Inscrições de trabalhos nos Grupos Temáticos (GTs) até o dia 10 de agosto. Inscrições de ouvintes e participantes de minicurso até o dia 2 de setembro.
Na "Suruba artística" do evento haverá músicas, poesias, teatro e mais. Diversão e reflexão crítica.


Discussão sobre modernidade e contemporaneidade, marxismo e ciências humanas, significado e tendências das lutas sociais contemporâneas.

Mais informações e inscrições:

segunda-feira, 27 de julho de 2015

NOTAS SOBRE A HISTÓRIA E SIGNIFICADO DO COMUNISMO DE CONSELHOS


NOTAS SOBRE A HISTÓRIA E SIGNIFICADO DO COMUNISMO DE CONSELHOS

Nildo Viana


Para todo o futuro da luta de classe proletária, a teoria revolucionária na qual Karl Marx e Friedrich Engels ofereceram a primeira grandiosa recopilação das ideias proletárias du­rante o primeiro período evolutivo revolucionário da luta de classes, seguirá sendo a ima­gem clássica da nova consciência revolucionária da classe operária em luta por sua liberta­ção.
                       
          Karl Korsch


Este breve texto tem o objetivo de discutir o que é o comunismo de conselhos e quando ele surgiu e como se desenvolveu. Isso se faz necessário pela total ignorância do que vem a ser o comunismo de conselhos, bem como as deformações e confusões entre esta tendência em outras que existiram na época ou na atualidade. Além de pessoas na internet, que a partir de pouquíssimas informações e leituras, demonstram uma suprema presunção em se afirmar conhecedor do comunismo de conselhos com pouquíssima leitura e grande ignorância da história do movimento socialista, bem como outros buscando o definir de forma arbitrária, desconsiderando o que os próprios comunistas conselhistas escreveram ou o que outros que os pesquisaram afirmaram, ainda aparecem alguns ideólogos deformadores para confundir ainda mais a questão.
Nesse quadro cultural caótico, não deixa de ser uma repetição do que fizeram com o pensamento de Marx, que, juntando a ignorância e a má fé, geraram o pseudomarxismo. Esse é o caso de deformadores oficiais e ao lado deles os seus leitores ingênuos e de pouca reflexão. Inclusive, a partir deste tipo de ideólogo, é possível ler:
Esclarecemos que o estudo do conselhismo engloba não apenas os autores apresentados de forma restritiva como integrantes dos “grupos comunistas de conselhos” – isto é, Karl Korsch, Anton Pannekoek, Herman Gorter etc., conforme a posição defendida por Paul Mattick. Se assim o fizéssemos estaríamos excluindo da pesquisa autores como Lenin, Leon Trotsky e mesmo Antonio Gramsci, entre outros. Para nós, os “conselhistas” são todos aqueles que pensaram a questão dos conselhos operários em sua relação com o partido socialista e com o Estado operário, e não exclusivamente os que consideravam esses novos organismos expressão automática da democracia direta e da superação dos partidos, como é o caso de alguns dos marxistas analisados por Paul Mattick (MARTORANO, 2009, p. 15).
Assim, esse suposto intelectual pensa que pode usar as palavras que denominam grupos políticos e alterá-las ao seu bel prazer. Da mesma forma fazem outros sem nem sequer avisar. O que o autor acima faz é buscar, intencionalmente, realizar uma deformação do comunismo de conselhos ao descaracterizá-lo[1]. Ora, se existiu uma tendência política que assumiu o nome X e assim foi compreendido por pesquisadores, então não tem sentido alterar isso e incluir pessoas e tendências distintas[2] e até antagônicas (que possuíram outras definições e se autonomeavam sob formas diferentes). Assim como buscarem confundir Marx com Lênin, os ideólogos, ao ver o interesse crescente por uma tendência que o bolchevismo buscou silenciar e fazer cair no esquecimento, agora buscam confundir leninismo e conselhismo, apesar deste ter nascido em antagonismo àquele. Esse tipo de afirmação é sem sentido também pelo motivo de que existem outros nomes para definir estas outras tendências e posições (leninismo, bolchevismo, gramscianismo, trotskismo, etc.). Enfim, é um procedimento equivocado intelectualmente e antiético.
Em síntese, apresentamos aqui breves notas para esclarecimento do que foi o comunismo de conselhos. Hoje, com deformadores preocupados com ascensão da retomada das ideias dos comunistas de conselhos, inclusive os partidos da pseudoesquerda, reforçados por ignorantes e militantes com pouca leitura e dificuldade de interpretação, é preciso tomar cuidado e recuperar o verdadeiro significado dessa tendência e sua evolução histórica[3]. Por isso vamos iniciar definindo o comunismo de conselhos e, posteriormente, apresentar sua evolução histórica. Por fim, apresentaremos uma breve discussão sobre o comunismo de conselhos e seu significado no mundo contemporâneo.
O que é o Comunismo de Conselhos?
O Comunismo de Conselhos, ou “conselhismo” (apesar desse termo ser usado em algumas oportunidades sob uma forma pejorativa), é uma tendência marxista que emerge no bojo da Revolução Alemã, tendo se enraizado na Holanda e Alemanha, sendo originalmente uma tendência “germano-holandesa”. O aspecto histórico será analisado adiante. Aqui nos interessa qual é o seu significado, ou seja, o que é o comunismo de conselhos. Lucas Maia avançou nesse processo de explicitar o significado do comunismo de conselhos nesta síntese:
Resumidamente, temos que: a) a determinação fundamental para o surgimento do comunismo de conselhos foi naturalmente o surgimento dos conselhos operários como forma de organização e luta concreta dos trabalhadores; b) compõe este processo a crítica à ideologia, estratégia e prática política dos partidos socialdemocrata e bolchevique, bem como dos sindicatos. Enfim, a elaboração de uma crítica às burocracias partidárias e sindicais; c) um outro aspecto é o desenvolvimento do marxismo original. Os comunistas conselhistas eram autores vinculados ao marxismo, ou seja, tinham no materialismo histórico-dialético sua perspectiva teórica de análise da realidade. Sua elaboração teórica significou a adequação e aprofundamento do marxismo às condições da luta operária das primeiras décadas do século 20 (MAIA, 2010, p. 13).
Aqui temos alguns elementos fundamentais. O comunismo de conselhos não foi uma tendência composta por militantes alheios às lutas de classes. Eles surgem devido a essa luta, quando o movimento operário se torna revolucionário, e faz emergir os conselhos operários. Ao invés dos revolucionários (e falsos revolucionários) dos períodos de estabilidade do capitalismo, o comunismo de conselhos emerge no bojo das tentativas de revolução proletária em alguns países (Rússia, Hungria, Itália e especialmente Alemanha) e de lutas radicalizadas em outros locais.
Isso explica sua radicalidade e vínculo com o proletariado revolucionário (e não o proletariado da vida cotidiana e determinado pelo capital). É isso que permite também o rompimento e recusa das organizações burocráticas em geral e com os falsos representantes do proletariado (socialdemocracia e bolchevismo). Da mesma forma, a síntese acima esclarece que o comunismo de conselhos é uma forma assumida pelo marxismo numa época de revoluções proletárias e seu caráter teórico-revolucionário está expresso em suas contribuições, principalmente políticas (teoria dos conselhos operários, crítica da socialdemocracia, bolchevismo, democracia burguesa, partidos, etc.) e, secundariamente, metodológicas (principalmente Korsch) e outras. Porém, essa contribuição do comunismo de conselhos se faz tendo o marxismo como base, ou seja, a teoria revolucionária de Marx. Sem isso, o comunismo de conselhos perde sua base e sua radicalidade. A teoria dos conselhos operários, por exemplo, está enraizada na teoria da revolução de Marx, que carrega em si uma teoria da história, do capitalismo, etc. e toda uma formulação teórico-metodológica[4].
O que caracteriza o comunismo de conselhos é a ideia de que os conselhos operários são os órgãos da revolução proletária e primeira forma de auto-organização da futura sociedade comunista[5]. Isto é derivado da essência do marxismo expressa na defesa da tese de que a revolução proletária é produto da luta revolucionária do proletariado, de sua autoemancipação. Por conseguinte, a autoemancipação proletária, defendida por Marx, é retomada pelo comunismo de conselhos (em contraposição ao burocratismo da socialdemocracia e bolchevismo) e compreendida como processo de constituição de suas formas de auto-organização, especialmente os conselhos operários[6], que gera o processo revolucionário, que devem se generalizar em toda a sociedade, sendo que tais conselhos são as formas organizativas do proletariado para efetivar a destruição do aparato estatal e do capital e gerir a nova sociedade.
