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terça-feira, 30 de julho de 2013

DAS LUTAS DE CLASSES ÀS BRIGAS PESSOAIS


DAS LUTAS DE CLASSES ÀS BRIGAS PESSOAIS
Nildo Viana

Desde que Marx elaborou sua teoria da história e ter demonstrado que as lutas de classes são a determinação fundamental das mudanças históricas e sociais, um novo horizonte intelectual se abriu para a compreensão da história das sociedades humanas. No entanto, os supostos “marxistas” logo transformaram as lutas de classes em “querelas de partido”, a começar por Lênin. Hoje vemos um outro fenômeno que é o das brigas pessoais. Obviamente que grande parte das brigas pessoais é manifestações de luta de classes. Contudo, muitas vezes pessoas que expressam a mesma classe social, no caso o proletariado revolucionário, se envolvem em debates e conflitos desnecessários e prejudiciais para o desenvolvimento da luta proletária. Por isso é importante compreender esse fenômeno, visando realizar uma reflexão que pode ajudar a muitos militantes e intelectuais engajados na luta pela transformação radical do conjunto das relações sociais evitarem essas pendengas inúteis, que significam perda de tempo, desunião e perda de eficácia das ações revolucionárias.
O reconhecimento do processo de luta de classes não gera um humanismo abstrato e sim um humanismo concreto. O ser humano é um valor fundamental para qualquer militante revolucionário, mas a natureza humana é negada na sociedade capitalista e por isso diversos indivíduos são destruídos psiquicamente e se tornam seres egoístas, competitivos, entre outros problemas gerados, bem como devido ao seu pertencimento de classe, caso pertença às classes privilegiadas e, principalmente, à classe dominante, torna inevitável o conflito quando não há ruptura com este pertencimento de classe. A luta de classes se manifesta na vida cotidiana mas é no processo político que se torna mais clara e visível. As lutas cotidianas envolvem as classes e seus interesses, bem como os indivíduos pertencentes a cada classe. Para o caso dos militantes revolucionários, um elemento essencial é ter sempre em mente o projeto revolucionário, ou seja, o projeto de revolução social, totalizante, realizado pelo proletariado e buscar colaborar com este processo, visando o objetivo final que é a instauração da autogestão social. As lutas das classes sociais ocorrem na vida cotidiana e se tornam mais acirradas, radicalizadas, em determinados momentos, até chegar ao nível mais explícito e radical que são os momentos revolucionários. As lutas dos revolucionários estão intimamente ligadas a este processo e se manifesta ao lado da luta proletária.
Um dos obstáculos fundamentais do movimento revolucionário do proletariado é a questão da união, da associação, que dá o caráter de classe autodeterminada, ou seja, agindo como classe autônoma e independente contra o capital. Marx foi um dos pensadores que mais enfatizou isso e sob várias palavras e frases famosas, tais como “trabalhadores de todo o mundo, uni-vos” (Marx e Engels, 1988), a necessidade de o proletariado agir como “partido” (posição unificada), etc. até sua definição de comunismo: “livre associação dos produtores”, “produtores livremente associados”, etc. A ideia de associação era fundamental no pensamento de Marx, pois é como “associação” que as classes fazem valer os seus interesses de classes, se tornam classes autodeterminadas e as classes dominantes possuem no Estado sua associação coletiva que manifesta seus interesses de classe. As classes exploradas precisam criar sua associação e o proletariado, classe revolucionária de nossa época, deve criar sua associação, agir coletivamente, no sentido de generalizar essa associação e abolir o capitalismo.
Contudo, o capital e o Estado produzem diversas ações para impedir a união do proletariado, e as demais classes privilegiadas, especialmente a burocracia e a intelectualidade, reforçam todo este processo. A sociabilidade capitalista[1], por sua própria essência, fundada na burocratização, mercantilização e competição, é um forte incentivo para a desunião do proletariado e das classes exploradas. Nos processos de lutas, ocorrem momentos de união da classe, especialmente com a radicalização das ações e a reação conservadora e repressiva do aparato estatal e organizações burocráticas em geral. A greve, por exemplo, cria laços de solidariedade entre os trabalhadores (Pannekoek, 2007; Marx, 1989). Nos momentos revolucionários isso ocorre em grande escala e é um dos elementos fundamentais para a concretização da revolução proletária. Em períodos não-revolucionários e de lutas moderadas, o individualismo e a competição são dominantes.
Na luta dos revolucionários esse processo também ocorre, sob forma diferenciada. A importância das minorias revolucionárias nos momentos não-revolucionários é perceptível, pois são elas que promovem lutas mais amplas e mantem aceso o fogo utópico através da luta cultural (produção teórica, propaganda generalizada, panfletagens, publicações, jornais, zines, etc.) e da sua ação cotidiana em movimentos, manifestações, etc. que geram uma cultura contestadora fundamental para os momentos revolucionários.
