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VIANA, Nildo. Uma Crítica a Michel Foucault e sua Impostura. Revista Espaço Acadêmico.
Resenha:
MANDOSIO, Jean-Marc. A Longevidade de uma Impostura: Michel
Foucault. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.
Uma Crítica a Michel Foucault e sua
Impostura
Nildo Viana
Jean-Marc
Mandosio é um autor polêmico e crítico. No seu livro recém lançado sobre
Foucault, contendo dois ensaios, um que leva o título do livro, A Longevidade de uma Impostura: Michel
Foucault e o outro Foucófilos e
Foucólatras, fazem uma crítica arrasadora e nada “politicamente correta”
(também criticada numa passagem pelo autor) do filósofo francês. Para um autor
que não poupa nem os situacionistas (especialmente Vaneigen, mas a
Internacional Situacionista como um todo), nesta obra faz um balanço sintético
da obra de Foucault e apresenta diversas considerações críticas sobre a mesma,
bem como sobre Foucault.
O autor tem
como alvo as concepções e práticas de Michel Foucault e dos foucaultianos. A
sua crítica a Michel Foucault tem dois aspectos: um é sobre suas concepções e
outro sobre suas práticas, que são elementos complementares. Mandosio afirma
que as críticas que ele conhece sobre a obra de Foucault, de George Steiner,
Jean Baudrillard, Jaime Semprun, José Guilherme Merquior, Ian McLean, entre
outros, foram ignoradas pela academia e pelos foucaultianos. Ele refuta a
teoria das epistemes históricas contidas nas obras consideradas estruturalistas
de Foucault, sua “genealogia” e “arqueologia”, principalmente As Palavras e as Coisas (1987a) e Arqueologia do Saber (1987b). As
inconsistências das “idades” inventadas por Foucault na primeira obra acima é
explicitada por Mandosio, bem como uma apresentação de foucaultianos e outros
que, inclusive reconhecendo sua inaplicabilidade ao processo histórico
concreto, lançam mão da obra do “Mestre”, que, aliás, recordam o personagem que
repetia infinitamente esta palavra no filme de Drácula, Morto mas Feliz (Mel Brooks, EUA, 1995).
Mandosio, após
a crítica das ideias de Foucault, passa para o que chama “as aventuras da
prática”, que é um momento do livro onde a crítica e a comicidade se unem, não
só pelas ironias do autor, mas pelo próprio caráter risível da evolução de
Foucault. Mandosio mostra que a alegação de “marginalizado” do filósofo
francês, é uma invenção, pois sempre esteve muito bem posicionado nas
instituições francesas, desde as universidades até as estruturas estatais. Segundo
Mandosio, “antes de Maio de 1968, a única coisa marginal em Foucault é sua homossexualidade,
e ele se preocupa sobretudo com sua carreira universitária” (Mandosio, 2011, p.
40). Mandosio revela suas ligações com o gaullismo e inclusive sua participação
na elaboração do plano Fouchet para reforma universitária, um dos estopins da
rebelião estudantil de maio de 1968. Seria desnecessário elencar todas as
peripécias de Foucault reveladas por Mandosio, tal como sua aproximação com os
maoistas (e estruturalistas “marxistas”, ligados aos grupos althusseriano e
lacaniano) e as atividades acadêmicas efetivadas sob sua direção nesse período,
tal como um curso sobre “A dialética materialista e a criação de porcos”... Sem
dúvida, os demais períodos também são retratados e mostra como Foucault
caminhava de acordo com o sabor das modas (a originalidade de Foucault também é
questionada por Mandosio), mostrando seus zigue-zagues ideológicos e práticos,
passando ao pós-estruturalismo (ou “pós-modernismo”) e seus malabarismos até
sua morte, em 1984, inclusive sua pretensão de conseguir cargo no governo do
Partido Socialista Francês, em coligação com o Partido Comunista Francês, antes
rejeitados pelo ideólogo da “microfísica do poder”.
