A PRÁTICA COMO CRITÉRIO DA VERDADE?
Nildo
Viana
É bastante comum se ouvir a repetição da frase segundo a
qual “a prática é o critério da verdade”. Essa frase é atribuída à concepção
marxista, mas, no fundo, é leninista. Vários autores já mostraram o antagonismo
entre o pensamento de Marx e o de Lênin (Berger, Pannekoek, Korsch, Guérin, etc.),
e não cabe retornar a esse assunto aqui. Essa popularização desse equívoco
pseudomarxista se deve ao leninismo e à deformação que este faz do marxismo.
Lênin e Stálin são aqueles que os pseudomarxistas vão retomar para justificar tal
afirmação.
Existe algo em Marx que dê margem para esse tipo de
interpretação? Nas Teses sobre Feuerbach
existem afirmações que, através de uma má interpretação, podem ser utilizadas para justificar a existência dessa ideia exótica no pensamento de Marx. Uma
frase descontextualizada pode servir para esse tipo de interpretação
equivocada:
A
questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma
questão teórica, mas prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a
verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. A
disputa sobre a realidade ou não-realidade do pensamento isolado da práxis – é
uma questão puramente escolástica (MARX, 1991, p. 12).
Uma interpretação apressada e descontextualizada colocaria
que tal afirmação significa que a prática é o critério da verdade. Mas uma
leitura atenta e contextualizada ajuda a superar essa interpretação
reducionista e simplista. O que Marx está colocando é que a questão da verdade
é uma questão “prática” e que só se pode demonstrar que um determinado
pensamento é verdadeiro na práxis e que fora disso se cai na escolástica. O que
isso significa realmente? Para entender o que Marx quer dizer é necessário compreender
o que significa, nesse contexto, prática. Mas antes disso é possível entender
que aqui Marx está abordando a questão da “prova” da verdade. Essa questão da
prova recebe, tradicionalmente, duas respostas, a filosófica e a científica. A
prova de uma determinada tese (o que significa provar sua verdade, no final das
contas) é racional (filosofia) ou empírica (ciência), ou seja, são duas formas
de saber que usam distintos processos de comprovação (VIANA, 2000). Marx recusa
a concepção filosófica e portanto não considera que a mera “prova racional”
seja suficiente. Isso é facilmente perceptível em toda sua polêmica com a
filosofia idealista (Hegel) e os neohegelianos (expressa em suas obras A Sagrada Família; A Ideologia Alemã,
etc.). No entanto, nesse texto, ele está criticando uma concepção que se
considera “materialista”, a de Feuerbach. Feuerbach era materialista, mas não empiricista.
Por conseguinte, é somente a contextualização discursiva (o conjunto das Teses
Sobre Feuerbach e do pensamento de Marx) que podemos entender o real
significado desta afirmação. Aqui fica claro que Marx contesta tanto a
comprovação meramente racional quanto meramente empírica.
A pergunta que fica é: qual é a posição de Marx sobre a
questão da verdade e sua comprovação? Não se trata de prova racional e nem de
prova empírica. Também não se trata de um “critério” e nem é algo que remete
apenas a prática política (partidária, tal como é geralmente compreendida pelos
pseudomarxistas). No plano da abordagem dialética, trata-se de fundamentação do
saber produzido, da teoria. Essa fundamentação se dá no que Marx denominou
“prática”, cujo significado é preciso esclarecer, pois é algo bem distinto do
que os pseudomarxistas afirmam. A discussão de Marx remete ao pensamento de
Feuerbach e é nesse contexto que ela fica compreensível e é por isso que a
palavra “prática” desaparece nos demais escritos de Marx. Na primeira tese Marx
afirma:
O principal defeito de todo materialismo até aqui
(incluindo o de Feuerbach) consiste em que o objeto, a realidade, a
sensibilidade, só é apreendido sob a forma de objeto ou de intuição, mas não
como atividade humana sensível, como práxis, não subjetivamente. Eis porque, em
oposição ao materialismo, o aspecto ativo foi desenvolvido de maneira abstrata
pelo idealismo, que, naturalmente, desconhece a atividade real, sensível, como
tal. Feuerbach quer objetos sensíveis – realmente distintos dos objetos do
pensamento: mas não apreende a própria atividade humana como atividade
objetiva. Por isso, em A Essência do
Cristianismo, considera apenas o comportamento teórico como o
autenticamente humano, enquanto que a práxis só é apreciada e fixada em sua
forma fenomênica judaica e suja. Eis porque não compreende a importância da
atividade “revolucionária”, “prático-crítica” (MARX, 1991, p. 12).
