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sexta-feira, 4 de maio de 2012

REBELDES POR UM DIA (A CRISE DO MOVIMENTO ESTUDANTIL)



REBELDES POR UM DIA
(A CRISE DO MOVIMENTO ESTUDANTIL)

Nildo Viana

Os estudantes estão nas ruas. Vivemos em uma época em que grandes manifestações estudantis pró-impeachment do governo Collor “abalam o Brasil”.  Mas não podemos deixar de observar algo de estranho nisso tudo: de um lado, estão sendo realizadas diversas manifestações estudantis em todo o Brasil e, de outro, tanto DCEs (Diretórios Centrais dos Estudantes) quanto CAs (Centros Acadêmicos) vivem em um marasmo total e a universidade continua atravessando um período de crise e isto não obtém nenhuma resposta do movimento estudantil.
Geralmente se costuma analisar os fenômenos sociais pela sua aparência e não pela sua essência. O fato dos estudantes estarem nas ruas é tomado automaticamente como um “renascimento do movimento estudantil”. O presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) é um dos propagandistas desta tese. Ninguém pergunta o pra quê e o como os estudantes estão nas ruas. O que interessa é “estar” e o “estar” se torna equivalente ao que “é”, ao “ser”. Entretanto, logo que acabam as manifestações de rua, os estudantes voltam para suas casas como filhos obedientes, para suas escolas como alunos disciplinados, para suas empresas como trabalhadores exemplares. A rebeldia dura enquanto durar a manifestação. Os estudantes são “rebeldes por um dia”.
O motivo dos estudantes invadirem as ruas parece bastante claro: querem o impeachment do governo Collor. O que isto reflete na universidade? Por acaso o substituto de Collor irá mudar sua política educacional? A simples substituição de corrupto acabará com a corrupção? A conclusão a que podemos chegar é a seguinte: as manifestações estudantis estão sendo realizadas por motivos não-estudantis.
O que dá razão ao movimento estudantil existir são as lutas especificamente estudantis. Daí conclui-se que não existe nenhum renascimento do movimento estudantil. Tomemos como exemplo o caso da UFG. Após o Congresso da UNE não foi realizado nenhum CEB (Conselho de Entidades de Base) para discutir questões estudantis, não foi encaminhado absolutamente nada do que foi decidido na Assembleia Geral dos Estudantes, não se fala mais nada do projeto neoliberal para a universidade, etc. A situação das universidades continua a mesma: péssimo nível de ensino, burocratismo, falta de verbas, etc. O DCE simplesmente não existe e não encaminha nenhuma luta especificamente estudantil. Realizou dois CEBs para discutir as manifestações “Fora Collor” e nada mais. O estatuto do DCE que deveria ter sido discutido e aprovado pela gestão anterior (fim do ano passado) já atravessou uma nova gestão quase completa e não foi colocado em discussão.
Diante desse quadro nós vemos um DCE que se preocupa apenas em reproduzir no movimento estudantil as palavras de ordem do seu partido político: “Fora Collor”. Stálin já escrevia no seu livro Fundamentos do Leninismo que os movimentos sociais deviam ser “correias de transmissão” do partido leninista de vanguarda. O DCE-UFG (leia-se PCdoB – Partido Comunista do Brasil) coloca essa teoria em prática e se esquece das lutas estudantis (podemos acrescentar: a necessidade de melhoria do restaurante universitário, a questão da moradia estudantil, a questão pedagógica, etc.). A falta de perspectiva dos movimentos sociais e do movimento estudantil leva à busca artificial de mobilização popular e que tem como grande equívoco não levar a lugar algum. Assim, os estudantes são chamados a serem rebeldes por um dia. Um dia sem aula, de passeata, de brincadeira, de “pular a catraca”, enfim, um dia de rebeldia para descarregar a frustração da vida criada pela sociedade capitalista, mas que não produz nada de novo e que não questiona nada de fundamental tanto na vida pessoal quanto na sociedade.
Enquanto os estudantes forem rebeldes por um dia e conservadores permanentes, nós teremos a ilusão esporádica de liberdade e a realidade permanente da opressão.
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Artigo publicado originalmente em Khronos – Jornal publicado pelos Centros Acadêmicos do ICHL – Instituto de Ciências Humanas e Letras II (Ciências Sociais, História e Filosofia)/UFG. Ano 01, num. 01, Setembro de 1992.