Nessa luta, sem dúvida, os problemas e divisões que ocorrem no interior do proletariado e demais classes exploradas também se reproduz no seu interior e com muito mais força, já que os revolucionários são muito mais heterogêneos do que qualquer classe social. Além de reproduzir as divisões que todas as classes sociais possuem (raça, sexo, cultura, região, nacionalidade, formação individual, etc.), ainda possuem uma divisão ainda mais grave e profunda que é a de classe, já que eles são pertencentes a classes distintas e, devido sua heterogeneidade, as questões das tradições revolucionárias, projetos políticos, concepções políticas gerais, ganham um peso maior e como são diversas e com pontos de discordância, mesmo que não seja nos aspectos fundamentais, abre todo um espaço de divergência e conflito. Os revolucionários, apesar de sua posição crítica (que varia de grau dependendo do indivíduo e sua história de vida, além das outras diferenças já aludidas), estão envolvidos na sociedade capitalista, são produtos dela e muitas vezes a reproduz pensando que a combate. A sociabilidade capitalista e a mentalidade burguesa estão presentes na mente dos revolucionários e isso provoca mais motivos para conflitos.
Contudo, entendendo que os revolucionários (autênticos e não todos aqueles que se dizem “revolucionários”)[2] são aqueles que desejam e lutam pela revolução proletária que institui a autogestão social (o que exclui os indivíduos ligados aos partidos, mesmo os mais radicais), então eles possuem em comum o projeto revolucionário e o objetivo final. Esse é o elemento fundamental, pois o objetivo final, a autogestão social (ou “anarquia”, “comunismo” no sentido de Marx, “livre associação dos produtores”, etc.) é o que move e dá sentido à militância revolucionária. Da mesma forma, a ideia de revolução social proletária como meio deixa claro um certo consenso de que a transformação social em questão é radical e total, atingindo todas as relações sociais.
A partir disto pode parecer difícil a existência de divergências no interior do movimento revolucionário. Estas, no entanto, existem. E podemos colocar duas formas de divergências no interior do movimento revolucionário: a primeira forma é a de diferenças na forma de conceber o processo revolucionário e o seu próprio papel nesse processo, o que remete ao problema da teoria e da estratégia e a segunda forma é a que ocorre a nível pessoal. Assim, temos as divergências políticas e as divergências pessoais. Elas podem se entrelaçar e se confundir, mas quando são motivações únicas e distintas, torna-se possível a separação e análise separada do fenômeno.
As divergências políticas podem se manifestar através de debates e discussões sobre formas de luta, posição diante de questões específicas ou conjunturais, etc. As diferenças no plano teórico e estratégico revelam problemas e conflitos entre indivíduos e grupos. No movimento revolucionário, devido a influência das ideologias burguesas e burocráticas, há a tendência a cair no vanguardismo ou no reboquismo. O vanguardismo, forte influência cujo grande ideólogo foi Lênin, acaba se manifestando no interior de forma direta e indireta, seja por voluntarismo e ativismo de alguns, seja por falta de formação teórica e política de outros. O reboquismo, por sua vez, também é influente e tem as mesmas fontes, embora seu voluntarismo e ativismo sejam subordinados ao proletariado como classe determinada, antes de formar sua associação revolucionária e se torna classe autodeterminada. Os vanguardistas tentem a propor ações e estratégias para dirigir os movimentos sociais, o movimento operário, etc. e ficar à frente do movimento, apesar de negar o leninismo e seus derivados enquanto que os reboquistas focalizam no processo de “inserção social” e proximidade com os trabalhadores, uma espécie de idolatria do proletariado e tomando como parâmetro deste a sua manifestação cotidiana na nossa sociedade, a classe operária determinada pelo capital e que não ultrapassa os limites reivindicativos e reformistas. As reivindicações, ações, etc., se tornam diferenciadas e por isso há uma oposição real entre estas duas tendências no interior do movimento revolucionário, que só pode ser superada quando se vai além do vanguardismo e do reboquismo.
Outro ponto de divergência, que é a fonte desta, está entre voluntarismo e determinismo. O voluntarismo pensa que a luta de classes ou as lutas políticas são principalmente frutos da vontade humana, abstraindo as relações sociais concretas, as determinações que atuam sobre os indivíduos, etc. O determinismo já desconsidera a iniciativa na história, dos indivíduos, grupos e classes, sendo que em alguns casos reserva espaço apenas para o proletariado como agente da história, mas concebido geralmente de forma evolucionista e imanentista, como se não fosse produto da luta de classes. O voluntarismo promove diversos equívocos como, por exemplo, pensar que os sindicatos, organizações burocráticas, podem se tornar agentes da revolução social em uma época de completa burocratização dos mesmos através de um mero ato de vontade dos revolucionários que assim fariam retomar o seu período heroico, tal como no caso do Brasil durante as lutas operárias no início do século 20, antes da emergência das burocracias sindicais. O determinismo também provoca diversos equívocos como, por exemplo, considerar que a revolução será produto de uma “crise final do capitalismo” sem ação humana, sem luta e cultura contestadora, esquecendo-se, inclusive, da possibilidade da contrarrevolução.