Aqui Marx questiona o materialismo feuerbachiano, pois este concebe
a realidade como algo estático (objeto) e não como “atividade”, ou seja, em sua
historicidade e seu caráter ativo (o que significa, também, consciente,
sensível). Essa oposição estático/histórico (que inclusive é a raiz do que Marx
chamou concepção materialista da história, posteriormente conhecido como
materialismo histórico em oposição ao materialismo mecanicista e o
feuerbachiano, abstrato) no que se refere à concepção de realidade (duas
teorias distintas sobre o que é o real) se desdobra em duas formas de conceber
o papel da teoria. A concepção feuerbachiana é contemplativa (“considera apenas
o comportamento teórico como autenticamente humano”) e de Marx é revolucionária
(“a importância da atividade revolucionária”, “prático-crítica”). Isso é perceptível
também na quarta tese, na qual afirma que Feuerbach busca dissolver o mundo
religioso em seu fundamento terreno mas não resolve a questão do primeiro se
fixar nas nuvens, como um reino autônomo, o que só pode ser explicado pelo
fundamento terreno. O exemplo de Marx é esclarecedor: “uma vez descoberto que a
família terrestre é o segredo da sagrada família, é a primeira que deve ser
teórica e praticamente aniquilada”. Aqui o que ocorre é uma digressão de Marx
sobre a abordagem de Feuerbach de um fenômeno social específico, a religião, e
sua crítica, pois na abordagem deste se observa o avanço em compreender que o
fundamento do mundo religioso é o mundo terreno, mas também é perceptível o
limite na análise deste último.
Portanto, a concepção de Marx aponta para a crítica do
idealismo e também do materialismo feuerbachiano. Feuerbach não compreende o
fundamento terreno do mundo religioso, não percebe sua contradição. Para Marx,
tal fundamento deve “ser compreendido em sua contradição” e também
“revolucionado praticamente”. Aqui voltamos ao significado do termo “prática”.
A compreensão limitada desse termo é outro problema no interior do marxismo,
inclusive devido à deformação pseudomarxista. “Toda vida social é
essencialmente prática. Todos os mistérios que levam a teoria para o misticismo
encontram sua solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis”
(MARX, 1991, p. 14). Toda a vida social é prática, o que significa que esse
termo não se reduz a um tipo de atividade específica, como querem os
pseudomarxistas. Aqui temos uma oposição, o prático, o real, por um lado, e o
mundo das ideias, por outro, mas este também é “prático”, não só porque emerge
daquele, afinal até a sensibilidade é uma atividade prática, humano-sensível,
como coloca na quinta tese.
Nesse sentido, toda a discussão de Marx nesse texto é para
colocar a distinção entre relações sociais concretas, percebidas em suas
historicidade e totalidade, que aparece através do termo “prática”, e o mundo
das ideias, tal como a religião, que é parte do todo composto por tais relações
sociais. A questão é que a fundamentação de uma determinada concepção não pode
ocorrer através do mundo das ideias e sim do mundo real, concreto, “prático”.
Portanto, não é o discurso ou as representações (tal como a religião ou o
materialismo contemplativo de Feuerbach) que podem fundamentar uma tese e sua
veracidade e sim a análise das relações sociais reais, concretas. Isso revela duas
concepções de realidade, a do materialismo histórico e a do materialismo
intuitivo de Feuerbach.
Não é uma concepção empobrecida de “prática” que seria um
suposto “critério de verdade”. Em Marx, nesse contexto, o real é “prático”, ou
seja, atividade realmente existente, que é consciente/sensível, isto é, práxis.
A concepção pseudomarxista, especialmente a leninista e seus derivados, reduz a
“prática” a algo individual (a prática do indivíduo), retomando Feuerbach mas afirma
isso citando Marx. O próprio Marx criticou essa concepção feuerbachiana: “Feuerbach
dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é
uma abstração inerente ao indivíduo singular. Em sua realidade, é o conjunto
das relações sociais” (MARX, 1991, p. 14), “por isso Feuerbach não vê que o
próprio ‘sentimento religioso’ é um produto social e que o indivíduo abstrato
por ele analisado pertence a uma forma determinada de sociedade” (MARX, 1991,
p. 14-45).