Nesse sentido, os princípios da autoemancipação e da autogestão social (sem usar estas palavras, mas tendo usado palavras semelhantes) são seus elementos essenciais e isso também expressa sua recusa radical das organizações burocráticas (tais como partidos, sindicatos, Estado) e do capital (relações de produção capitalistas e classe burguesa). Da mesma forma, outra característica do comunismo de conselhos é a caracterização dos países do chamado “socialismo real” (quando existiam, como a URSS, China, Leste Europeu, etc.) como capitalismo de Estado, bem como o vínculo do bolchevismo como o processo de engendramento deste. O bolchevismo é recusado por sua ideologia da vanguarda, burocratismo, defesa do partido, além de seu vínculo com ideologias burguesas e seu papel histórico de ter realizado uma contrarrevolução burocrática na Rússia.
Nesse sentido, o comunismo de conselhos afirma os conselhos operários, a auto-organização, a autoemancipação, a autogestão e nega o capital, o Estado, os partidos e os sindicatos. Isso tendo por base a teoria da sociedade capitalista e da revolução proletária de Marx. E é por isso que o comunismo de conselhos é antipartidário, antibolchevique e antissocialdemocrata, pois nega o pseudomarxismo. Da mesma forma, enquanto teoria e movimento revolucionário, o comunismo de conselhos nega radicalmente tanto o Estado quanto a democracia burguesa e suas formas de “participação”, bem como os partidos políticos em geral, entendidos como órgãos da sociedade capitalista (RÜHLE, 1975a; RÜHLE, 1975b; PANNEKOEK, 1977) e, ainda, os sindicatos, compreendidos como órgãos do capital (PANNEKOEK, 1977; RÜHLE, 1975a)[7].
Essa radicalidade foi possível com a emergência das tentativas de revoluções proletárias e por isso é tão difícil sua reprodução em períodos não-revolucionários[8]. Os principais teóricos conselhistas, antes de tal emergência, apesar de serem radicais e contestadores, ainda não haviam rompido totalmente com o pseudomarxismo e as organizações burocráticas. Foi com a irrupção do proletariado revolucionário que emergiu o comunismo de conselhos e por isso é fundamental compreender sua história.

Tendências Antecedentes do Comunismo de Conselhos
Quando surgiu o comunismo de conselhos? Essa é uma questão fundamental. Para os leitores dogmáticos ou acríticos, o comunismo de conselhos surgiu com as obras de Pannekoek, Korsch, e outros autores, desvinculadas do processo histórico. Esse é um equívoco colossal. Assim como ninguém nasce revolucionário, ninguém nasce marxista ou comunista de conselhos. O indivíduo se torna revolucionário, marxista, conselhista, depois de nascer e passar pelo mundo das representações cotidianas e das concepções dominantes na sociedade capitalista. E assim, uma corrente política não pode ser identificada a partir da obra de um autor desde que ele nasceu e sim desde o momento histórico em que ela emerge e ele adere a ela. Obviamente que determinados indivíduos poderiam anteceder ou já trazer em suas ideias alguns elementos que serão retomados, aprofundados, radicalizados, posteriormente.
Assim, é possível entender que existiram antecedentes do comunismo de conselhos, expresso nas obras teóricas e políticas de alguns autores. O primeiro é Marx, mas também Makhaïsky, Rosa Luxemburgo, a dissidência da socialdemocracia até 1914, o socialismo radical que vai de 1914 até 1920. Não se trata de comunismo de conselhos e sim de outras tendências políticas que antecipam alguns elementos e se limitam em muitos outros. O antecedente mais importante é a obra de Marx, pois os seus princípios são retomados pelo comunismo de conselhos e ganham maior concreticidade com o desenrolar do processo histórico concreto das tentativas de revoluções proletárias (e contrarrevoluções burocráticas, o que Marx não podia prever e que é uma das características do conselhismo, a recusa explícita da burocracia em geral e das supostas organizações “proletárias”).
Outros antecedentes importantes são Antonio Labriola, Jan Wanclaw Makhaïsky, Rosa Luxemburgo (e o espartaquismo antes de se corromper após a morte dela e de Karl Liebknecht) e todo o socialismo radical (especialmente Anton Pannekoek, Herman Gorter, Otto Rühle, entre outros, que serão futuros comunistas conselhistas, tal como a chamada “Esquerda de Breme” e os “Comunistas Internacionalistas”).
Nessas tendências antecedentes, temos alguns dos princípios fundamentais do comunismo de conselhos (autoemancipação e autogestão em Marx; crítica da burocracia em Makhaïsky; defesa da espontaneidade revolucionária e greve geral em Rosa Luxemburgo; os tribunistas na Holanda e a defesa da “ação de massas” e “greve geral”, abstencionismo e boicote aos sindicatos pelos Comunistas Internacionalistas, etc.). Obviamente que estas tendências anteriores ao comunismo de conselhos, sendo que algumas desembocarão nele, entravam em confronto com as outras posições políticas pseudomarxistas, que no momento posterior vão revelar explicitamente e de forma cristalina seu caráter contrarrevolucionário.
A radicalização da luta de classes provoca o posicionamento e assim tornam-se explícitas as reais posições políticas para além de discursos supostamente de “esquerda”, deixando claro quem é revolucionário e quem não é. A crítica da socialdemocracia efetivada por Rosa Luxemburgo e dos demais dissidentes e socialistas radicais, bem como o confronto com o bolchevismo realizado por Makhaïsky, Jovem Trotsky, Rosa Luxemburgo, Anton Pannekoek e outros já antecedia esse processo, parecendo ser divergências em questões pontuais. No entanto, nenhuma dessas tendências – com exceção de Makhaïsky – realizou uma ruptura radical e fundamental com o bolchevismo (e alguns nem mesmo com a socialdemocracia).
O antecedente mais direto do comunismo de conselhos é o IKD (Comunistas Internacionalistas da Alemanha, tendo em Otto Rühle um dos seus principais representantes)[9], que na Revolução de Novembro de 1918 apontam para o antiparlamentarismo e posição a favor dos conselhos operários, bem como realizando a crítica radical do Partido Socialdemocrata e do Partido Socialdemocrata Independente e o aparelhamento dos conselhos realizado por eles. Esse grupo, unido ao espartaquismo, funda o KPD (Partido Comunista Alemão) e se mantém nele até sua deformação oportunista (graças aos novos líderes do espartaquismo após morte de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht) e depois rompe com ele e dá origem ao KAPD (Partido Comunista Operária da Alemanha), que é a época de surgimento do comunismo de conselhos.
É com a ação revolucionária do proletariado, especialmente na Rússia e Alemanha, que grande parte das tendências de esquerda acaba realizando uma ruptura radical com a falsa esquerda e reafirmam o projeto comunista, autogestionário. A Revolução Alemã e as lutas de classes a nível mundial foram fundamentais para a ruptura com as tendências contrarrevolucionárias, o bolchevismo na Rússia e a socialdemocracia na Alemanha.


A Formação do Comunismo de Conselhos
O que mais se aproximou do comunismo de conselhos foi a tendência do socialismo radical (Comunistas Internacionalistas, Esquerda de Breme, etc.) representada por futuros comunistas de conselhos. Isso está expresso de forma mais clara em alguns textos publicados por futuros representantes do Comunismo de Conselhos. Um texto exemplar nesse sentido é o de Hermann Gorter, Carta Aberta ao Camarada Lênin (1981)[10]. O comunismo de conselhos nasce desse confronto entre leninismo e esquerdismo. A divergência de setores do socialismo radical (que vai desde Rosa Luxemburgo e Liga Spartacus até outros coletivos na Holanda e Alemanha) vai se aprofundando com o desenrolar da Revolução Russa e Revolução Alemã.
O impacto da Revolução Russa e as notícias de que um partido comunista teria avançado no sentido de construir o socialismo fundado nos sovietes (conselhos operários) fez com que muitos apoiassem ou evitassem críticas ao bolchevismo e suas práticas concretas no processo revolucionário. Contudo, com o desenrolar dos acontecimentos e com o avanço dos conselhos operários na Alemanha e outros países, esse processo vai se alterando.
Antes disso, no entanto, diversos militantes já haviam criticado a burocracia dos partidos de “esquerda”, sob a forma de divisão entre “chefes e massas”, tal como Pannekoek e Gorter. Essas críticas vão gerar novos confrontos e Lênin (1989) aponta para isso ao escrever O Esquerdismo, A Doença Infantil do Comunismo. O alvo de Lênin é a esquerda extraparlamentar da Inglaterra, representada por Sylvia Pankhurst e Guy Aldred, a Esquerda Comunista Italiana, representada por Amadeo Bordiga e, principalmente, os “comunistas de princípios”, da Alemanha, cujos textos citados são de pseudônimos de Gorter e Pannekoek[11]. Após o escrito de Lênin sobre o esquerdismo, Pannekoek escreve Revolução Mundial e Tática Comunista (apud BRICIANER, 1975) e Franz Pfempert escreve A Doença Infantil... e a III Internacional (APPEL e outros, 2004). Todos os textos mostram divergências com o bolchevismo, que remetem a questões organizacionais, concepções de luta política (relação com sindicatos, por exemplo, que é defendida pelo leninismo e recusada pelos radicais da esquerda alemã), questionamento do modelo leninista de organização e ação, ao parlamentarismo, entre diversas outras questões. O comunismo de conselhos emerge como a mais avançada tendência do esquerdismo.
