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Acaba de ser publicado o livro "A Questão da Organização em Anton Pannekoek", organizado por Lisandro Braga e Nildo Viana, e contando com textos de Edmilson Marques, Lucas Maia, Nildo Viana e Renato Souza. Para ter acesso ao sumário e dados do livro, clique aqui.
Trechos da Apresentação do livro:
"Pannekoek foi desenvolvendo suas teses com o passar do tempo, sendo que algumas ideias manteve até o final de sua vida e aprofundou algumas, enquanto que outras ele repensou e reconsiderou. Para analisar as ideias de Pannekoek é necessário ter em mente o seu percurso intelectual. O seu pensamento atravessou algumas fases. Vamos resumir rapidamente estas fases para compreender mais adequadamente o seu pensamento".
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"Após isto, Pannekoek cada vez mais se coloca numa posição semelhante a de outros militantes e teóricos da época (Otto Rühle, Paul Mattick, Herman Gorter, etc.) e as experiências das revoluções proletárias serviram para que a ênfase nas formas de auto-organização proletária, os conselhos operários, se tornasse mais nítido. Neste contexto, a crítica a partidos e sindicatos se torna mais ampla, bem como a oposição às burocracias em geral e ao capitalismo de estado russo".
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"A sua obra Os Conselhos Operários é uma síntese das experiências e reflexões de Pannekoek durante este período e é por isso que ele discute o processo de formação dos conselhos, seu papel, sua importância – além de análises breves de questões específicas, como a Revolução Russa – e discute não só a questão organizacional proletária como também a questão do pensamento e das ideologias (no sentido amplo do termo), além de analisar a guerra e o fascismo".
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"A afirmação segundo a qual a questão da organização é fundamental para Pannekoek pode gerar a ideia de que ele poderia pensar os conselhos operários de forma fetichista. No entanto, não é este o caso. A questão das organizações recebeu tratamento diferenciado por Pannekoek, dependendo da época em que escrevia e do tipo de organização. Lembrando que o pensamento de Pannekoek atravessou algumas fases e que nestas algumas idéias permaneceram, algumas foram abandonadas e novas foram gestadas, é preciso compreender a concepção de organização em Pannekoek vinculado a este processo".
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"Um questionamento pode ser feito ao terminar esta breve análise sobre a questão da organização em Pannekoek: como fica a questão das organizações dos revolucionários?"
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"Nesse sentido, o livro inicia com o capítulo A questão da Organização Proletária escrito por Edmilson Marques no qual ele apresenta a concepção de Pannekoek sobre a mesma, acompanhado dos capítulos de Nildo Viana, Anton Pannekoek e a Questão Sindical, e de Renato Dias, Anton Pannekoek e os Partidos Políticos, nos quais eles discutem a posição de Pannekoek sobre os sindicatos e os partidos políticos. No último capítulo intitulado Os Conselhos Operários de Anton Pannekoek: Uma Utopia-Concreta da Revolução Proletária, Lucas Maia apresenta a revolução proletária como uma tendência histórica na sociedade capitalista".
BRAGA, Lisando e VIANA, Nildo. A Questão da Organização em Anton Pannekoek. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.
Na sociedade capitalista, o dinheiro, para muitas pessoas, torna-se um valor fundamental. Todo indivíduo possui uma escala de valores, alguns são mais importantes e por isso constituem valores fundamentais (Viana, 2007). O dinheiro como valor fundamental significa que está acima de outros valores (caso ele seja o único valor fundamental, estará acima da saúde, amor, amizade, poder, desenvolvimento de potencialidades, solidariedade, etc.).
A sociedade capitalista é uma “sociedade do dinheiro”. O dinheiro nasceu antes do capitalismo, mas é graças ao modo de produção capitalista que se torna um elemento fundamental da sociedade, tornando-se “meio de troca universal”, o “equivalente geral” pelo qual toda e qualquer mercadoria pode ser trocada, como já dizia Marx (1988). Desde as mercadorias mais necessárias, tal como os alimentos, até as mais supérfluas, tais como enfeites de geladeira, todas são compradas por intermédio do dinheiro. A mercantilização das relações sociais, produto do desenvolvimento capitalista, se amplia e intensifica cada vez mais (Viana, 2008) e, no capitalismo neoliberal, sob o regime de acumulação integral, temos um processo de hipermercantilização (Viana, 2009), no qual a mercantilização se intensifica, principalmente da cultura e tecnologia, além de novas estratégias para intensificar o consumo individual e criação de nichos de mercado.