terça-feira, 1 de maio de 2012




AS RAÍZES SOCIAIS DA CORRUPÇÃO E O "FORA MARCONI"

Nildo Viana

Assistindo vídeo no Youtube, é possível ouvir a palavra de ordem “Marconi, a culpa é sua” durante a primeira manifestação “Fora Marconi”. É preciso discutir melhor isso. Pois os indivíduos são responsáveis pelos seus atos, mas tais atos, indivíduos e motivações dos mesmos, são constituídos socialmente. Da mesma forma, as manifestações contra Marconi Perillo são legítimas e contribuem para colocar em questão determinados valores, práticas, etc., mas tem um limite fundamental: a palavra de ordem "fora Marconi" e a posição de grande parte dos que são favoráveis ao impeachment do governador do Estado de Goiás ou punição dos corruptos aponta para uma percepção limitada do problema. Essa percepção limitada de alguns se revela a condenar apenas um (ou vários) indivíduos ao invés de entender as raízes sociais da corrupção e, além disso, não percebe as bases políticas institucionais e seu caráter fundamentalmente corrupto. Logo, a ação se torna limitada e por isso é necessário ampliar a reflexão para, consequentemente, ampliar a ação e combater não apenas um ou vários corruptos, mas a corrupção e as fontes sociais da corrupção. É isto que vamos discutir no presente texto.

Marconi Perillo não criou a corrupção. A corrupção é uma relação social, típica da sociedade capitalista, embora tivesse formas e manifestações em sociedades anteriores. A corrupção política, mais especificamente, é considerada suborno, intimidação, extorsão, abuso de poder. O governo Marconi Perillo, sem dúvida, realizou abuso de poder e certamente realizou outros elementos apresentados acima como sendo corrupção, acrescentando a financeira. Logo, é possível dizer que Marconi Perillo e seu governo estão envolvidos em atos de corrupção. O que não é possível dizer é que ele é o culpado, pois isso vai muito além deste indivíduo, por mais que ele tenha poder. Ele não estava sozinho, milhares de outras pessoas estão envolvidas e fizeram o mesmo. Ninguém governa ou faz corrupção no governo sozinho. O pequeno bebê chamado Marconi, quando nasceu, não era corrupto. Era tão-somente uma criança inocente e assim permaneceu por algum tempo, até ir sendo socializado, tendo sua mente e valores formados por esta sociedade, sendo envolvido em relações sociais e tendo um conjunto de pessoas ao seu lado e com as mesmas tendências. Ele se tornou corrupto. E por qual motivo se tornou corrupto? Por que a mentalidade dominante em nossa sociedade é a burguesa, a que supervalora o dinheiro, o poder, o status, etc. Ele foi formado, como tantos outros indivíduos, nessa sociedade e para essa sociedade. As suas ações e concepções não são criações fantásticas criadas por um indivíduo criativo, autônomo, livre. Se o bebê Marconi tivesse nascido na tribo Ianomami, não teria se tornado corrupto.

Porém, como emerge uma determinada mentalidade e como, em determinada sociedade ela se torna dominante? Eis outra questão para não ficarmos no meio do caminho. A mentalidade é produzida socialmente. Ele expressa relações sociais existentes de uma determinada época e lugar. É uma sociedade na qual tudo se transforma em mercadoria (alimentos, habitação, vestimenta, etc.), inclusive o próprio corpo humano. É uma sociedade na qual o dinheiro se torna fundamental para a sobrevivência e passa a ser supervalorado e a competição se torna algo estrutural (todos estão competindo contra todos, pelo dinheiro, poder, status, mas também para passar no vestibular, conseguir emprego ou melhor remuneração ou cargo, para conseguir mercado consumidor, para conseguir relações amorosas, etc. É uma sociedade marcada pela burocratização crescente, onde grandes organizações hierarquizadas com seus dirigentes buscam controlar o conjunto das pessoas e garantir seus objetivos, geralmente lucro ou reprodução do poder. Essas são relações sociais capitalistas marcadas pela competição, mercantilização e burocratização que geram uma mentalidade que é hegemonicamente burocrática, mercantil e competitiva. Isto está presente no processo socialização na família, na escola, nos meios de comunicação. Os desenhos animados, os filmes, os esportes, a arte e a vida cotidiana como um todo manifesta isso. Os indivíduos introjetam tais relações sociais em sua mente. Isso cria representações que naturalizam e eternizam isso (como se fosse da “natureza humana”) essas relações, surgem ideologias científicas e filosóficas que fazem o mesmo. A mentalidade dominante é produzida por essas relações sociais e ao mesmo tempo as reforça. Essas relações sociais não só geram essa mentalidade como pressiona e cria uma aparência de verdade para ela.