É no bojo desse processo que emerge a crítica dos partidos políticos e surge o KAPD – Partido Comunista Operário da Alemanha. A crítica dos partidos políticos tem como principal teórico Otto Rühle, que escreve o seguinte:
A revolução não é uma questão de partido. Os três partidos socialdemocratas (Partido Socialdemocrata Alemão, Partido Socialdemocrata Independente da Alemanha; Partido Comunista da Alemanha) têm a loucura de considerar a revolução como a sua própria tarefa de partido e de proclamar a vitória da revolução como o seu objetivo de partido. A revolução é a tarefa política e econômica da totalidade da classe proletária. Só o proletariado como classe pode conduzir a revolução à vitória. Tudo o mais é superstição, demagogia, charlatanice política. O que é necessário é conceber o proletariado como classe e conduzir a sua atividade para a luta revolucionária. Numa base e num quadro os mais vastos possíveis. Eis porque os proletários prontos ao combate revolucionário, sem se preocuparem coma proveniência ou base na qual se recrutam, devem ser agrupados nos locais de trabalho e nas empresas em organizações revolucionárias de empresa e ser reunidos no quadro da União Geral dos Trabalhadores (RÜHLE, 1975b, p. 161-162).
Aqui apenas se retoma Marx e a questão da luta de classes e proletariado como totalidade, classe, visando realizar sua autoemancipação. No entanto, para décadas hegemonizadas pela socialdemocracia e bolchevismo, tendências que afirmam que o socialismo ou a revolução é obra desses partidos, seja pela via eleitoral ou insurrecional, é, além de retomada do pensamento de Marx, uma ruptura com o bolchevismo e ideologias partidárias em geral, ou seja, com o pseudomarxismo que se passava por “marxismo ortodoxo”.
O próprio KAPD se coloca como não sendo um “partido político propriamente dito”. Aqui temos o processo de formação do comunismo de conselhos, apresentando uma radicalização da ruptura com o bolchevismo que vai se aprofundando se tornará total e radical no desenrolar dos acontecimentos na Rússia e Alemanha, tal como as ações da III Internacional, bolcheviques, Partido Comunista Alemão, entre outros. Otto Rühle será um dos primeiros a qualificar o regime russo como capitalismo de Estado e considerar o bolchevismo contrarrevolucionário, bem como Hermann Gorter, em 1921, divulgará a ideia de uma Quarta Internacional Operária em oposição à III Internacional bolchevique, bem como Pannekoek e outros aprofundarão a crítica ao bolchevismo.
Assim, temos em 1920 a época de formação do comunismo de conselhos, sendo que neste ano a recusa da socialdemocracia, dos sindicatos e parlamentos é reforçada pela recusa do bolchevismo e do regime russo, que se completará no decorrer desse ano (por Otto Rühle) e início do ano seguinte (por Herman Gorter e KAPD)[12]. A data de nascimento do comunismo de conselhos, portanto, é 1920, com Otto Rühle e todos que lhe acompanharam[13] e de forma parcial com Gorter e seus aliados, sendo que este, alguns meses depois, também assume as mesmas posições de Rühle. Essa é uma época de tentativa de revolução proletária na Alemanha, na qual participam diversos futuros teóricos do comunismo de conselhos. A expulsão da maioria pela minoria no Partido Comunista Alemão, que faz emergir o Partido Comunista Operário da Alemanha (KAPD), um não-partido, marca o nascimento do comunismo de conselhos em sua primeira forma, que terá sua radicalização e acabamento no decorrer das lutas de classes na Alemanha e fora dela. A expressão comunismo de conselhos tem sentido por se opor a comunismo de partido, ou seja, ao bolchevismo e derivados e semelhantes, bem como seu antecessor, a socialdemocracia, explicitando a diferença essencial entre os defensores dos conselhos operários e os do partido político formal.
O KAPD surgiu a partir do acirramento das lutas de classes e das manobras burocráticas no interior do KPD (Partido Comunista da Alemanha), que aderiu ao oportunismo após a morte de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, deformando o espartaquismo, e assim expulsou a maioria do partido, considerada esquerdista (herdeiros da Esquerda de Breme e Comunistas Internacionalistas). Segundo historiadores bordiguistas do comunismo de conselhos, o KAPD não é uma cisão do KPD:
Com efeito, não se trata de uma cisão em relação a uma organização já existente (apesar de que o jogo de siglas dê a impressão do contrário, como se o KAPD fosse uma cisão do KPD), mas a auto-organização, em pleno período revolucionário, da nova corrente que recusa o peso do passado representado pela direção espartaquista, reduzida a um puro esqueleto financiado por Moscou até que se inserte a ala esquerda do USPD. O entusiasmo do kapedistas se aproxima ao dos primeiros fundadores de irmandades, uniões, ligas operárias, do século 19. Esta novidade e esta vida é que faz Rühle afirmar que “o KAPD não é um partido em sentido tradicional”, se traduzirá, de forma eloquente, na vida interna da organização (BARROT e AUTHIER, 1978, p. 199).
No seu período de nascimento, o KAPD contava com cerca de 38 mil integrantes e logo aumenta a quantidade. O mesmo processo de crescimento ocorre com o decorrer das lutas de classes no caso da AAUD, que em abril de 1920 tinha cerca de 80 mil trabalhadores e no final desse ano já tinha em torno de 300 mil. A fase heroica foi de 1920 até 1921, substituída por uma fase de declínio (1922-1923), acompanhando a derrota da tentativa de revolução, até o processo de enfraquecimento amplo e gradual após 1923:
Após um período de expansão econômica acelerada (1923-1929), abriu-se um novo período que iria levar, em 1933, à tomada legal do poder pelos hitlerianos. Entretanto, a AAUD, o KAPD e a AAUD-E, isolavam-se cada vez mais. No fim, restavam apenas cerca de uma centena de aderentes, vestígios das grandes organizações de fábrica de outrora, o que significava a existência de pequenos núcleos, aqui e ali, num total de 20 milhões de proletários. As organizações de fábrica já não eram organizações “gerais” de trabalhadores, mas núcleos de comunistas-de-conselhos conscientes. A partir de então, tanto a AAUD quanto a AAUD-E revestiam o caráter de pequenos partidos políticos, embora a sua imprensa pretendesse o contrário (CANNE MEIJER, 1976, p. 39)[14].
Esse período de formação vai promover a constituição da tendência comunista conselhista e seu desenvolvimento teórico. Na época da revolução alemã, os teóricos do comunismo de conselhos não puderam produzir grandes obras e análises, com raras exceções, pois é depois da intensa luta que se pode parar para refletir e produzir teoricamente, já que eles estavam envolvidos no processo da revolução alemã. Por isso é necessário analisar a segunda fase do comunismo de conselhos, a mais acabada teoricamente falando, na qual se aprofunda e desenvolve de forma mais estruturada suas teses básicas e uma maior autoclarificação.
Da Reunificação aos Grupos de Comunistas de Conselhos
A derrota da revolução alemã e a desarticulação das grandes uniões operárias acabaram gerando a reunificação das duas tendências, a de Rühle e Gorter. Esse foi um processo que foi se constituindo a partir de 1923, com o contínuo enfraquecimento das uniões operárias e do KAPD, que acabou gerando tendências internas, produtos do refluxo do movimento operário revolucionário, inclusive uma que apontava para o surgimento de uma concepção dissidente no seu interior, aproximando-se da defesa de um partido político no verdadeiro sentido da palavra e para as lutas cotidianas e reformistas, sendo que isso gerou a cisão interna e separação da AAUD, por iniciativa desta, e, posteriormente, o fim da organização. Esse processo acaba gerando fusões e alterações que culminam com a formação da KAUD (União Operária Comunista da Alemanha), em 1929, que tinha consciência que “já não era uma organização ‘geral’ (como era a AAUD, por exemplo) reunindo todos os trabalhadores animados de uma vontade revolucionaria, mas sim trabalhadores comunistas conscientes” (CANNE MEIJER, 1976, p. 42)[15]. Nesse contexto, a ação da nova organização ganha novo sentido:
O papel da nova organização, a KAUD, reduzir-se-ia então a uma propaganda comunista clarificante dos objetivos, incitando a classe operária à luta contra os capitalistas e as antigas organizações, principalmente através da greve selvagem e fazendo-lhe ver a sua força e a sua fraqueza. Esta atividade não era menos indispensável e a maior parte dos membros do KAUD continuava a pensar que ‘sem uma organização revolucionária capaz de se bater duramente, não pode haver situação revolucionária como o demonstraram a revolução russa de 1917 e, em sentido contrário, a revolução alemã de 1918’(CANNE MEIJER, 1976, p. 44).