Outra fonte de divergência no interior do movimento revolucionário é a de distintas tradições teóricas e o apego dogmático a elas. A velha briga entre anarquistas e marxistas (autogestionários ou libertários, pois em relação aos de partido torna-se luta de classes, já que expressam classes distintas) se reproduz ad eternum. Quando se trata de marxistas libertários, que apontam para a autoemancipação proletária e autogestão social, o que significa proximidade entre as duas concepções, isso tem pouco sentido, pois sua fonte é o apego dogmático e idolatria de pensadores, o que acaba gerando eternos debates que não levam a lugar algum a não ser à perda de tempo e afastamento de possíveis aliados. As velhas rusgas entre Marx e “marxistas”, por um lado, e Proudhon, Bakunin e anarquistas, por outro lado, se torna mais importante do que a luta proletária e a concordância com o processo de revolução social e o objetivo final que é a autogestão social. Aqui a identificação formal se torna mais importante do que a identificação fundamental. A definição de posição política ou de tradição revolucionária se torna mais importante do que o objetivo final e o processo revolucionário para constituí-lo, criando processo de desunião que serve para a reprodução do poder e força das burocracias partidárias e sindicais na sociedade civil.
Esses processos, no entanto, podem ser minimizados através da convergência prática e solidariedade instituída com a ascensão das lutas sociais. São produtos das lutas de classes e quando o proletariado e outras classes exploradas agem com maior radicalidade, o formal e os equívocos tendem a diminuir, embora seja necessária uma luta cultural constante contra isso, pois quanto mais a luta das minorias revolucionárias avançar, maior é a probabilidade das lutas operárias também avançar e ambas se reforçarem mutuamente.
No entanto, contemporaneamente, vem aumentando um fenômeno nos meios revolucionários, em parte por causa da internet e novas possibilidades de comunicação, em parte por causa de novas ideologias de “revolução individual” e “revolução no cotidiano” dentro do capitalismo, mas que sempre existiram com graus e formas distintas dependendo da época, país e outras especificidades de cada caso concreto. Trata- de brigas pessoais desvinculadas das lutas de classes. Obviamente que no plano mais profundo de suas determinações, elas são produtos das lutas de classes, tal como mostraremos mais adiante. No entanto, elas não manifestam luta de classes diretamente e são obstáculos para a luta proletária. As divergências pessoais são marcadas por uma sobrevaloração de questões individuais e outros processos que geram dogmatismo, sectarismo, exigências exageradas de perfectibilidade pessoal, bem como influência de ideologias vigentes, contextos específicos, idiossincrasias[3], etc.
Um dos elementos que provocam disputas desnecessárias entre militantes reside na já citada sociabilidade capitalista, especialmente um dos seus elementos fundamentais, a competição, que gera, por sua vez, uma mentalidade competitiva (VIANA, 2008). Os revolucionários, por mais que sejam críticos e façam autocrítica, não escapam do seu processo de formação na sociedade capitalista e embora possam reduzir e possuir um grau menor de mentalidade competitiva do que a grande maioria da população, não são imunes a isso. É por isso que muitos debates que poderiam render um melhor entendimento das questões levantadas e avanço político ou teórico, acabam sendo um círculo vicioso que geralmente termina em brigas pessoais e afastamentos. Isso ocorre porque o debate não é visto como um processo de livre intercâmbio de ideias no sentido de avançar o saber e a consciência das lutas de classes e sim uma competição que se quer ganhar a qualquer custo.
Esse ganhar a qualquer custo é um obstáculo para admitir equívocos, refletir ao invés de simplesmente negar por negar, ultrapassar a rigidez de pensamento, entre outros problemas. Obviamente que em um debate, é possível que alguém consiga apresentar mais informações e argumentos e mesmo assim o outro não ficar convencido, o que é outra coisa, pois nesse caso, ao invés de usar subterfúgios pouco libertários (já que o debate se trava entre pessoas libertárias) é possível simplesmente aceitar que é necessário aprofundar e que continua não concordando, mantendo uma relação amistosa e uma atitude sincera e honesta diante da discussão. O problema é que mesmo entre os meios libertários isso não ocorre com frequência.
Outra fonte de brigas pessoais entre indivíduos com posições libertárias são os mal entendidos e as intrigas. Os mal-entendidos são comuns e não significam nenhuma falta de ética ou intencionalidade por parte dos envolvidos. Eles são produtos de falta de informações, problemas de comunicação, etc. Por exemplo, caso alguém veja um militante com um policial pode considerar isso suspeito e pode reproduzir essa informação. Quando tal militante fica sabendo disso, dependendo de como lhe foi relatado (“fulano não é confiável por que anda com a polícia e pode ser um infiltrado”, apesar de que pode ter simplesmente dito, sem maiores avaliações, o que viu, pois era uma informação que seria necessária compartilhar), pode considerar que foi acusado levianamente de algo que não fez, mesmo porque, o policial em questão é seu parente e apenas isso. Claro que os mal-entendidos são mais comuns na internet. Alguém pode postar no Facebook o texto de Otto Rühle, A Luta Contra o Fascismo começa com a Luta contra o Bolchevismo, e um amigo recém adicionado e não conhecido posta o comentário: “do ponto de vista dos mencheviques, é claro”, mas era apenas uma ironia, segundo afirmou posteriormente seu autor, pouco acessível para quem postou o texto, pode gerar uma resposta ríspida (isso ocorreu concretamente) e outro se sentir “ofendido” por causa da rispidez. Também ironias e brincadeiras, por e-mails ou redes sociais, quando não explicitados (sem risos, seja rs, kkk, hahaha, rarará ou qualquer outra forma), tendem a provocar mal-entendidos e às vezes mesmo com esse cuidado, pois o outro pode considerar que é apenas uma indireta ou algo “inconsciente” (usando concepção freudiana, segundo a qual os “chistes” – tiradas engraçadas – manifestam o inconsciente dos indivíduos). Esses mal-entendidos são mais graves e constantes entre pessoas que não se conhecem, como em comunidades na internet, quando alguém, por exemplo, critica Marx e um marxista libertário tenta fornecer explicações e é chamado de “autoritário”, confundindo-o com um bolchevista (“marxista”-leninista). O debate pode desembocar em ofensas e brigas pessoais nesses variados casos.