A síntese de Marx resolve toda essa questão ao retomar a
necessidade de ir além da concepção individualista e da sociedade civil
burguesa e compreender a totalidade: “o ponto de vista do velho materialismo é
a sociedade civil; o ponto de vista do novo é a sociedade humana ou a
humanidade social” (MARX, 1991, p. 14). Assim, numa concepção materialista histórica,
nenhuma prática individual, especializada ou localizada
pode se arvorar no direito de ser “critério da verdade”, pois a verdade é
descoberta na totalidade e é nesta onde há sua fundamentação
. Obviamente
que isso remete a outras questões, como interesses e classes sociais, que
retomaremos adiante.
Logo, retomando a frase inicial de Marx, o significado dela
é que a “demonstração” da verdade é algo histórico, que se realiza na vida
prática e não no mundo do pensamento. A atividade teórica descobre a verdade ao
partir da realidade, do concreto, que é uma totalidade que possui historicidade.
O caráter real e “terreno do seu pensamento” é demonstrado na análise da vida
social em seu conjunto. O papel da teoria é a superação desse mundo: “os
filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que
importa é transformá-lo” (MARX, 1991, p. 14). Outra interpretação que deforma o
que Marx quis dizer é visível quando se considera que isso significa uma recusa
da interpretação do mundo. A afirmação é sobre a filosofia, que se limitou, ou
seja, se impôs um limite, que é interpretar o mundo (sob várias formas, já que
são várias filosofias). O que importa, no entanto, é a sua transformação. Por
conseguinte, não é suficiente interpretar o mundo, mas é parte do processo, só
não se pode limitar a isso. Não há nenhuma recusa da teoria em Marx, ideia
absurda e produto de uma interpretação descontextualizada. O que Marx expõe é
uma crítica ao materialismo contemplativo. Este mundo deve “tanto ser compreendido em sua contradição, como
revolucionado praticamente”, e ao descobrir
a verdade de determinado fenômeno social, ele deve ser superado teórica e praticamente.
Quando Marx coloca na quarta tese que “uma vez descoberto
que a família terrestre é o segredo da sagrada família”, o que significa que no
início do processo há a descoberta, ou seja, um ato de consciência, que a
verdade da sagrada família se encontra na família terrestre, então é essa que
deve ser “teórica e praticamente” superada, ou seja, recusada tanto no plano da
teoria quando do real
,
deixando de existir da forma como existe. Marx, por exemplo, fez a crítica do
capitalismo, mas não sua superação concreta, real, “prática”. Da mesma forma,
ele fez a crítica da filosofia (e de diversas concepções específicas, como da
economia política de Malthus, Proudhon, Hegel, etc.), superando teoricamente
essas ideologias, mas não praticamente, ou seja, não no plano real, pois ainda
existem malthusianos, proudhonianos, hegelianos, etc.
Essa superação real (“prática”) não pode ocorrer sem a
superação teórica, pois ela pressupõe a consciência, ou seja, é práxis
revolucionária, que significa atividade teleológica consciente cujo objetivo é
a revolução. Não se trata de apenas “prática” ou apenas “teoria”, pois na
práxis revolucionária ambas existem juntas, pois ela é atividade orientada por
uma finalidade (teleológica, que, no caso, é a revolução) consciente (teoria). Marx
explicita isso na terceira tese: “a coincidência da modificação das
circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio, só pode ser
apreendida e compreendida racionalmente como práxis revolucionária”.
A teoria é, ela mesma, práxis revolucionária, pois é uma
atividade, mental em sua constituição, mas prática quando se torna “força
material”, ou seja, quando é comunicada, atuando sobre o mundo. Claro que nem
toda a “teoria” (em sentido amplo, pois no sentido marxista, ela é
revolucionária por essência), pois a finalidade (a revolução) precisa estar
presente, bem como a autorreflexão (consciente). A teoria pode superar as
ideologias no plano intelectual e contribuir com sua superação real (“prática”)
ao existir, ser comunicada, e, principalmente quando se torna força material,
ou seja, influente sobre as ações concretas dos indivíduos. A teoria se torna
força material, por sua vez, quando expressa necessidades e interesses reais
(MARX, 1968). A teoria revolucionária se torna força material quando é
comunicada, quando sua circulação é maior, quando mais indivíduos a
produzem/divulgam/concretizam. Como já dizia Korsch (1977), as ideias fazem
parte da realidade e atuam sobre ela
.