A derrota da revolução alemã e enfraquecimento progressivo dos comunistas de conselhos, das uniões operárias e com o fim do KAPD e a reunificação acompanhada pela posterior pulverização em diversos pequenos grupos, o comunismo de conselhos acabou aprofundando a reflexão teórica num contexto não-revolucionário. Nessa mesma época surge o KAI (Internacional Comunista Operária, em oposição à III Internacional bolchevique, apesar de sua fraqueza aglutinou algumas tendências de diversos países, tendo em Gorter o seu principal articulador)[16].
Esse é o período que vai de 1923 até 1945, ou seja, época em que o regime de acumulação intensivo consegue superar suas crises com a derrota o movimento operário revolucionário – apesar de lutas radicais explodirem em outros países, como França e principalmente na Espanha – e enfrentar novas lutas e crises (1929, principalmente) e que vai desembocar na Segunda Guerra Mundial. A reunificação das tendências comunistas conselhistas foi em 1929, com a KAUD e depois a formação de diversos pequenos grupos, iniciando o que alguns bordiguistas chamam de fase “grupuscular”. Segundo Mattick:
Assim, durante alguns anos, uma tendência manifestamente anticapitalista exprimiu-se, no plano organizacional, em diversos grupos e não apenas na Alemanha. De início, e apesar de todas as suas inconsequências, este movimento tomou posição contra os métodos parlamentares e sindicais, opondo-se deste modo ao conjunto da sociedade capitalista e ao movimento operário que era parte integrante dela. Considerando que a tomada e exercício do poder por um partido não significavam senão uma mudança de explorador, sustentava que competia aos próprios operários gerirem diretamente a produção e a sociedade. Desde então, as palavras de ordem do passado – abolição das classes, do salariato e da exploração capitalista – deixavam de constituir fórmulas vagas para se tornarem os objetivos imediatos das novas organizações. Estas visavam não a criação de uma elite dirigente aspirando a atuar “pelos operários” e esperando poder agir contra estes uma vez instalada no poder, mas a gestão direta, sem intermediários, dos meios de produção pelos operários, através de uma organização da produção que lhes desse todas as possibilidades de controle. Estes grupos recusavam-se a reconhecer qualquer diferença entre os diversos partidos e sindicatos operários, nos quais viam vestígios de uma etapa do desenvolvimento já ultrapassada e limitada às lutas de certas categorias sociais no contexto do capitalismo. Em vez de procurarem a renovação das velhas organizações, sublinhavam a necessidade de outras com um caráter absolutamente novo: organizações de classe, capazes não só de virem a transformar a ordem existente, mas também de construírem a nova sociedade de modo a tornarem impossível a exploração (MATTICK, 1977, p. 84-85).
É desta época que surgem escritos como os de Otto Rühle, “Da Revolução Burguesa à Revolução Proletária”, escrito em 1925; A Crise Mundial, entre outras (VIANA, 2012); Anton Pannekoek produz pouco nesse período, tal como o texto Princípio e Tática (1927), pois tal como Rühle fica mais afastado das lutas políticas. O GIKH – Grupo Comunista Internacionalista da Holanda, edita Princípios Fundamentales de una Produccion y Distribucion Comunista (1930). Além disso, os grupos de comunistas conselhistas na Alemanha e Holanda, com ressonâncias em outros países com pequenos grupos similares, vão publicar algumas revistas e haverá diversos artigos escritos por Paul Mattick, Karl Korsch, Anton Pannekoek, Helmutt Wagner, H. Canne Meijer, Cajo Brendel, entre outros. Gorter morre em 1927, Rühle em 1943, são, entre os mais conhecidos, os que morreram primeiro. Pannekoek, Korsch, Canne Meijer e Cajo Brendel, entre outros, viverão a terceira e última fase do comunismo de conselhos, junto com Paul Mattick, o mais jovem dos conselhistas renomados, pois nasceu em 1904 e participou da Revolução Alemã de 1918 com 14 anos, se integrando na juventude da Liga Spartacus e depois aderindo ao KAPD e ao comunismo de conselhos.
A partir de 1930 diversos grupos de comunistas de conselhos existiram em vários países, embora geralmente pouco numerosos. O destaque é para o GIKH, na Holanda, bem como o grupo ligado ao Jornal Spartacus e o grupo ligado ao KAI, cuja publicação tinha Emanuel Querido como editor. Em outros países existiram “grupos simpatizantes” (CANNE MEIJER, 1976) em diversos países (Grécia, Romênia e Iugoslávia). E também grupos próximos na Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Bulgária, entre outros países.
Nesse momento a crítica ao bolchevismo se torna mais aprofundada e sólida. Helmutt Wagner lança “Teses sobre o Bolchevismo” (1934) e Otto Rühle escreve “A Luta Contra o Fascismo Começa com a luta contra o Bolchevismo” (1939), entre diversos outros de Mattick, Korsch, etc. Também poderíamos citar diversos textos de crítica ao sindicalismo, socialdemocracia, entre outros. O bolchevismo é considerado contrarrevolucionário, tendo sido responsável pela contrarrevolução burocrática na Rússia e depois nos outros países, tal como suas ações e diretrizes para a Alemanha.
Assim, além dos grupos na Holanda, Alemanha, Bélgica, etc. emerge também nos Estados Unidos, o Council Comunists. Diversas revistas de orientação conselhista também existem nesse período, tais como Living Marxism, International Council Correspondence, New Essays, entre outras. Paul Mattick, escrevendo em 1939 (1977), afirma que os grupos remanescentes geralmente se denominam “comunistas de conselhos” e reivindicam do marxismo e do internacionalismo, considerando a concepção marxista como a teoria da sociedade em evolução e não um sistema fechado (ou dogmático, como diria Karl Korsch), sendo instrumento teórico para a luta proletária. A função desses grupos é, segundo ele, “essencialmente crítica”, do capitalismo transformado ao qual está ligado o “socialismo” (capitalismo de estado) e que apresenta o declínio do “antigo movimento operário” (partidos e sindicatos).
Um caso a parte é o de Karl Korsch. A sua adesão ao comunismo de conselhos foi bem tardia, sendo que ele não fez parte da primeira fase do comunismo de conselhos (1920-1923). Korsch, assim como os demais, iniciou sua ação política no interior do “antigo movimento operário”, desde o fabianismo até o Partido Comunista Alemão (KELNNER, 1981; VIANA, 2014b), sendo que, da mesma forma que os demais, era um dissidente interno. Ele participou da Revolução Alemã ativamente, bem como escreveu obras essenciais, tal como os ensaios de 1923 sobre marxismo, que só foram publicados em 1930 sob a forma de livro. No bojo da Revolução Alemã, escreveu sobre dialética materialista e, assim como Lukács, recebeu diversas críticas que, no entanto, ele não conseguiu compreender adequadamente. A sua permanência no Partido Comunista Alemão (KPD) ocorreu apesar disso e dos confrontos internos, que foram se tornando cada vez mais insustentáveis, até sua expulsão em 1926.
As suas críticas ao KPD e III Internacional eram a razão da expulsão. Inclusive, alguns maus leitores interpretam que essa era uma fase “leninista” do seu pensamento, mas na verdade era uma crítica do leninismo. A questão é que as obras de Lênin eram desconhecidas no idioma alemão e havia pouca coisa dele publicado. É nesse contexto que Korsch, acreditando na Revolução Russa e na palavra de ordem “Todo o Poder aos Sovietes”, considerava Lênin e teórico e defensor dos conselhos operários, engano que só descobrirá após sua expulsão e acesso às obras do ideólogo russo, sendo que criticava os partidos e III Internacional em nome do “leninismo” (VIANA, 2014b). Após essa época ele cria um grupo em torno da revista Política Comunista, coordenada por ele e inicia uma crítica ao leninismo através de vários artigos, o que se torna mais radical com a edição de Marxismo e Filosofia e críticas de socialdemocratas e leninistas. Em sua Anticrítica ele mostra o caráter burguês do bolchevismo no plano filosófico e mostra que isso tem a ver com sua concepção política.
Assim, a adesão de Korsch ao comunismo de conselhos é posterior a 1926[17] e alguns anos depois ele começa a colaborar nas revistas dos diversos coletivos existentes, sendo um dos mais constantes colaboradores de Living Marxism, entre outras. Korsch vai compartilhar as principais teses do comunismo de conselhos, especialmente a crítica ao bolchevismo e capitalismo de Estado, bem como aos partidos, socialdemocracia, e defenderá os conselhos operários (o que já fazia antes dessa adesão) e formas de auto-organização do proletariado. Além da crítica da deformação do materialismo histórico e método dialético pelo pseudomarxismo (forma como se referiu ao bolchevismo e socialdemocracia em algumas oportunidades), ele também mostrou como o leninismo deformou o marxismo para transformá-lo em ideologia nacional de defesa do capitalismo estatal russo em diversos textos publicados.