Para encerrar
esta parte basta um fato cômico (a partir de um acontecimento dramático da vida
real, um estupro e assassinato de uma moça), na qual Foucault tomou partido no
julgamento de um tabelião acusado de ser o criminoso a partir de suas
observações do local onde a moça foi encontrada, uma sebe, de carpinos (e não
de espinheiros, como alguns disseram, corrige Foucault...), “muito alta,
cortada justo em frente ao lugar onde foi encontrado o corpo” (Foucault, apud,
Mandosio, p. 49) e daí chegou a brilhante conclusão de que o tabelião era o
responsável pelo crime. Mandosio ironiza a investigação do “Sherlock Holmes” da
filosofia francesa, com sua “precisão botânica inesperada”, suficiente para
delimitar quem foi o assassino. Mandosio continua ironizando: “recordemos que
este lamentável investigador é supostamente não só um grande filósofo, como
também um eminente especialista em ‘dispositivo’ judiciário e penal” (Mandosio,
2011, p. 50).
Mandosio
realiza uma interessante crítica à ideologia do “intelectual específico”, o
“cientista perito” e retoma a crítica de Semprun sobre o maio de 1968 sobre a
recuperação das críticas dessa época pelo pós-estruturalistas. Sem dúvida,
nesse momento Mandosio poderia ter desenvolvido mais a análise e chegado a
compreender o processo de contrarrevolução cultural preventiva após o maio de
1968, realizado no mundo da arte e das ciências sob o nome de “pós-modernismo”
(Viana, 2009), mas apesar de suas observações críticas, passa para o
envolvimento de Foucault com os “Novos Filósofos”, grupo conservador cujo maior
expoente foi André Glucksmann, ex-maoísta após a rebelião estudantil e
conservador assumido pouco depois.
Mandosio também
oferece apontamentos críticos interessantes sobre a microfísica do poder
foucaultiana e outras obras e concepções, presentes principalmente na coletânea
sobre poder (Foucault, 1989) e seu livro sobres as prisões (Foucault, 1983).
Ele centra sua crítica aos termos “governamentalidade” e “biopolítica”, “dois
excelentes exemplos de proliferação conceitual”, que hoje são usadas “a torto e
a direito para dar aparência de profundidade filosófica a discursos que dela
carecem cruelmente” (Mandosio, 2011, p. 66). Mandosio critica o uso destes
termos e a razão pela qual são utilizáveis, sua imprecisão e até mesmo confusão
entre os dois termos.
Não seria
possível apresentar as outras críticas endereçadas a Foucault por Mandosio, tal
como sua posição diante da revolução iraniana, suas diversas contradições, e
concepções, tal como “processo de subjetivação”, entre outras. Podemos encerrar
com a seguinte frase: “o principal talento de Foucault sem dúvida terá sido dar
uma forma filosófico-literária aos lugares comuns de uma época” (Mandosio,
2011, p. 76). Este é justo o papel que Marx (1988) atribuía aos ideólogos:
transformar as representações cotidianas ilusórias em ideologia, dando-lhe
sistematicidade.
Também vamos
nos abster de suas críticas aos foucófilos e foucólatras, nas quais mostra que
se os erros do mestre são risíveis, os erros dos discípulos são elevados ao
cubo. A apologia de Foucault não tem senso de ridículo, tal como na afirmação
que ele teria um “corpo de esquerda”, que é explicado nesse trecho do cineasta
René Allio citado por Mandosio: “com todo o seu ser, ele tende a se assemelhar,
culminando com sua cabeça raspada, a um sexo ereto; e com toda sua inteligência
penetrante” (Mandosio, 2011, p. 89). E Mandosio conclui, ironicamente,
afirmando que se trata então, literalmente, de um “cabeça-dura”, fazendo um
trocadilho em idioma francês cujo significado não será aqui revelado por
excesso de pudor e para instigar a leitura do livro, onde se encontra a
explicação numa nota de rodapé.