A intriga é algo pior e é uma prática condenável no interior do movimento revolucionário, embora exista, seja por problemas de falta de formação ou experiência, seja por reprodução de práticas de outras instâncias da sociedade (partidos, por exemplo) no seu interior. Às vezes pode ocorrer por ingenuidade de quem o fez. A intriga pode começar com indivíduo X, que interpretou equivocadamente um acontecimento ou discurso e repassou para o indivíduo Y, que ao invés de verificar o acontecimento e discurso acredita ingenuamente no que foi dito pelo outro e reproduz, atingindo outros indivíduos e isso pode se reproduzir ad infinitum, e como passam a ser muitas pessoas dizendo, fica parecendo “verdade”. Isso pode ser referente a indivíduos ou grupos e aqueles que recebem a “informação”, não se dão ao prazer de ver suas origens e nem avaliar e tentar obter fontes de informação confiáveis e ter acesso a elas em primeira mão. Claro que isso é mais problemático quando libertários começam a acreditar em versões de pessoas que são de outras tendências, não-libertárias, só por semelhanças de ações ou atividades conjuntas. As intrigas podem provocar diversas dissidências e isso é mais comum em certos contextos, tal como no caso da segunda metade do século 19, na qual o recuo das lutas proletárias após a derrota da Comuna de Paris e alto grau de repressão criou uma situação propícia para isso, o que foi reforçado pela existência de diversas tendências oposicionistas. É neste momento que ocorre as intrigas a respeito de Bakunin ser agente russo e Marx ser agente de Bismarck, para citar apenas dois exemplos.
Há também brigas pessoais derivadas de posicionamentos moralistas e exigências de perfectibilidade, geralmente a partir da perspectiva daquele que realiza tal cobrança. O moralismo parte de um cânone abstrato e busca encaixar todo mundo, independente do contexto social e histórico, das especificidades e particularidades dos indivíduos e situações. Um princípio abstrato, como, por exemplo, “não matarás”, e o exemplo retirado da religião não é gratuito, é colocado como algo que não pode ser desrespeitado sob forma alguma e em contexto algum. Se alguém matou outra pessoa, não interessa se em legítima defesa, guerra, revolução, ou qualquer outro contexto, deve ser acusado, julgado e condenado[4].
Nos meios revolucionários isso muitas vezes se manifesta. Este é o caso do princípio abstrato de ser contra o Estado ou contra o capital. Enquanto princípio, é correto, mas quando se exagera no sentido de afirmar que a pessoa não pode, por exemplo, trabalhar numa instituição estatal ou numa empresa privada, cai no moralismo se não analisar o contexto e outros elementos. Todos os revolucionários, a não ser que sejam burgueses ou filho de classes privilegiadas e por isso dispensados de trabalhar, precisam vender sua força de trabalho em troca de um salário e só pode fazer isso para o Estado ou para o capital. Obviamente que ser candidato e eleito governador significa, claramente, romper com um princípio fundamental de todo movimento autenticamente revolucionário (o que exclui, obviamente, os partidos da suposta “esquerda”), agora ser um professor ou técnico-administrativo numa universidade estatal ou ser professor na rede estadual ou municipal de ensino, é algo sem o menor problema. Cada caso deve ser avaliado em sua concreticidade, envolvendo milhares de questões e por isso o princípio abstrato é equivocado e problemático.
A exigência de perfectibilidade é outro problema grave nos meios revolucionários. Obviamente que pensar, querer e idealizar um militante ideal, que faz da militância uma prioridade, agindo e atuando constantemente, bem como não tivesse nenhum defeito, resquício de concepções, valores e sentimentos burgueses ou burocráticos. Contudo, é necessário descer do ideal para o real. No primeiro ponto, a militância não é algo fora da realidade social dos indivíduos militantes e por isso, desde doenças, problemas familiares e amorosos, dificuldades psíquicas e financeiras, elementos envolvidos com formação intelectual, idiossincrasias, entre diversos outros aspectos, são fundamentais para compreender obstáculos para a militância, tanto em casos temporários como permanentes. Certas pessoas têm dificuldades em realizar determinadas atividades, embora sejam sinceros em suas concepções e sentimentos revolucionários, e não são exigências e pressões exageradas que farão elas avançar.
Da mesma forma, todos os indivíduos revolucionários nascem, vivem e morrem na sociedade burguesa, submetidos à sua sociabilidade, ideologias, valores, pressões, etc. Não se nasce revolucionário, torna-se revolucionário, para parafrasear Simone de Beauvoir (1980). O tornar-se revolucionário, inclusive, não ocorre num salto brusco, de uma hora para outra e, por conseguinte, não podemos tratar todos os indivíduos revolucionários como se já tivessem no mesmo grau dos mais experientes ou com maior formação política e teórica, ou comparando com aquele que faz tal exigência, que pode ter maior ou menor tempo, experiência, leitura, etc., do que aquele que ele está julgando. Anton Pannekoek, por exemplo, já alertava que todo novo militante tende a repetir erros do passado, pois ele, enquanto indivíduo, não tem o acúmulo de experiência e teoria que outros, anteriores, já tiveram, e é por isso que muitos jovens se aproximam da socialdemocracia (e, podemos acrescentar, do bolchevismo, etc.), apesar dela já ter sido superada teoricamente e pelas experiências históricas e de outros militantes.