A corrupção está envolvida num conjunto de relações sociais. Uma sociedade burocrática, mercantil, competitiva, na qual certos valores são secundarizados (solidariedade, honestidade, etc.) e outros são supervalorados (riqueza, poder, fama, etc.) para se conseguir vencer a competição. Marconi Perillo criou tudo isso? Não, ele é mais um produto do que um produtor. Um reprodutor de determinadas relações sociais. Logo, a culpa não é dele.

A corrupção tem raízes sociais mais profundas e não é trocando um corrupto por outro (supostamente não corrupto, até que se prove o contrário...) que se resolve a questão, nem tampouco abstraindo isso e julgando que o problema é de um indivíduo, que é culpa, por exemplo, de Marconi Perillo. Inclusive é muita ingenuidade pensar que só houve corrupção no Governo Marconi (e nessa gestão...), que não há corrupção no governo federal, municipal, etc. A corrupção é algo comum e generalizado em todos os governos de nossa sociedade. O que muda é o grau e a visibilidade da corrupção. Sendo assim, a culpa, definitivamente, não é do Marconi.

Então, o que se deve fazer, já que a corrupção é comum e generalizada? É comum e generalizada, mas não é universal, natural e eterna. E se existem valores e concepções distintas, se existe insatisfação da população, então é preciso agir contra isso. Porém, não pode ser uma ação ingênua e que não resolve realmente a questão. Tanto faz tirar Fernando Collor – que foi um corrupto incompetente que deixou visível sua corrupção, assim como Lula e que, ao contrário deste, não tinha bases de apoio sólidas, fortes alianças partidárias, meios de comunicação a favor, etc. e colocar outro corrupto mais discreto, e o mesmo vale para o caso do Marconi Perillo e qualquer outro governador de Goiás. Sem dúvida, dizer que Marconi não é culpado da corrupção não significa dizer que ele não tem nada a ver com isso e sim que ele é responsável pela corrupção que ele fez, tal como em todos os outros casos. Nesse sentido, a palavra de ordem está correta e a culpa é do Marconi. A questão é que se não quisermos apenas ter mais um bode expiatório cujo sacrifício nada irá mudar realmente, é preciso propor algo mais que simplesmente “fora Marconi” ou dizer que a culpa é dele.

Para abolir a corrupção e os corruptos, é necessária uma transformação social radical, uma alteração não em quem está no governo, ou mesmo na forma de governo. A troca de indivíduos no poder nada resolve, nem a troca de grupos inteiros. Da mesma forma, mudar a forma de governo, seja mudança mais moderada ou mais radical (presidencialismo ou parlamentarismo, ou monarquia, ou ditadura...) nada altera nesse quadro. A mudança necessária passa pela alteração da relação entre sociedade civil e Estado e na própria esfera da sociedade civil. O Estado não passa de uma “excrescência parasitária” (Marx), um produto da sociedade civil que busca se autonomizar, gera seus próprios interesses, cria uma burocracia estatal numerosa e com o interesse de se autoperpetuar e ampliar quantitativamente. Ele não produz nada e suga da sociedade civil as riquezas produzidas pela classe trabalhadora e ainda serve aos interesses da classe dominante. Logo, esta excrescência parasitária deve deixar de existir e em seu lugar a própria população se autogovernar. Para isso acontecer, é necessário uma transformação radical no conjunto das relações sociais, na própria sociedade civil, instaurando um novo modo de produção, nova sociabilidade, nova mentalidade. Em poucas palavras, isso seria uma revolução social que instauraria a autogestão social.