Enfim, o livro de
Mandosio é uma leitura essencial para quem quer conhecer melhor a vida e obra
de Foucault, apesar de ser extremamente sintética (e de leitura rápida e
agradável, com bons momentos “humorísticos”). Ao criticar as concepções de
Foucault, algumas já realizadas e outras inovadoras, e mostrar suas
contradições na prática e entre discurso e prática, Mandosio mostra o Foucault “de
carne e osso”, tornando-o mais conhecido em sua concreticidade e não a figura
do ídolo dos adoradores de modas e apologistas de ideólogos em evidência. Nesse
sentido, a obra de Mandosio é fundamental para quem quer conhecer um dos
ideólogos mais famosos da atualidade, além de ser muito divertida.
Por outro lado,
também não podemos fazer apologia de Mandosio. Não fizemos nenhuma pesquisa
aprofundada sobre sua produção em geral e por isso podemos expor apenas nossas
conclusões relativas a esta obra especificamente. As críticas às concepções de
Foucault são corretas em quase todos os pontos. Porém, seria importante
desenvolver e aprofundar algumas delas e realizar uma crítica mais profunda e
globalizante deste filósofo. Talvez Mandosio efetive isso em outra obra. A sua
análise das práticas de Foucault é um momento importantíssimo da obra, pois é
nesse momento que Foucault e seus vínculos com o poder (não no sentido abstrato
e ideológico que ele fornece ao termo, mas relativo ao poder estatal e às
relações de poder nas instituições universitárias pelas quais passou), deixando
claro que o crítico do poder é aliado do mesmo e, portanto, sua crítica é a de
um aliado e não de um real opositor e, por isso, é uma pseudocrítica. É assim
um crítico oficial, um “marginal consagrado”, termo de Adorno retomado por
Michel Suárez no prefácio. Outro momento importante da obra é quando, sem
aprofundar, mostra os vínculos de Foucault com a contrarrevolução cultural
preventiva após o maio de 1968.
Claro que, apesar
da crítica correta de Mandosio, isso não quer dizer que nada na obra de
Foucault tenha importância. Toda ideologia possui “momentos de verdade” (Viana,
2010), e embora Foucault seja um ideólogo (Viana, 2000), existem elementos em
sua obra que são assimiláveis por uma concepção verdadeiramente crítica. Porém,
só é possível reconhecer os momentos de verdade na obra de Foucault se se
reconhecer sua essência e totalidade formada por uma falsa consciência, ou
seja, seus momentos predominantes de falsidade. E é aí que a obra de Mandosio
contribui, principalmente mostrando suas raízes sociais ao colocar suas
práticas, relações, posições, apesar de faltar uma percepção da totalidade da
época, o que enriqueceria a crítica e daria um caráter explicativo mais
profundo. Para quem não é francês, eis uma obra que traz um conjunto de
materiais dificilmente acessíveis, ao lado daqueles que são mais acessíveis.
Enfim, a obra
de Mandosio deve ser lida por todos os estudiosos de Foucault e também aqueles que
possuem compromisso com a verdade e não com os modismos, ou seja, aqueles que
não estão interessados apenas em suas carreiras profissionais, mas sim com as
questões sociais e o destino da humanidade.
Referências
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. 3.ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1987b.
__________, Michel. As Palavras e as Coisas. 4.ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1987a.
__________, Michel. Microfísica do Poder. 8.ª ed. Rio
de Janeiro: Graal, 1989.
__________, Michel. Vigiar e Punir. 2.ª ed.,
Petrópolis, Vozes, 1983,
MANDOSIO, Jean-Marc.
A Longevidade de uma Impostura: Michel
Foucault. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.
MARX, Karl. O Capital. Vol. 1, 3.ª ed., São Paulo:
Nova cultural. 1988.
VIANA, Nildo. Cérebro
e Ideologia. Jundiaí, Paco Editorial, 2010.
______, Nildo. Foucault:
Filosofia ou Fetichismo? In: A
Filosofia e sua Sombra. Goiânia, Edições Germinal, 2000.
______, Nildo. O
Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Ideias e Letras,
2009.