Mas, as ideias dominantes são as da classe dominante e, por conseguinte, a sua
eficácia é relativa em momentos não-revolucionários, mas se torna maior com a
ascensão das lutas proletárias e nos momentos revolucionários, pois as
necessidades e interesses de classe ficam mais claros e presentes, bem como o
antagonismo entre as classes, e as meras reivindicações imediatas passam a ser
acompanhadas da efervescência revolucionária. A existência de ideias
revolucionárias, no entanto, pressupõe a existência de uma classe
revolucionária (MARX e ENGELS, 1991). As ideias revolucionárias, mesmo
marginalizadas, atuam sobre a realidade e contribui na luta pela superação do “estado
de coisas existente”.
A partir disto podemos concluir que a afirmação de que a
prática é o critério da verdade é algo que não tem, pelo menos no sentido
reducionista atribuído ao termo “prática”, nenhum fundamento no pensamento de
Marx. Essa afirmação tem mais elementos em Engels e principalmente em Lênin e
Stálin para se justificar, mas é uma concepção não-marxista e não-dialética, na
qual há uma incompreensão tanto do real quanto da teoria. Os praticistas apenas
se iludem com práticas especializadas ou localizadas que não trazem em si a
percepção da totalidade, elemento fundamental para a práxis revolucionária.
Outro
elemento relacionado a esse discurso é que ao colocar a “prática” como critério
da verdade, ele desloca para outro lugar a questão das condições de
possibilidade de uma consciência correta da realidade. Assim, muitos querem
eleger uma suposta “prática” como critério de verdade, compreendendo esse termo
de forma individualista. Isso reproduz o que Marx já criticava em Feuerbach e
sua crítica da religião, pois ele abstrai o “curso da história” e fixa “o
sentimento religioso como algo para-si”, além de “pressupor um indivíduo humano
abstrato, isolado” (MARX, 1991, p. 13). Essa concepção de “prática individual”
que seria o critério da verdade (e do caráter revolucionário de um indivíduo,
segundo os leninistas e semelhantes) é burguesa, pseudomarxista.
Na teoria de
Marx, a verdade é a expressão da realidade e é, portanto, nessa última que
podemos chegar a qualquer conclusão ao seu respeito. Por conseguinte, é na
realidade concreta, histórica, que se encontra a fundamentação (“comprovação”
ou “critérios”) da verdade. Nesse sentido, Marx se opõe tanto ao idealismo e
autonomização das ideias, quanto ao materialismo intuitivo, que substitui a
totalidade pelo indivíduo abstrato. Uma coisa é a fundamentação da verdade, que
se dá na realidade (“prática”), outra coisa é a capacidade ou condições de
possibilidade de se chegar até a verdade. Nesse aspecto, Marx coloca que é a
perspectiva do proletariado que permite o acesso à verdade (MARX, 1988; MARX,
1968). Por conseguinte, aqueles que afirmam serem os portadores da verdade
revolucionária devido sua prática supostamente revolucionária (partidária,
sindical, em manifestações, entre outras formas possíveis, ou seja, práticas
especializadas ou localizadas) nada têm de marxista e apenas realizam uma
autojustificação de sua prática
.
A perspectiva
do proletariado, no entanto, não é a da classe operária “empírica”, a que pode
ser acessada pelas pesquisas de opinião pública ou a que se convive com ela em
certas fábricas ou lugares. Segundo Marx, “não se trata de saber que objetivo
este ou aquele proletário, ou até o proletariado inteiro, tem momentaneamente. Trata-se
de saber o que é o proletariado e o
que ele será historicamente obrigado a fazer de acordo com este ser” (MARX, 1979, p. 55). Ou seja, é o
ser-de-classe do proletariado, especialmente seu vir-a-ser, sua potencialidade
revolucionária, que interessa para a práxis revolucionária. Não se trata de
se juntar ao proletariado como classe determinada (em-si) e sim como classe
autodeterminada, revolucionária (para-si) e colaborar na concretização dessa
última, o que significa agir contra o proletariado como classe determinada (MARX,
1985; VIANA, 2012).