A estruturação da teoria do comunismo de conselhos
Após 1945, há um processo de constituição de uma nova fase do capitalismo. O regime de acumulação conjugado substitui o regime de acumulação intensivo. O capitalismo oligopolista torna-se capitalismo oligopolista transnacional. Nesse contexto, o fordismo, o estado integracionista (do “bem estar social”) e o imperialismo fundado na expansão do capital transnacional acabam caracterizando o novo regime de acumulação e assim promove mudanças no conjunto da sociedade capitalista.
A burocratização se torna mais intensa, partidos e sindicatos se tornam órgãos do capital, bem como – no caso europeu e norte-americano – o sistema de crédito, a produção de meios de consumo em massa, as políticas de assistência social, amortecem as lutas de classes e surge as ideologias da “integração da classe operária”. Nesse contexto, os grupos de comunistas de conselhos praticamente desaparecem, bem como o radicalismo político e o marxismo são substituídos pelo pseudomarxismo (socialdemocrata em versão ainda mais moderada e na versão “eurocomunista”), com poucas exceções. Dentre as poucas exceções, haviam os comunistas conselhistas remanescentes com sua produção teórica.
Os principais representantes dessa produção intelectual foram Anton Pannekoek, Karl Korsch e Paul Mattick. Em 1947, Anton Pannekoek produz sua grande obra de síntese da teoria conselhista, Os Conselhos Operários; Karl Korsch continua escrevendo artigos sobre questões variadas e Paul Mattick publica sob forma de livro o conjunto de ensaios do período anterior e ainda lança novas obras, com destaque para Marx e Keynes – Os Limites da Economia Mista, escrito em 1953 e tendo sua primeira edição somente publicada em 1969, nos Estados Unidos. Além de obras mais completas, as polêmicas, bastante minimizadas devido ao momento histórico, apesar de poucas, também existiram, como na correspondência entre Pannekoek e Castoriadis, publicadas na revista Socialismo ou Barbárie.
A obra de Anton Pannekoek, Os Conselhos Operários, assume um papel fundamental na teoria do comunismo de conselhos, pois ela sintetiza sua produção intelectual – sobre conselhos, parlamento, comunismo, Revolução Russa, etc. – retomando diversas questões abordadas em artigos e aprofundadas, inclusive de acordo com uma percepção mais crítica do que nas produções anteriores. Nesta obra ele retoma os princípios básicos do comunismo de conselhos, a autoemancipação proletária e autogestão social, sob forma mais desenvolvida e aprofundada. Apesar de algumas imprecisões terminológicas[18] e um excesso de valoração com o problema da contabilidade[19], é uma obra fundamental para compreender as principais concepções conselhistas.
Karl Korsch escreve dezenas de artigos e algumas obras. As grandes contribuições teóricas dele foi quando escreveu Marxismo e Filosofia, nos anos 1920, e Karl Marx, obra de 1937, ou seja, quando o comunismo de conselhos estava em sua primeira fase no bojo da Revolução Alemã, o que explica sua radicalidade sem nem ter vínculo direto com essa tendência, e a segunda após sua saída da Alemanha devido ascensão do nazismo. Além de resgatar o pensamento de Marx em discussões teóricas e metodológicas, a crítica das deformações do marxismo, que se iniciou com a crítica da socialdemocracia nos anos 1920 e avançou com a crítica do bolchevismo na década de 1930, ele continua produzindo durante a terceira fase do comunismo de conselhos. No entanto, ele não produz nenhuma obra de maior fôlego, se limitando a escrever diversos artigos sobre fascismo, marxismo e outras questões.
Paul Mattick é o terceiro nome é o mais importante desse período, pois foi o que produziu maior quantidade e obras mais estruturadas. Mattick também colabora em diversas revistas produzindo um grande número de textos sobre comunismo de conselhos, produções ideológicas e sobre o capitalismo. Ele escreveu biografias intelectuais de Pannekoek, Korsch e Rühle, bem como escreveu artigos sobre a história do comunismo de conselhos. Não poupou diversos ideólogos de críticas, tais como Lênin e Trotsky, bem como também criticou obras do economista trotskista Ernest Mandel, além de Marcuse e diversos outros. Uma das suas principais contribuições foi na análise do capitalismo, através de obras sobre as crises capitalistas e seu livro escrito em 1953, Marx e Keynes, já citado.
Esse aspecto foi pouco trabalhado pelos comunistas de conselhos. Antes da existência dessa tendência, alguns dos seus futuros representantes já haviam escrito sobre capitalismo, tal como Pannekoek, mas posteriormente à formação do comunismo de conselhos, devido, num primeiro momento e em parte, à urgência das lutas proletárias, poucos se aventuraram a este respeito, como Rühle fez em seu livro A Crise Mundial, de 1925, e o GIKH fez sobre o modo de produção comunista. Em Crises e Teorias da Crise, de 1974, bem como em Marx e Keynes, além de artigos e críticas a obras de economistas (especialmente do belga Ernest Mandel), Mattick abordou o capitalismo sob perspectiva marxista e aprofundou alguns elementos de seu desenvolvimento contemporâneo. A crítica ao bolchevismo e outros ideólogos também sempre esteve presente em seus artigos, ao lado de algumas análises do movimento operário.
Em síntese, estes três teóricos foram os que mais se destacaram no plano da produção teórica e nesse período realizaram uma maior estruturação da teoria do comunismo de conselhos. Com a morte de Paul Mattick, em 1981, essa fase se encerra. Nesse sentido, podemos dizer que o comunismo de conselhos passou por três fases: a fase revolucionária (1920-1923), pois surgiu e estava vinculado diretamente a uma tentativa de revolução proletária, a fase grupuscular (1924-1945), caracterizada pela existência de diversos grupos de comunistas de conselhos, e a fase de síntese e estruturação teórica (1946-1981), época em que há um recuo maior do movimento operário e os principais remanescentes se dedicam, principalmente, à produção teórica.
A Herança do Comunismo de Conselhos
O comunismo de conselhos tem uma história. Ele surge com a ascensão das lutas operárias e recua com seu refluxo. No entanto, é uma concepção revolucionária, que manteve a essência do marxismo e avançou em reconhecer as novas formas da luta proletária e realizou a crítica das velhas formas (parlamentarismo, partidos, sindicatos). O comunismo de conselhos foi a prova viva de que o marxismo não é um pensamento dogmático e por isso não deve petrificar suas ideias. A essência e o que permanece devem ser resgatados e as novas lutas e questões contempladas. Contudo, a reemergência, ainda muito limitada, de algumas lutas sociais fizeram com que os esquecidos comunistas de conselhos fosse retomados.
Essa retomada do comunismo de conselhos, no entanto, ocorre sob duas formas problemáticas. No fundo, ao invés de reconhecer a historicidade do comunismo de conselhos, entendendo quem foram seus representantes e que ele deixou de existir, muitos assumem as ideias defendidas por eles[20] e as consideram a verdade revelada. Tal dogmatismo, distinto que os próprios conselhistas disseram, bem como alguns até criticaram, como Korsch e sua defesa de um marxismo antidogmático, acaba se tornando comum. A teoria dos conselhos operários pode se transformar em ideologia conselhista:
Imaginando uma possível movimentação revolucionária, operada em conselhos, a possível teoria podia tornar-se, finalmente, na possível realidade. Fixando ideologicamente, como ponto de chegada, a sua aspiração revolucionária, a formulação dos conselhos produz, contudo, a mais uma ideologia: a ideologia conselhista (DEBRITO, 1985, p. 91).
Ao lado do dogmatismo, representada por uma minoria que se intitula “conselhista” ou “comunista de conselhos”, desrespeitando uma tradição teórica e deformando-a[21], emerge outra manifestação ideológica que expressa o “espírito da época”, o ecletismo. Tanto o ecletismo de outras tendências e correntes que querem assimilar e deformar o comunismo de conselhos para seus usos pseudorrevolucionários, quanto de supostos indivíduos que partem dessa tendência e a misturam com pós-estruturalismo, bolchevismo, autonomismo, etc. Essa deformação fundada no ecletismo consiste em querer retirar a radicalidade revolucionária do comunismo de conselhos e tentar unir o mesmo com participação em partidos ou formação de supostos “partidos revolucionários”[22].
Obviamente que, para isso, além do ecletismo e confusão entre conselhismo e outras concepções “consideradas” equivocadamente como sendo comunismo de conselhos (Rosa Luxemburgo, Socialismo ou Barbárie, Situacionismo, Bordiga, etc.) apenas mostra a ignorância ou má fé de quem faz isso e, no primeiro caso, a pesquisa é suficiente (desde que seja só isso) para superar, mas no segundo, no qual o compromisso revolucionário com a verdade foi abandonado intencionalmente, nada adiantará, a não ser a crítica e o combate.