Isso tende a gerar o fetichismo do dinheiro. Ele parece adquirir vida própria, ter um processo de desenvolvimento independente, gerar mais dinheiro (essa é a ilusão da poupança e daqueles que acham que dinheiro gera dinheiro por si próprio). O que muitos esquecem é que o dinheiro é um equivalente geral acaba valendo não por seu valor de uso e nem pelo seu valor de troca (que é artificialmente criado, pois uma nota de 100 reais possui o mesmo quantum de trabalho socialmente necessário que uma nota de um real) e sim pela medida de valor que ele expressa e este é trabalho materializado. Assim, não é apenas “fictício”, como alguns pensam de forma ingênua, e sim bastante real, tanto é que com ele é possível comprar uma fábrica e produzir mais-valor explorando operários. Assim, dinheiro traz capacidade de consumo, de aquisição de bens (de consumo e de produção), poder, etc.
A mentalidade burguesa, reprodutora da sociabilidade capitalista (caracterizada pela competição, burocratização e mercantilização) acaba tornando o dinheiro um valor fundamental, estando, para algumas pessoas, acima da vida dos demais seres humanos, tanto é que matam por ele. Obviamente que o dinheiro é uma necessidade para quem vive no capitalismo, pois sem ele não poderá satisfazer suas necessidades básicas (comer, habitar, etc.). Porém, a grande maioria da população não se contenta com o dinheiro apenas para isso, ele tem o papel de medir o grau de poder da pessoa, o seu status social, etc. Ele está envolvido na competição social, que produz uma “personalidade competidora” (Wright Mills, 1970) e onde o ter passa a ser mais importante do que o ser (Fromm, ) e isso mostra a pobreza do ser, pois só vem valor por ter. Isso, com a mercantilização das relações sociais, se espalha pela sociedade, influenciando o conjunto das relações sociais, tal como demonstra Alberoni no caso do erotismo feminino (Alberoni, 1988), que revela como de forma não-consciente a atração sexual é determinada pelos valores dominantes.
Existem muitos tipos de pessoas para as quais o dinheiro é um valor fundamental. O caso mais visível e conhecido, bem como retratado pela literatura e outras formas de arte, é o avarento. Desde Esopo, ainda na sociedade escravista, essa figura já aparecia. Ele mostra um elemento comum no avarento, que é guardar para não gastar e assim valorar o que nunca irá usar. Na concepção cristã medieval, a avareza é um dos sete pecados capitais. Mas é no capitalismo que o número e a intensidade – bem como o despropósito – do avarento atingem o seu grau máximo.
O AVARENTO
ESOPO
Um avarento tinha enterrado seu pote de ouro num lugar secreto do seu jardim. E todos os dias, antes de ir dormir, ele ia até o ponto, desenterrava o pote e contava cada moeda de ouro para ver se estava tudo lá. Ele fez tantas viagens ao local que um Ladrão, que já o observava há bastante tempo, curioso para saber o que o Avarento estava escondendo, veio uma noite, e sorrateiramente desenterrou o tesouro levando-o consigo.
Quando o Avarento descobriu sua grande perda, foi tomado de aflição e desespero. Ele gemia e chorava enquanto puxava seus cabelos.
Alguém que passava pelo local, ao escutar seus lamentos, quis saber o que acontecera.
“Meu ouro! Todo meu ouro!” chorava inconsolável o avarento, “alguém o roubou de mim!”
“Seu ouro! Ele estava nesse buraco? Por que você o colocou aí? Por que não o deixou num lugar seguro, como dentro de casa, onde poderia mais facilmente pegá-lo quando precisasse comprar alguma coisa?”
“Comprar!” exclamou furioso o Avarento. “Você não sabe o que diz! Ora, eu jamais usaria aquele ouro. Nunca pensei de gastar dele uma peça sequer!”
Então, o estranho pegou uma grande pedra e jogou dentro do buraco vazio.
“Se é esse o caso,” ele disse, “enterre então essa pedra. Ela terá o mesmo valor que tinha para você o tesouro que perdeu!”
Uma das mais conhecidas obras artísticas sobre avarentos é a peça teatral de Molière, de 1668, encenada de inúmeras formas até os dias de hoje (veja abaixo, peça com Paulo Autran). A mesma figura se encontra no filme O Avarento (Jean Girault, França, 1980) ou as diversas versões cinematográficas baseadas nos contos de natal de Charles Dickens, no qual o personagem avarento Ebenezer Scrooge recebe a visita de três fantasmas que o faz repensar sua vida de avareza. O avarento aparece também em novelas, como Amor com Amor se Paga, na qual o personagem Nonô Correia nega até comida para seus familiares devido sua avareza.
Nas revistas em quadrinhos, o personagem avarento mais famoso é o Tio Patinhas. Ele foi inspirado no personagem avarento de Dickens, e seu nome original era Scrooge McDuck, referencia direta a ele e sua primeira aparição, em 1947, em “Natal nas Montanhas” (“Christmas on Bear Mountain”).