Muitos indivíduos (e isso só vale para indivíduos, não para tendências ou partidos) buscam honestamente o processo de transformação social, mas fazem a partir daquilo que sabem, valoram, viveram e sem maiores leituras, informações, experiências podem, o que ocorre efetivamente em milhares de casos[5], entrar em partidos políticos, por exemplo. Isso ocorre também porque estes são mais adequados à sociedade capitalista e seus valores e concepções, parecendo ser mais “realistas”. Contudo, com o passar do tempo, as experiências vão aparecendo, as práticas oportunistas, manipuladoras, burocráticas, corruptas, autoritárias, etc., vão se manifestando e grande parte se afasta de tais partidos, enquanto que outros continuam, abandonando sua anterior honestidade. Alguns tentam passar para outros partidos, pensando que o problema é o partido X e que isso não ocorre no partido Y, mais radical, mas essa ilusão também se desfaz, ou não, tal como no caso de pessoas que ficaram tão envolvidas pelas doutrinas e ideologias do partido anterior e da suposta necessidade de dirigentes e da própria organização partidária (reforçadas pela mentalidade burguesa que é dominante e burocrática), que acabam abandonando qualquer perspectiva revolucionária ou tenta, num trabalho de Sísifo, mudar o partido ou construir outro que seria o “partido ideal”, inexistente na realidade.
Os indivíduos tornam-se revolucionários sob formas diferentes. Alguns possuem acesso à formação escolar, livros, etc. e por isso podem avançar mais rapidamente em sua formação intelectual, outros não e por isso seu processo pode ser mais lento. Da mesma forma, pequenos detalhes podem ajudar ou atrapalhar, tal como ter um tio que teve militância e tem bibliografia ou um professor que possui posições críticas e indicações de leitura, pois tudo isso faz parte do processo histórico de vida dos indivíduos que geram diferenças.
Alguns indivíduos são oriundos das classes desprivilegiadas e isso traz vantagens e desvantagens, tal como o interesse, no primeiro caso, e a dificuldade de acesso às informações, no segundo. Os que são oriundos das classes privilegiadas também possuem vantagens e desvantagens, tal como o acesso maior às informações, no primeiro caso, e o menor interesse direto, no segundo. Os valores, a mentalidade, as representações, as necessidades, o sofrimento, as insatisfações, as relações familiares, as relações afetivas em geral, a situação no trabalho e nas escolas, as informações, os contatos, o hábito de leitura, o domínio formal da escrita, experiências, singularidade psíquica e diversos outros aspectos produzem diferenças nesse processo de formação de um indivíduo revolucionário.
O contexto histórico tem um forte efeito nesse processo, principalmente em épocas de ascensão das lutas revolucionárias. Nessas épocas, a adesão ao movimento revolucionário é muito maior, mas tão logo há a derrota do mesmo e o refluxo do movimento, aqueles que não eram e se tornaram devido ao contexto, podem regredir ou sustentar sua nova posição. Os exemplos na história são muitos: basta ver aqueles que foram revolucionários durantes as experiências revolucionárias e o que fizeram depois para ver isto, e o exemplo do maio de 1968, entre outros, é bem ilustrativo[6]. O processo inverso também ocorre para indivíduos que apoiam forças supostamente “revolucionárias” e depois descobrem que são contrarrevolucionárias, tal como no caso da Revolução Bolchevique, onde muitos integrantes do partido e apoiadores do mesmo acabaram formando dissidências internas[7] e posteriormente saíram do partido e se tornaram adversários do regime numa perspectiva libertária.
Nesse sentido, a exigência de perfectibilidade é algo sem sentido, mesmo porque nem quem exige é perfeito e nem numa sociedade livre e fundada na igualdade haverão indivíduos perfeitos (até porque até a ideia que se tem do que seria o indivíduo perfeito ou ideal é diferente para pessoas diferentes). Ninguém está livre de todas as influências negativas da sociedade burguesa e é óbvio que se deve combater, por exemplo, o preconceito, o conformismo, as crenças conservadoras, mas é preciso fazer isso sem exageros e não reduzir a questão ao indivíduo e querer que ele seja, na sociedade burguesa, um indivíduo que é possível e comum numa sociedade autogerida (comunista, anárquica), livre de todos os valores, concepções, sentimentos, etc., da sociedade capitalista, mas que hoje é algo praticamente impossível em sua totalidade.
Além disso, é muito problemático um indivíduo revolucionário cobrar de outros uma perfeição devido a algumas questões específicas e esquecer que ele mesmo possui diversos “defeitos” em diversas questões específicas. Assim, dizer que o militante X não está atuante, abstraindo seu passado de luta e contribuição, e condená-lo por isso, esquecendo-se que ele mesmo (aquele que acusa) também já teve períodos de inatividade, expressa ou moralismo ou exigência de perfectibilidade, mas sempre para os outros e nunca para si mesmo.