O ecletismo assume várias formas, sendo uma delas a tentativa de tendências, especialmente bordiguistas, de se apropriar do comunismo de conselhos. Jean Barrot e Denis Authier se destacaram pela análise e história do comunismo de conselhos e por isso muitos leitores pouco críticos pensam que eles seriam comunistas de conselhos e/ou acabam reproduzindo suas análises e críticas (geralmente equivocadas) a esta tendência. Um elemento comum é o uso dos termos “forma-partido” e “forma-sindicato”, de origem bordiguista, por indivíduos que se dizem “conselhistas”. A ideia dos bordiguistas é que não se trata de um problema de “forma” e sim de relação de forças e por isso a “forma-partido” pode ser usada, assim como a “forma-sindicato” e a “forma-conselho”, o que interessa é tal relação e o “projeto comunista” (puramente negacionista, sem nenhuma afirmação do que seria a sociedade comunista). Para o comunismo de conselhos, além de não usar tal terminologia (por não estar de acordo com suas concepções), não se trata de pensar em “formas” separadas de conteúdos[23] e a questão é que os partidos e sindicatos são organizações contrarrevolucionárias e por isso devem ser combatidos, e novas organizações criadas, como as organizações revolucionárias e os conselhos operários.
Nesse sentido, é necessário compreender qual foi a contribuição do comunismo de conselhos e o que podemos herdar dele para fazer avançar a luta proletária. A contribuição do comunismo de conselhos, no passado, foi o seu papel atuante no processo revolucionário alemão, sua retomada do marxismo e crítica ao pseudomarxismo (bolchevismo, socialdemocracia, etc.), sua retomada dos princípios fundamentais do marxismo (autoemancipação proletária e autogestão social), a crítica das burocracias (partidárias, sindicais, estatais), entre outras[24].
Outra contribuição foi conseguir expressar o movimento revolucionário do proletariado e seu processo de recusa da burocracia e do capital, atualizando o marxismo e tal atualização se deu não somente na percepção da emergência e significado dos conselhos operários como formas operárias de organização revolucionária, como também pela percepção da contrarrevolução burocrática expressa na socialdemocracia e bolchevismo e suas organizações e ideologias. Isso sem falar nas contribuições individuais, seja em questões comuns e convergentes entre os comunistas conselhistas, seja em questões mais pontuais e específicas desenvolvidas por um ou outro (Mattick e a análise do capitalismo; Korsch e a questão da dialética materialista, etc.).
Resta, então, saber o que devemos manter do comunismo de conselhos. Ao contrário do dogmatismo e do ecletismo que querem se apropriar do comunismo de conselhos, realizando mais uma deformação (tal como fazem também alguns “críticos” bolchevistas e socialdemocratas e intérpretes e biógrafos), é preciso entender o comunismo de conselhos como um fenômeno histórico datado e que não existe mais. Qualquer tentativa de retomar o comunismo de conselhos como uma totalidade, é uma concepção conservadora. Por qual motivo seria conservadora? Pelo simples motivo de que realizaria um processo de cristalização de determinadas ideias, tornando-o uma totalidade fechada.
Isso também é verdade no caso do pensamento de Marx. Retomar a totalidade do pensamento de Marx é fundamental para a teoria revolucionária do proletariado, bem resgatar o conjunto da produção teórica do comunismo de conselhos. Contudo, se restringir a isso é algo que se torna conservador, não por “conservar” as ideias produzidas no passado, mas por se fechar nelas e cair no dogmatismo, não compreendendo que Marx não desenvolveu uma teoria acabada e sim inacabada (a sua grande obra O Capital ficou inacabada e da mesma forma era dedicada ao modo de produção capitalista e não ao conjunto da sociedade capitalista e por isso muitos aspectos ficaram de fora e deveriam ser desenvolvidos, embora os “marxistas” tenham se contentado em reproduzir e comentar a parte já desenvolvida, com poucas tentativas de ir além – e menos ainda numa perspectiva marxista, ou seja, revolucionária) e, além disso, não poderia contemplar o futuro e as mutações do capitalismo.
É por isso que a obra de Marx é fundamental, lança bases teóricas válidas até hoje. No entanto, é necessário desenvolver a teoria inaugurada por Marx. Isso também revela a importância do comunismo de conselhos, pois ele não só resgata aspectos do pensamento de Marx e questiona diversas deformações, como avançou no sentido de atualizar a sua teoria, gerando uma teoria dos conselhos operários e, ao mesmo tempo, uma crítica da burocracia (partidária, sindical, estatal, etc.), do pseudomarxismo e do capitalismo de Estado. É um desenvolvimento do marxismo e por isso não é possível pensar o comunismo de conselhos sem levar em consideração a sua base teórica que reside no pensamento de Marx. Não é possível pensar comunismo de conselhos sem Marx, a sua principal fonte inspiradora e base teórica. Comunismo de conselhos sem Marx é como feijoada sem feijão. O derivado não pode ser compreendido adequadamente sem o elemento do qual ele deriva.
Por conseguinte, aqueles que pretensiosamente se autointitulam “comunistas de conselhos” na atualidade deveriam retomar o pensamento de Marx, sua teoria do capitalismo, o materialismo histórico-dialético, etc. Mas, mesmo isso, ainda seria algo limitado. É preciso dar conta das mutações do capitalismo, das ideologias, do movimento operário, entre milhares de outras. O comunismo de conselhos, assim como Marx, é base teórica da análise do capitalismo de Estado, do bolchevismo, etc., mas é preciso analisar, a partir da crítica revolucionária, as mudanças do capitalismo, das lutas operárias, etc. Inclusive faz parte de todo esse processo aprofundar a percepção do que significa o pseudomarxismo e suas novas versões (o pseudoconselhismo emergente, por exemplo).
Esse é todo um processo de produção intelectual e teórica que revela a importância da luta cultural. Trata-se de uma necessidade da luta de classes, da luta revolucionária do proletariado – e para não repetir os erros do passado, tanto de Marx quanto dos comunistas conselhistas e outros – inclusive no sentido de melhor compreender as experiências revolucionárias, as contrarrevoluções, as mutações do capitalismo, as novas formas de integração da cultura contestadora na sociedade burguesa, as novas ideologias, a dinâmica atual das lutas de classes, etc.
Para citar apenas um exemplo, é preciso entender melhor a dinâmica da mentalidade coletiva na sociedade capitalista, pois o universo psíquico da classe proletária, dos indivíduos revolucionários, entre outras, é fundamental. Isso serve para compreender como pessoas sinceras cometem erros e equívocos que são obstáculos para o avanço da luta revolucionária, como a manipulação dos sentimentos promove erros na ação política de grupos e indivíduos, como o envolvimento emocional faz indivíduos revolucionários assumirem posições reformistas, como setores inteiros da sociedade podem se apegar a ideologias burguesas pensando estar sendo contestador ou revolucionário.
Claro está que a psicanálise, que não é marxista e nem comunista de conselhos, tem a contribuir nesse processo. Da mesma forma, tal contribuição só tem valor se for objeto de uma profunda crítica dos seus aspectos burgueses, bem como suas manifestações mais claramente ideológicas (tal como a psicanálise estruturalista de Lacan ou a psicanálise metafísica de Jung). Ou seja, a psicanálise só pode realmente contribuir se não for retomada em sua totalidade (isso seria reacionário), pois dessa forma ela é ideológica, e sim alguns elementos (mais presentes em determinadas produções intelectuais, com seus diversos limites, como Fromm, Schneider e outros). Isso seria o caso da assimilação da psicanálise pelo marxismo, o que significa alguns elementos da mesma, inserida numa totalidade mais ampla que é a teoria marxista, e descartando seus elementos ideológicos e problemáticos.
A partir desse exemplo apenas queremos deixar mais claro que toda uma parte da realidade humana, o universo psíquico dos indivíduos e suas manifestações coletivas, são esquecidas ou simplesmente desconsideradas por um marxismo petrificado (e mais ainda por um “conselhismo” petrificado), que tem um peso na luta de classes e é um dos obstáculos para a revolução proletária. Para um marxismo (ou conselhismo, ou qualquer outra concepção política que se diz revolucionária) petrificado, o linchamento de uma pessoa por uma parte da população é interpretado e compreendido apenas com termos políticos (reproduzindo assim a divisão capitalista do trabalho intelectual), sendo manifestação do “fascismo”.