A avarento é apenas um indivíduo doentio que transforma o seu desejo por dinheiro e posse material algo que pode ser sua razão de viver. A explicação disso ocorre através da análise da história de vida do indivíduo avarento, tal como se pode observar na história do personagem de Charles Dickens. Para sustentar sua avareza, o avarento pode criar racionalizações, tais como o medo paranoico de “perder tudo”.
Porém, o dinheiro como valor fundamental não gera apenas avareza (que se manifesta sob múltiplas formas e graus de intensidade, existem os muito avarentos e os avarentos moderados, aqueles que são com todo mundo ou apenas com os mais distantes, etc.). Na sociedade capitalista, há uma grande parte da população que tem o dinheiro como valor fundamental sem ser exatamente um avarento ou manifestando apenas algumas características deste e de forma moderada. Um consumista, portanto, não avarento, pode ter o dinheiro como valor fundamental, mas considerado mais como meio do que como objetivo. O avarento toma o dinheiro como objetivo, tal como no conto de Esopo ou o de Dickens. Isso difere da pessoa pobre que economiza e busca guardas suas economias, já que não é o dinheiro em si que é o valor, mas o meio de realizar coisas no futuro ou prevenir a perda e a situação de penúria (cuja possibilidade pode ou não ser realista, mas isso é uma questão que não altera o quadro).
No caso do dinheiro como valor fundamental, ela reforça a competição social e a “corrida do ouro”, tema de filmes e novelas. Desde o filme “Em Busca do Outro” (Charles Chaplin, EUA, 1925) até a novela Corrida do Ouro, da Rede Globo, de 1974/1975, em época de ditadura militar, o tema é recorrente na cultura capitalista.
CORRIDA DO OURO
CORAL SOM LIVRE
Muito dinheiro fora de hora
Sempre modifica as pessoas
Muito dinheiro
Quando chega ninguém espera
Modifica todas as coisas
Muito dinheiro
Quando pinta na vida
Modifica tudo na vida
Mas as pessoas vivem todas
Correndo atrás
De muito dinheiro
Muito dinheiro fora de hora
Dá um revertério na cuca
Muito dinheiro
Prá quem não sabe
O que é dinheiro
Põe toda a moçada maluca
Muito dinheiro no bolso
E no banco
É pior do que pouco dinheiro
Mas as pessoas vivem todas
Correndo atrás
De muito dinheiro
Quem corre atrás do tesouro
Da mina de ouro
Tem conta secreta
No banco suíço
Se esquece que a vida
Existe só prá ser vivida
Quem pensa que a grana
Que pinta de graça
Resolve os problemas
Do amor e da vida
Perdeu a sua chance
De ter a tal felicidade
De verdade
Muito dinheiro fora de hora
Sempre modifica as pessoas
Muito dinheiro
Quando chega ninguém espera
Modifica todas as coisas
Muito dinheiro
Quando pinta na vida
Modifica tudo na vida
Mas as pessoas vivem todas
Correndo atrás
De muito dinheiro
Essas pessoas
Correm atrás do dinheiro
Todo mundo correndo
Sempre atrás do dinheiro
Essas pessoas vivem todas correndo
Atrás de muito dinheiro
O processo contemporâneo reforça essa tendência, pois a intensificação da mercantilização das relações sociais gera uma hipermercantilização e os efeitos disso na cultura e universo psíquico dos indivíduos tende, igualmente, a se intensificar. A irracionalidade do modo de produção capitalista se generaliza e a destruição ambiental é um de seus resultados, e, mesmo assim, o processo se reproduz. Surgem até ideologias neurológicas e outras para naturalizar a avareza e a ganância (veja documentário abaixo). Assim, as representações cotidianas são reforçadas pelas ideologias e estas se inspiram naquelas. O círculo vicioso e destrutivo do capitalismo continua, mas poucos fazem alguma coisa para mudar esta situação, já que “essas pessoas vivem todas correndo atrás de muito dinheiro”.
Referências Bibliográficas
Alberoni, Francesco. O Erotismo. Fantasias e Realidade do Amor e da Sedução. Rio de Janeiro, Círculo do Livro, 1988.
Fromm, E. Ter Ou Ser? 4a Edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1987.
Marx, Karl. O Capital. Vol. 1. 3ª Edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988.
Viana, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Idéias e Letras, 2009.
Viana, Nildo. Os Valores na Sociedade Moderna. Brasília, Thesaurus, 2007.
Viana, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas. São Paulo, Escuta, 2008.
Wright Mills, C. Poder e Política. Rio de Janeiro, Zahar, 1970.