Na sociedade contemporânea, sob o impacto das ideologias pós-estruturalistas, muitos pensam em “revolução individual”, “revolução no cotidiano”, no interior da sociedade capitalista, o que é um reforço tanto para o moralismo quanto para exigências de perfectibilidade. Essa é outra fonte de brigas pessoais, pois além de que muito do que vem sendo posto como “ideal” de militância ou “ideal” de comportamento cotidiano é muitas vezes conservador e que revela a ideologia neoliberal (e parte do pós-estruturalismo) de responsabilização do indivíduo, como se ele fosse totalmente livre e fosse tão fácil ele mudar como se troca de roupa. Mesmo não sendo algo conservador, é algo exagerado e que precisa ser contextualizado. Isso, sem dúvida, tende a gerar conflitos, pois algumas exigências estão de acordo com o movimento revolucionário e outras não e os indivíduos que são acusados de não atender tais exigências, tanto em um caso quanto em outro (o que significa que em determinados casos têm razão e em outros não), tendem a ir para o confronto (ou se afastar, o que não é objeto de nossa análise aqui, cujo foco é as brigas entre indivíduos revolucionários).
Assim, certos comportamentos podem ser questionáveis do ponto de vista X, mas não do Y e quem tem o primeiro ponto de vista pode ter um comportamento, em outro aspecto da vida, questionado por um terceiro ponto de vista. Se o indivíduo X maltrata animais e isso é reprovável por outro militante, que, por sua vez, é um membro de torcida organizada de futebol, o que é condenado por diversos outros, que por sua vez, fazem ou possuem ideias criticadas por outros, são questões da vida cotidiana que podem e merecem discussões coletivas, mas sob outras formas, não querendo criar uma padronização de comportamento e nem discussões políticas, mas através de conversas amistosas, palestras, textos genéricos para compartilhar, entre outras, pois não são questões fundamentais e chegar a tal nível de cobrança pessoal significa aproximar o movimento revolucionário e/ou os grupos revolucionários a um sistema totalitário, com direito a “polícia do pensamento” e do comportamento cotidiano.
Outra fonte de conflitos no interior do movimento revolucionário é o dogmatismo. Alguns indivíduos no interior do movimento revolucionário tornam-se dogmáticos. Alguns porque leram apenas um livro e o toma como a “bíblia sagrada” e tudo que está fora dele deve ser condenado, outros porque se espelham no exemplo de um teórico ou militante revolucionário e acaba querendo reproduzir suas práticas e/ou ideias exatamente como foi no passado, desconsiderando as mudanças históricas, os possíveis equívocos (mesmo o melhor dos revolucionários cometem equívocos e nenhum é “perfeito”), evitando o diálogo com que pensa diferente, mesmo tendo perspectiva revolucionária, etc. O dogmatismo tem seu efeito mais nefasto não é na defesa de teóricos, escritos e militantes, e sim na absolutização destes sem fundamentação e no ataque sistemático a outras posições semelhantes, sem nenhum processo de reconhecimento e abertura para diálogo.
É o caso de certos anarquistas que querem descartar a totalidade da obra de Kropotkin, outro anarquista, ao invés de observar seus pontos problemáticos e suas contribuições. Claro que não é necessário concordar ou evitar críticas aos autores de outras posições, mas a forma dogmática remete para a impossibilidade de análise fundamentada, ela simplesmente nega, sem se dar ao luxo de conhecer melhor o que está criticando. Muitos anarquistas só leem os textos de anarquistas sobre Marx e pensam que isso é suficiente para uma tomada de posição. Ora, é fundamental ler a versão do outro para inclusive entender o debate estabelecido, bem como analisar o contexto histórico e tudo o mais que estava envolvido nisso (inclusive outras pessoas e intrigas que estas promoveram, no caso de Marx e Bakunin, para citar apenas um exemplo). Da mesma forma, alguns “marxistas” só leem os textos de Marx sobre Bakunin, e nunca os escritos deste. Esse fato é mais comum no caso dos pseudomarxistas aglutinados em partidos políticos ou da academia, reprodutores das intepretações dominantes do pensamento de Marx. Os marxistas libertários, por não terem preconceitos contra os anarquistas, geralmente fazem leituras dos mesmos, em maior ou menor grau, dependendo de cada caso individual, e não ficam “raivosos” contra Bakunin ou outros que fazem críticas a Marx, desde que sejam honestos e com fundamentação, ou seja, no nível da ética e da racionalidade, pois alguns exageram dogmaticamente, inclusive faltando com a verdade.
Contudo, se existem indivíduos revolucionários dogmáticos, isso não é motivo para descartá-los, pois isso seria exigência de perfectibilidade. Obviamente que, como seus debatedores também não são perfeitos, podem se irritar e perder a paciência, então pode haver debates permeados por exageros de ambos os lados e desentendimentos e agressões verbais nos dois sentidos. Alguns, principalmente nos meios virtuais, exageram nesse processo, descartam ideias, livros, textos, etc., apenas olhando o nome de quem postou ou o título, algumas vezes com comentários totalmente deslocados e sem relação com o que foi efetivamente publicado. Porém, o elemento detonador, nesse caso, é o dogmatismo e este é um problema que deve ser superado no movimento revolucionário, mesmo porque ele é contrário ao espírito libertário, revolucionário.