A teoria
revolucionária, ao contrário da ideologia, também realiza o mesmo processo: a condição
de possibilidade da consciência correta da realidade, da verdade, só é possível
partindo da perspectiva do proletariado como classe autodeterminada,
revolucionária. Obviamente que em momentos não-revolucionários, isso significa
um afastamento entre indivíduos revolucionários (proletários ou não) e a grande maioria da
classe proletária (determinada pelo capital, submetido à hegemonia burguesa),
mas faz parte de sua luta ampliar o número de proletários revolucionários, o desenvolvimento
da consciência, auto-organização, teoria, a crítica das ideias e ideologias
dominantes, etc. Qualquer indivíduo ou intelectual que fica no âmbito da classe
proletária determinada pelo capital, apenas reproduz a sociedade burguesa e ao
invés de fortalecer a tendência de superação do capitalismo, realiza o reforço
da tendência de sua reprodução. E nesse caso tanto faz se ele se autonomeie
como “marxista”, “anarquista”, “revolucionário”, “prático”, etc.
Logo,
trata-se da perspectiva do proletariado revolucionário, ou seja, que nega o
capital e a si mesmo. O marxismo nada tem a ver com o obreirismo. Os
revolucionários e intelectuais engajados partem da perspectiva do proletariado
não quando estão distribuindo panfletos em portas de fábricas (uma imagem muito comum
para os leninistas), nem quando estão em manifestações e, muito menos, quando
estão em ações burocráticas de partidos e sindicatos. A práxis revolucionária
se manifesta em todos os lugares, inclusive na atividade intelectual
.
Obviamente
que partir da perspectiva do proletariado (revolucionário) significa expressar
um conjunto de interesses, valores, concepções, que apontam para a necessidade
da revolução social e da emancipação humana. Da mesma forma, para aqueles que
partem da perspectiva de outras classes, portadoras de outros interesses,
valores, etc., ocorre o processo contrário. A verdade é algo bem distante do
seu pensamento e ao promoverem o reducionismo dela a uma suposta “prática”
(geralmente individualista) apenas mostra que sua prática concreta aponta para
a reprodução da sociedade burguesa e do proletariado como classe determinada
pelo capital. O praticismo é a ação contrarrevolucionária que se afirma
revolucionária e expressa o vanguardismo ou o reboquismo, duas faces da mesma
moeda, pois ambas colaboram com o processo de dificultar a passagem do proletariado
de classe determinada para classe autodeterminada. O vanguardismo (dirigismo
burocrático) e o reboquismo (ativismo obreirista) são complementares e não é
atoa que os defensores dessas posições supostamente antagônicas se unem nas
ações concretas e como entre os últimos se revelam tanto oportunistas que logo
estarão do outro lado quanto ingênuos que servem de bucha de canhão para os
vanguardistas e oportunistas.
A luta pela autogestão social é uma luta prática, real, e
ocorre no plano da cultura, da teoria, das representações, dos sentimentos, dos
valores, bem como nos embates e processos de luta no conjunto das relações
sociais, tais como greves, manifestações, lutas cotidianas em locais de
moradia, trabalho e estudo, mas, em qualquer uma dessas formas, só ganha
sentido revolucionário ao estar coerente e ligado estrategicamente ao objetivo final,
não deixando de lado sua “relação com a totalidade” (LUKÁCS, 1989). A crítica
da deformação do pensamento de Marx e do marxismo, incluindo esse
empobrecimento repetido milhares de vezes sobre uma suposta “prática”,
individual ou abstrata, que seria o “critério da verdade” é parte dessa luta
cultural que possui sentido revolucionário.
Referências
KORSCH,
Karl. Marxismo e Filosofia. Porto: Afrontamento,
1977.
LUKÁCS,
Georg. História e Consciência de Classe.
Porto: Publicações Escorpião, 1989.
MARX, Karl e Engels, F. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª Edição, São Paulo: Hucitec,
1991.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 1988.
MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. 2ª Edição, São Paulo: Global, 1985.
MARX, Karl. Crítica de la Filosofia del Derecho de Hegel. Buenos
Aires, Ediciones Nuevas, 1968.
MARX, Karl. O Capital. Vol. 1. 3ª Edição, São Paulo: Nova Cultural, 1988a.
MARX, Karl. Proudhon. In: MARX, Karl
e ENGELS, Friedrich. A Sagrada Família. Lisboa: Presença, 1979.
MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. In:
MARX, Karl e ENGELS, F. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª Edição, São Paulo: Hucitec,
1991.
VIANA,
Nildo. A Filosofia e Sua Sombra.
Goiânia: Edições Germinal, 2000.
VIANA,
Nildo. A Teoria das Classes Sociais em
Karl Marx. Florianópolis: Bookess, 2012.