Ao invés de compreender que existem muito mais coisas envolvidas, como o desejo de destruição provocado pela negação na sociedade burguesa da realização das potencialidades humanas – e que poderia ocorrer sob outras formas e o faz inclusive nos momentos revolucionários e a questão é que o fascismo manipula isso para criar um inimigo imaginário visando canalizar a revolta popular – preferem uma interpretação simplista de “avanço do conservadorismo”. O mesmo vale para outras revoltas populares, inclusive as mais amplas, e assim não faltarão supostos esquerdistas com medo do “fascismo das massas” e devido a isso poderão se colocar contra as mesmas e suas lutas espontâneas, inclusive deixando campo aberto para as forças realmente conservadoras.
Essa é a lógica de certos setores “revolucionários” ao observar o fenômeno de combate entre forças burguesas democráticas e forças burguesas conservadoras e se aliar com as primeiras por temer as segundas, reforçando a mistificação da democracia e sociedade burguesas ao invés de buscar fortalecer a negação de ambas e avanço da população nesse processo através do desenvolvimento das lutas diretas, auto-organização e autoformação. Alguns chegam a temer e combater as lutas espontâneas por suposto caráter conservador ao invés de buscar contribuir com seu desenvolvimento e assim reforçam o aparato estatal.
O exemplo da psicanálise serve para ampliarmos o marxismo, pois Marx apresentou alguns elementos comuns com a psicanálise, mas não os aprofundou e tem elementos desta que não estão contemplados em suas análises, mesmo porque não era seu objetivo. Da mesma forma, os comunistas conselhistas pouco se dedicaram a questões que são trabalhadas pela psicanálise, como o universo psíquico e o inconsciente, sendo que apenas Otto Rühle se dedicou a isso, ao escrever sobre a vida psíquica da criança proletária[25]. A psicanálise é apenas um exemplo, pois até mesmo no que se refere ao grande foco de Marx, o modo de produção capitalista, ainda há muito em que se aprofundar e desenvolver, e muito mais no que se refere a outros aspectos (“superestrutura”, por exemplo). Os comunistas de conselhos avançaram num ponto e retomá-los esquecendo Marx, que aprofundou muito mais em diversas questões (tal como materialismo histórico-dialético, modo de produção capitalista, etc.), e deixando todo o resto de lado, é um retrocesso teórico e um posicionamento não-marxista, dogmático e limitado.
Nesse sentido, é fundamental partir da teoria de Marx e do comunismo de conselhos, mas sem cair no dogmatismo (ou no ecletismo) e avançar para compreender a dinâmica atual da luta de classes e dos processos sociais em geral. Isso significa manter a essência tanto do marxismo de Marx quanto do comunismo de conselhos. Isso significa manter seu caráter revolucionário, o que gera a crítica revolucionária, no sentido de contribuir com a revolução proletária e a emancipação humana.

Referências

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[1] E esse não foi o único caso. Esse ideólogo do PC do B (Partido “Comunista” do Brasil), também tentou fazer o mesmo com a obra de Karl Korsch, no que se refere à interpretação deste da Comuna de Paris (sobre isso, cf. VIANA, 2011). O fato do ideólogo ter abandonado o partido stalinista-governista (o que ocorreu em 2013, sendo que o texto citado é de 2009) não altera nada.
[2] Esse é o caso de pessoas mal informadas e algumas tendências políticas oportunistas que buscam unir ou considerar a mesma coisa o comunismo de conselhos e a chamada “esquerda comunista italiana” (bordiguismo) ou com o conjunto que ficou conhecido como “esquerdismo”. A confusão, nesse caso, além da falta de informação, reside no fato de que algumas das principais fontes de pesquisa sobre o comunismo de conselhos são tendências bordiguistas (especialmente as obras de Jean Barrot e Denis Authier, entre outros), e por isso são confundidos. Alguns textos mostram as diferenças entre as duas concepções (MAIA, 2012; VIANA, 2001). Não deixa de ser curioso que pretensos herdeiros do comunismo de conselhos repitam teses bordiguistas (a discussão e os termos “forma partido” e “forma sindicato”) sem compreender seu vínculos com a concepção bordiguista, amenizando a crítica aos partidos e sindicatos e reduzindo a mera questão de “forma”.
[3] E isso é mais importante ainda tendo em vista que “os militantes, os ditadores e os estudantes, por suas razões próprias, não são dados a acuradas interpretações de texto” (HARRINGTON, 1977, p. 40).
[4] Em sua versão autêntica e não em suas deformações pseudomarxistas, expressas na socialdemocracia e bolchevismo. A ênfase dos comunistas de conselhos foi na questão da luta operária e revolução proletária, com foco nos conselhos operários, e graças a isto efetivaram uma ampla crítica às deformações do marxismo pelos partidos políticos da suposta “esquerda” e também criticaram outras deformações, mas com menos ênfase e quantidade. Korsch (1977; 1983), por exemplo, combateu amplamente as deformações socialdemocratas e bolchevistas da dialética materialista, sendo que outros, como Pannekoek, contribuiu com a crítica da deformação leninista do materialismo histórico (PANNEKOEK, 1973).
[5] Aqui se distingue radicalmente tanto do bolchevismo quando do anarcossindicalismo. O bolchevismo considera que os partidos são os agentes da revolução e da gestão da “futura” sociedade, cabendo a eles tomar o poder estatal (“revolução”) e gerir o “socialismo” (período de transição para o comunismo). Os anarcossindicalistas, por sua vez, pensam que esse papel cabe aos sindicatos, como órgãos da revolução e da gestão da futura sociedade. O problema de ambas as posições é que eles se fundamentam em instituições da sociedade capitalista (existentes para sua reprodução, fundadas na divisão social do trabalho, criadoras de frações da classe burocrática), cujo papel é dirigente, seja do conjunto dos trabalhadores (“partido”, se autodeclarando “vanguarda da classe trabalhadora”) ou dos trabalhadores sindicalizados. Os conselhos operários não reproduzem a divisão social do trabalho (como o sindicato, organizado por categorias profissionais e tendo a função de negociar o valor da força de trabalho, e o partido, organizado por especialistas em militância política, “revolucionários profissionais” como queria Lênin, ou não, cuja função é tomar o poder estatal), são organizados por todos os trabalhadores no local de trabalho (conselhos de fábrica) que se generalizam (formando conselhos operários), criando não somente autogestão das fábricas e empresas, como também dos territórios e somente surgem com a radicalização da luta proletária, ou seja, em momentos revolucionários.
[6] Inclusive há um equívoco na discussão sobre os conselhos operários, que muitos julgam um modelo a ser seguido, enquanto que, para os comunistas de conselhos, é um princípio e esse é o da auto-organização, que pode assumir várias formas. Segundo Pannekoek, os conselhos operários “não designa uma forma de organização fixa, elaborada de uma vez por todas, a qual só faltaria aperfeiçoar os detalhes; trata-se de um princípio, o princípio da autogestão operária das empresas e da produção. A realização deste princípio não passa, absolutamente, por uma discussão teórica referente aos seus melhores modos de execução. É uma questão de luta prática contra o aparato de dominação capitalista. Em nossos dias, por conselhos operários não se entende a associação fraternal que tem um fim em si mesma; conselhos operários quer dizer luta de classes (na qual a fraternidade tem seu lugar), ação revolucionária contra o poder do Estado” (apud. BRICIANER, 1975, p. 310).
[7] Aqui citamos apenas alguns textos, mas a lista de obras que realizam tal crítica sob a perspectiva do comunismo de conselhos é extensa.
[8] “Nada prova de maneira mais peremptória o caráter revolucionário das teorias de Marx do que a dificuldade de assegurar a sua manutenção nos períodos não revolucionários” (MATTICK, 1977, p. 56).
[9] Bem como a Esquerda de Breme, inspirada em Anton Pannekoek e Hermann Gorter, embora ela seja uma tendência do IKD.
[10] A tradução brasileira deste texto (GORTER, 1981), feita por Daniel Aarão Reis Filho, o que dispensa comentários, omite um item, no qual Gorter trata do oportunismo da III Internacional, acessível numa edição espanhola (GORTER e LÊNIN, 1971). Em breve será publicada uma edição brasileira completa.
[11] Aqui é preciso esclarecer, para os leitores apressados e mau leitores, que o que foi chamado de “esquerdismo” reúne várias tendências, e não se deve confundir elas. A esquerda extraparlamentar inglesa, em matéria de concepção, era muito próxima aos comunistas de conselhos, mas também tinham diferenças. A esquerda comunista italiana, de Amadeo Bordiga, já era bem mais distante, pois defendia o partido-seita. Os comunistas conselhistas, por sua vez, é uma tendência do esquerdismo cujo surgimento se deu na Alemanha e Holanda. Assim, é necessário compreender as mudanças históricas e não confundir tendências anteriores (as diversas tendências do socialismo radical, tal como Liga Spartacus, Comunistas Internacionalistas, Esquerda de Breme, etc.) e tendências próximas da mesma época (esquerda extraparlamentar inglesa, esquerda comunista italiana) com a tendência específica expressa pelo comunismo de conselhos.