Além desses, existem outras fontes de brigas pessoais derivadas da força de ideologias, valores, representações, da sociedade capitalista na mente dos indivíduos. É comum ver nos meios virtuais indivíduos que se dizem “libertários”, defendendo nação, partidos, redução da maioridade penal, entre outras coisas bem distantes de uma posição revolucionária. Claro que geralmente são iniciantes e ingênuos, tal como no caso de um anarquista que defendia o nazismo dizendo que ele era contra o capitalismo e os Estados Unidos e depois do debate e de algumas informações reconheceu que precisava estudar mais sobre esse movimento político. De qualquer forma, é outra fonte de conflitos e brigas pessoais.
Há, ainda, outra motivação para brigas pessoais no interior do movimento revolucionário: os interesses pessoais. Obviamente que todo indivíduo possui interesses próprios. Todos possuem certas necessidades que precisam ser atendidas, influência de pressões familiares, pressão de consumo, valores dominantes introjetados, desejos de reconhecimento social, carências financeiras próprias ou para ajudar outros, exigências institucionais que precisam ser atendidas para continuar estudos ou trabalho, entre inúmeras outras. Algumas são menos questionáveis, outras mais, bem como a forma como o indivíduo trabalha isso e sua concretização, inclusive se transforma isso em prioridade acima de outros aspectos da vida. Independentemente disso, todos possuem interesses pessoais, que muitas vezes expressa interesses de classe e está envolvido na luta de classes. Um estudante revolucionário que tem necessidade de dinheiro para adquirir obras críticas para sua autoformação e outras para continuidade de seus estudos, tem um interesse pessoal que é autoformação e educação formal que gera outros interesses pessoais, tal como dinheiro, algo que deve ser abolido e não valorado, mas que é necessário na sociedade capitalista. Isso é diferente do apego exagerado ao mesmo.
Esse interesse pessoal só se torna problemático quando ele passa por cima dos interesses coletivos, seja do movimento revolucionário em geral, seja de grupos dos quais participa. Assim, se tal estudante pega livros emprestados com outros militantes, e não devolve, isso é problemático, pois o outro também necessita de material de formação e não doou, emprestou, o que gera a necessidade de devolução. Se outro para ganhar dinheiro pega contribuições coletivas para uso pessoal sem intenção de repor, então falta não só com a ética como também coloca o interesse pessoal acima do coletivo, mostrando que, no fundo, está muito mais vinculado com a sociedade capitalista do que com o movimento revolucionário. Da mesma forma, criticar um companheiro de luta por razões pessoais mais do que coletivas, devido a alguma competição social no qual o crítico foi derrotado, ou por vaidade ferida, etc., é algo problemático. Obviamente que também, se isso for reavaliado, houver autocrítica e superação desse comportamento e valores, então a situação fica resolvida. Claro que também depende do tipo de interesse pessoal, pois se o equívoco for derivado de uma necessidade vital para alguém do seu círculo afetivo, de sua família, etc. e isso o faz atentar contra algum interesse coletivo, é mais compreensível e perdoável. Os revolucionários devem ser radicais, mas não devem abandonar o humanismo. Da mesma forma, devem ser humanistas, mas não devem abandonar a radicalidade.
Estes seriam alguns dos elementos geradores de conflitos no interior do movimento revolucionário, que desembocam, na maioria dos casos, em brigas pessoais. Não existe solução ideal para todos estes variados casos. Alguns elementos são mais gerais e atingem diversos destes problemas: uma intensa luta cultural contra as ideologias, representações e valores dominantes; uma busca incessante de auto-organização e decisão coletiva e reflexão crítica e autocrítica; um processo constante de busca de autoformação e de associação revolucionária sob princípios humanistas (concretos e não abstratos); aprendizados dos processos históricos e busca de compreensão dos casos concretos, são alguns destes elementos.
Outros aspectos, que deveriam fazer parte do processo de formação cultural e política dos revolucionários é a prática da tolerância com os iniciantes, com aqueles que têm posições semelhantes, revolucionários/libertários. A tolerância com as classes privilegiadas e suas expressões políticas (partidos, organizações burocráticas em geral, etc.) é equivocada, a não ser quando se trata de indivíduos, o que não significa poupar críticas e combate, mas no caso de indivíduos e grupos libertários, a situação é diferente, pois as divergências podem ter diversas fontes como as já aludidas e por isso não devem ser sobrevaloradas. Nesse mesmo processo, é fundamental não cair no moralismo e observar a situação concreta dos indivíduos. Os julgamentos e condenações rápidas, sem analisar mais cuidadosamente a situação e contexto dos indivíduos, devem ser evitados. Além da situação concreta dos indivíduos, a sua história de vida e posicionamentos não podem ser simplesmente descartados para se evitar injustiças. O respeito à liberdade individual em sua vida privada é fundamental, pois mesmo que se discorde de determinados comportamentos, gostos, modo de vestir, ideias, etc. isso não é um problema do coletivo ou do movimento revolucionário, a não ser em determinados comportamentos e quando se tornam casos extremos que atinjam estes. Da mesma forma, não sobrevalorar ou enfatizar questões limitadas, detalhes, pequenas falhas, também ajudam a evitar conflitos desnecessários.