Porém, muitos diriam nesse momento: isso é uma utopia. Sim, é uma “utopia concreta” (Ernst Bloch), ou seja, realizável. Contudo, para chegar até lá muitas lutas terão que ser travadas e nessas lutas algumas relações sociais começarão a se alterar, novas ideias e valores se fortalecerão, e nesse conjunto o que hoje parece distante se tornará mais próximo e na percepção das pessoas, mais exequível.

Enquanto não se chega a esse momento, então devemos cruzar os braços e deixar tudo como está? A resposta é negativa. Hoje devemos já lutar e buscar construir as bases dessa transformação social radical e para tanto é preciso superar os limites mentais que pensam a impossibilidade da autogestão social, entre diversas outras coisas. No entanto, é preciso também compreender e criticar a realidade atual, inclusive a corrupção e os corruptos. Mas além de criticar e compreender, é necessário também agir. A ação expressa nas manifestações do “Fora Marconi” é importante, pois coloca em evidência uma recusa da corrupção e dos valores associados a ela, apresenta traços de luta que cria uma efervescência contestadora e que pode se ampliar para ir além, e questionar as raízes da corrupção, e coloca a necessidade de projetos alternativos, realiza uma pressão popular diante dos governos e que mostra sua capacidade mobilizadora e contestadora, o que faz com que os governos e corruptos em geral fiquem na defensiva.

Um projeto alternativo de sociedade é necessário e propostas concretas sobre a questão da corrupção também são necessárias. Daí ser necessário ir além do “Fora Marconi” e exigir mais e propor não somente a saída de um governador e sua troca por outro, mas exigir formas de controle da sociedade civil sobre o Estado e outras instituições, novas formas de participação e pressão, uma cultura de manifestações, mas também de auto-organização da população em locais de moradia, trabalho, lazer, estudos. É fundamental fortalecer a sociedade civil através da auto-organização para garantir não só o combate constante à corrupção, mas também para impedir o abuso de poder, a repressão ilegítima dos movimentos sociais e da classe trabalhadora. Isso nada tem a ver com o discurso neoliberal de responsabilizar a sociedade civil pelas ações que seria do Estado ou de ONGs, outras fontes de corrupção e que mantém “relações perigosas” com o Estado, e sim iniciativa autônoma da população, auto-organização, organizações de base. E estas seriam “escolas” para uma futura transformação muito mais radical, criando um mundo novo e sem corrupção e todos os males produzidos pela sociedade capitalista.

Não é difícil imaginar, hoje, milhões de inocentes “bebês Marconi” engatinhando e vivendo ingenuamente. É possível prever que estes milhões de crianças serão formados e logo estarão como o atual governador do Estado de Goiás, alguns por estarem no poder, realizando a mesma prática. Assim, combater a corrupção e defender “fora Marconi” é importante. Também defender o “fora Marconi” na mente das crianças de hoje é fundamental e para isso é preciso combater os valores dominantes, a mentalidade dominante, não fazer de conta que não existe corrupção em toda a parte e instituições, como partidos, escolas, universidades, igrejas, empresas, sindicatos. É parar de se omitir, de fazer de conta que ela não existe, e começar uma prática de enfrentamento e luta contra a corrupção não apenas onde é relativamente cômodo fazer (o governo), mas também na sua base, e se indignar contra as injustiças cotidianas. As manifestações “fora Marconi” indo além de protestos nas ruas, mas também realizando um processo de reflexão crítica e buscando criar formas de constante auto-organização, de fiscalização, de politização e desenvolvimento da consciência, inclusive daqueles com pouco acesso às informações e certas produções culturais, são parte de um processo mais amplo de constituição do novo e de superação do velho. O bebê Marconi de ontem e adulto de hoje é expressão do velho. As crianças de hoje devem ser expressão do novo e para isso ocorrer é preciso realizar estas e outras ações, pois sem isso apenas mudarão os nomes: “fora Collor”, “fora Sarney”, “fora Marconi” e os pobres bebês de hoje que puderem, serão os Collors e Marconis de amanhã (às custas de milhões de outros pobres bebês que não terão essa “chance”) e nenhuma transformação substancial ocorrerá.

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