[12] No interior do KAPD surgiu nesse ano uma divergência entre duas tendências: a de Otto Rühle, que foi enviado a um Congresso em Moscou da III Internacional e não participou do encontro, por ter encontrado com Lênin e este ter lido trechos do livro O Esquerdismo, A Doença Infantil do Comunismo, pois para ele não valia a pena participar de algo junto com o bolchevismo, além de sua percepção da pobreza e exploração do proletariado na Rússia. Ao voltar acabou sendo expulso do KAPD, pois este o havia enviado para formar uma articulação (com holandeses, ingleses, russos) da oposição ao bolchevismo. Outra divergência que havia nesse momento era relativa à posição de Rühle a respeito da “organização unitária” e a defesa de Gorter da “dupla organização”. Para Rühle, o proletariado precisa apenas de sua própria organização (“sistema de conselhos” ou “uniões operárias”), enquanto que para Gorter era necessário a auto-organização proletária e a organização dos revolucionários (o próprio KAPD).
[13] Uma parte do KAPD e AAUD (União Geral dos Operários da Alemanha, que aglutina conselhos operários) saiu destas organizações com ele e fundaram a AAUD-E (União Geral dos Operários da Alemanha - Unitária). Os que ficaram no KAPD se dividiram, após as derrotas do movimento revolucionário, e Gorter defendeu a radicalização e antibolchevismo completo, inclusive propondo a fundação de uma nova internacional, proletária e depois se reuniu novamente com Rühle e outros na KAUD (União Operária Comunista da Alemanha). Anton Pannekoek, amigo e colaborador de Gorter desde o início de sua militância na Holanda, nesse período, apoiou a posição de Otto Rühle a respeito da “organização unitária”, embora, posteriormente, voltasse à ideia de “dupla organização” e, por fim, acabou reduzindo essa a apenas “grupos de propaganda”. Todas as duas posições (organização unitária ou dupla organização) são do comunismo de conselhos, sendo divergência interna. O problema, no entanto, é a confusão que alguns ignorantes ou mal intencionados fazem entre a defesa de uma organização revolucionária (não-burocrática e por isso não sendo um “partido político propriamente dito”, como o KAPD) e defesa de partido político (organização formal, burocrática). Nenhum comunista de conselhos jamais defendeu a existência de partido político formal, cuja burocracia é inevitável. Por isso é necessário entender o conceito de partido político, como organização burocrática específica que visa a tomada do poder estatal (VIANA, 2014a).
[14] Aqui Canne Meijer – e em outros trechos do livro – comete uma imprecisão terminológica que colabora com as deformações do comunismo de conselhos. Não se trata de “pequenos partidos políticos” e sim “pequenas organizações revolucionárias”. Claro está que é este o significado mais adequado, o que passa desatento para muitos, inclusive alguns representantes do comunismo de conselhos.
[15] Anton Pannekoek, que concordou com Rühle na época de ruptura com o KAPD, acaba defendendo a mesma posição nos anos seguintes, colocando o papel da organização como “direção espiritual” e, posteriormente, considerando os grupos revolucionários como “grupos de propaganda”. Isso sempre foi acompanhado por reflexões teóricas e da convicção dos riscos das burocracias partidárias e outras, tanto por Pannekoek quanto pelos demais integrantes do comunismo de conselhos.
[16] Na Bulgária, no começo de 1920, um grupo mais numeroso, chamado “Comunistas Operários”, organizado a partir da ideia de dupla organização, existiu e teve certo peso. Na Rússia, Miasnikov e o chamado “Grupo Operário” tinha posições muito próximas ao comunismo de conselhos, sendo que caracterizava o regime russo como capitalismo de Estado, era antibolchevista, entre outros elementos comuns. O Grupo Operário foi duramente perseguido (desde seu surgimento, em 1921, através de repressão, envio para Sibéria, etc.) e Miasnikov conseguiu, em 1923, fugir da Rússia e foi para Alemanha e se encontrou com os militantes do KAPD, desenvolvendo atividades em conjunto.
[17] Aqui se trata de adesão não-formal, a uma tendência política e não adesão a um grupo político específico, pois ele colabora com vários em suas publicações. Nesse sentido, ele torna-se um dos representantes da tendência do comunismo de conselhos.
[18] Uso do termo “socialismo de estado” como tendo o mesmo significado que capitalismo de Estado, uso de termos da sociedade burguesa aplicados à sociedade comunista/autogerida, como direito, entre outros. Essas imprecisões terminológicas são problemas meramente formais, mas que, como a experiência das deformações do pensamento de Marx demonstraram, isso pode promover interpretações equivocadas e servir na luta cultural da burocracia e burguesia contra o proletariado, tal como alguns já buscam fazer com o comunismo de conselhos, tentando retirar sua radicalidade e se apropriar do pensamento conselhista, deformando-o e usando-o para fins burocráticos.
[19] Esse é um problema também presente no texto do GIKH sobre a produção e distribuição comunista, bem mais intensificado (GIKH, 1976). Isso permitiu a crítica de bordiguistas e outros ao comunismo de conselhos, que aparentemente pensaria que uma sociedade fundada em conselhos seria equivalente a transformar o comunismo em apenas uma questão de gestão. Embora haja problemas nas formulações de Pannekoek e principalmente do GIKH, a crítica é equivocada por esquecer as bases marxistas de ambas e das outras contribuições (principalmente Mattick que é o autor que aborda melhor a questão do capitalismo e do valor numa perspectiva crítica), bem como que, no caso do GIKH e Pannekoek, eles estão pensando na fase revolucionária na qual o comunismo vai emergindo a partir do capitalismo (sob forma equivocada em alguns pontos, o que não inválida o conjunto das reflexões).
[20] Muitas vezes sem a devida compreensão e pesquisa, algumas vezes se baseando apenas em poucos textos mal traduzidos da internet e interpretações de bolchevistas (como o citado no início do presente texto) e outras, também sem grande fundamentação e acúmulo. Outros até pesquisam, mas se apegam dogmaticamente ao comunismo de conselhos, como se fosse nos escritos sagrados que se encontram as respostas para todas as questões do movimento revolucionário, inclusive confundindo épocas e escritos (por exemplo, tomar os textos dos representantes do comunismo de conselhos antes deles mesmo defenderem tais concepções e julgar que eles defendiam teses que superaram).
[21] O próprio dogmatismo já é uma deformação, mas esta deformação também é acompanhada por um obreirismo e outras formas dogmáticas, chegando alguns a defenderem participação em democracia burguesa, sob o pretexto de que se a classe operária participa, então os “conselhistas” também devem participar. Além de uma ignorância da história, tanto do movimento operário (e da deformação de conselhos operários pela socialdemocracia e bolchevismo) quanto das concepções e práticas dos comunistas de conselhos, que muitas vezes criticaram e combateram setores do movimento operário e até mesmo conselhos de fábrica corrompidos, há também uma incompreensão da essência do comunismo de conselhos, que passa a ser confundido com obreirismo e autonomismo, além do endeusamento do proletariado como classe determinada pelo capital ao invés de se fundamentar no proletariado revolucionário, classe autodeterminada que nega o capital e afirma o comunismo (autogestão).
[22] Isso difere de “organização revolucionária”. Dentro do comunismo de conselhos, como colocamos anteriormente, há duas posições: a da organização unitária do proletariado e a da dupla organização (a organização do proletariado convivendo com a organização dos revolucionários), sendo que esta última não é um partido político formal, tal como os socialdemocratas, bolchevistas, etc. A forma de organização é radicalmente distinta e autenticamente proletária-revolucionária. A organização revolucionária defendida por alguns comunistas de conselhos difere da concepção de partido político (organização burocrática), pois é uma organização não-burocrática (nível organizacional) cuja concepção é não-burguesa e não-burocrática, bem como antiburguesa e antiburocrática, entre outras diferenças, o que ocorre por ser uma expressão teórica do movimento revolucionário do proletariado. Por isso, mesmo os que defenderam a dupla organização não defenderam a formação de partidos políticos (apesar de, como já foi explicado, alguns caiam na imprecisão terminológica usando o termo “partido”).
[23] Como já dizia Korsch, a forma é sempre a forma de um conteúdo (KORSCH, 1977).
[24] Claro que não se pode esquecer alguns equívocos, como, por exemplo, os cometidos por Rühle ao postular, por algum tempo, uma concepção economicista, ou Korsch e suas críticas equivocadas a Marx, mas isso são questões pontuais e que apenas mostram que os seres humanos concretos são produtos de múltiplas determinações e por isso manifestaram tendências e concepções políticas de forma diferente, em épocas, contextos, situações, diferentes, além da questão das singularidades psíquicas e questões pessoais.
[25] Ele escreveu dois livros sobre esta questão e era amigo do psicanalista Alfred Adler, um dos primeiros dissidentes do freudismo ortodoxo.

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