Em termos mais amplos, a formação teórica ajuda a superar parte desses problemas e por isso deve ser valorada e não descartada, tal como em certas tendências anti-intelectualistas. Da mesma forma, a discussão sobre estratégia revolucionária é fundamental para não se perder o foco no objetivo final e meios correspondentes e desviar para questões secundárias ou de identificação formal como prioridade. Por último, um humanismo concreto, no qual se supere tanto o humanismo abstrato que pensa que a “bondade natural do homem” sobrevive no capitalismo de forma indiferenciada, passando por cima das classes sociais e suas lutas, das singularidades psíquicas, quanto o anti-humanismo que concebe o ser humano como “egoísta por natureza”, tomando a deformação capitalista do ser humano como sua essência. O humanismo concreto reconhece que a natureza humana aponta para a solidariedade por ser uma necessidade dos seres humanos, social e psíquica, e se isto não se concretiza praticamente nas relações sociais existentes, é devido ao fato de que o capitalismo criou um processo de generalização da alienação, negação da essência humana, e através da mercantilização, burocratização e competição social, promove o individualismo e os conflitos fundados nos valores burgueses da ascensão social, ânsia de poder e riqueza, entre outros aspectos, que são dominantes mas não únicos e que as classes exploradas, bem como determinados indivíduos que rompem com grande parte destes valores, são distintos e devem ser percebidos sob outra forma. Da mesma forma, existem indivíduos contraditórios e estes valores podem ser alterados e superados em inúmeros casos.
Nesse processo, é fundamental a luta pela transformação social radical, que atinge valores, sentimentos, representações, teorias, no sentido de contribuir com sua realização. E superar o anti-humanismo e o humanismo abstrato é uma condição para uma luta mais eficaz e que aponte para a concretização do objetivo final, a autogestão social, ao invés de reproduzir as revoluções trágicas do passado, que diziam apontar para a emancipação humana e, na verdade, reproduziram o seu processo de encarceramento, criando uma nova prisão cuja mudança foi apenas em quem era o carcereiro.
Estes apontamentos não são receitas que resolvem as questões, pois devido sua complexidade, que envolve indivíduos e suas idiossincrasias e complexidades próprias, processos sociais mais amplos e luta de classes, aspectos específicos envolvendo casos concretos, cada caso deve ser analisado em sua concreticidade. No entanto, é um momento de reflexão que aponta para a superação de alguns dos obstáculos para os avanços da luta pela emancipação humana. É mais um momento da luta, entre outros, que somados podem contribuir com a mesma.

Referências:

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. São Paulo: Nova Fronteira, 1980.

FROMM, Erich. O Dogma de Cristo. 5ª edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1986.

MARX, K. e Engels, Manifesto do Partido Comunista. 6ª edição, São Paulo, Global, 1987.

MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. 2ª Edição, São Paulo, Global, 1989.

PANNEKOEK, Anton. A Revolução dos Trabalhadores. Florianópolis, Barba Ruiva, 2007.

VIANA, Nildo. Crítica ao Moralismo. In: http://informecritica.blogspot.com.br/2011/01/critica-ao-moralismo.html acessado em 27/07/2013.

VIANA, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas. São Paulo, Escuta, 2008.



[1] Sobre isso, cf. Viana (2008).
[2] Outra distinção útil aqui é a estabelecida por Erich Fromm (1986) entre pessoa de “caráter rebelde” e pessoa de “caráter revolucionário”, mas, no entanto, não trabalharemos com o primeiro caso, embora possa se manifestar inclusive nos meios libertários. Contudo, é extremamente difícil identificar isso, a não ser quando isso fica muito evidente.
[3] As idiossincrasias remete ao que é específico nos indivíduos e envolve questão de mentalidade e possíveis processos de desequilíbrios psíquicos, entre diversos outros aspectos peculiares de origem social e histórica do indivíduo. Assim, neurose, psicose, autoritarismo, timidez, rispidez, rigidez ou volubilidade, entre milhares de outras peculiaridades individuais, são elementos que tornam o individuo algo complexo e quem nem sempre é compreensível, bem como determinadas atitudes e comportamentos consideradas “não-racionais”.
[4] Sobre isso, cf. Viana (2013).
[5] Claro que isto varia de acordo com o contexto histórico e social. Se existem outras opções políticas não partidárias, como coletivos políticos anarquistas, autogestionários, etc., então não somente estes indivíduos poderão, via propaganda ou contato direto, conhecer tais possibilidades (e crítica aos partidos) e evitar esse erro, o que para outros, em outros contextos, marcados pela inexistência de tais possibilidades, será impossível e a passagem por tais organizações é bem mais provável.
[6] Para citar um exemplo, Daniel Cohn-Bendit, um dos mais ativos estudantes durante o Maio de 1968 em Paris, que, posteriormente escreveu obras relativamente críticas como O Grande Bazar e O Esquerdismo, Remédio para a Doença Senil do Comunismo, e aderiu ao Partido Verde, sendo hoje deputado por tal partido. Este foi o destino de vários outros, não somente nesse acontecimento histórico, como em diversas outras experiências revolucionárias após a contrarrevolução e recuo do movimento operário.
[7] Obviamente que alguns deles, depois da repressão e proibição das frações internas, se acomodaram ao partido e outros fundaram outros grupos ou fizeram oposição individual e foram parar nas prisões da Sibéria.