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sábado, 25 de setembro de 2010

Gramsci, Leninista? Notas Sobre Gramsci - 04

Gramsci, Leninista?
(Notas Sobre Gramsci 04)

Nildo Viana

As relações entre o pensamento gramsciano e o leninismo ainda estão por ser esclarecidas. Alguns tentam vincular Gramsci e Lênin entendendo que isso seria bom e daria um caráter revolucionário à obra do primeiro; outros, no entanto, já pensam o bolchevismo (leninismo, stalinismo) como vinculado ao pensamento gramsciano, o que significaria demérito para o pensador italiano. Porém, alguns pensam que os dois pensadores são distintos e distantes e esse é o caso dos reformistas assumidos.

Dentre estas três linhas interpretativas, simpatizamos mais com a que aproxima Gramsci do leninismo, o que significaria um demérito deste autor. Porém, o compromisso do marxismo é com a verdade, com a consciência correta da realidade, e, por isso, temos que dar a Gramsci o que é de Gramsci, e a Lênin o que é de Lênin. Neste sentido, nossa interpretação do pensamento de Gramsci se diferencia de todas as três interpretações acima aludidas (Viana, 2010). Não é possível aceitar a tese dos reformistas assumidos de que Gramsci não tem nada a ver com Lênin, assim como não se pode pensar que ele é simplesmente um leninista. Assim, julgamos que o mais correto é pensar que Gramsci tem fortes traços de leninismo, mas rompe com este numa questão fundamental e por isso pode ser considerado um semileninista

O que significa semileninista e qual a fundamentação dessa interpretação? Semileninista quer dizer em parte leninista, em parte não-leninista. A fundamentação desta tese é parcialmente a mesma que Garcia (1980) e Mondolfo (1967) encontraram em Gramsci e sua relação com o leninismo: a concepção de partido como “moderno príncipe” (Gramsci, 1988), o processo de direção do proletariado pelo partido, que, com algumas diferenças, é a tese leninista. Gramsci, diferente de Marx e tal como Lênin, defende o substitucionismo, e o partido acaba sendo o sujeito político em substituição à classe. O maquiavelismo de Gramsci o aproxima radicalmente de Lênin. No que se refere ao papel do partido, a posição de Gramsci é a mesma de Lênin, apesar de existirem diferenças na concepção de partido [1], sua forma organizacional e de ação. Porém, em ambos os casos, o partido é o “sujeito revolucionário” em substituição à classe.

Porém, Gramsci não compartilha com Lênin a concepção insurrecionalista (em termos gramscianos, seria “guerra de movimento”). A sua separação entre “guerra de movimento” e “guerra de posição” é outra face de seu semileninismo. Lênin, Segundo Gramsci, estava certo ao pensar uma estratégia de guerra de movimento no caso russo, onde a sociedade civil é fraca e o Estado é forte. Porém, na Europa Ocidental, a sociedade civil é forte e o Estado é o democrático, não sendo autoritário como na Rússia. A guerra de posição prioriza a sociedade civil, a luta pela hegemonia, para depois, se pensar na conquista do poder estatal. Aqui reside uma diferença fundamental entre leninismo e gramscismo [2]. Gramsci discorda de Lênin de tal forma que diz que ele está certo, mas para outro contexto.

Desta forma, Gramsci não pode ser considerado um leninista ortodoxo, mas também não pode ser considerado como não tendo nenhuma ligação com Lênin. A ideia de partido, as constantes referências ao ideólogo da burocracia bolchevique, são evidências que mostram a ligação entre Gramsci e Lênin, entre o gramscismo e o leninismo. A estratégia da guerra de posição é o que diferencia Gramsci de Lênin, o que para o primeiro não era problema, já que ele queria ser o representante do leninismo da Europa Ocidental. É por isso que Gramsci pode ser facilmente apropriado pelos reformistas assumidos e pelos leninistas, pois ele tem uma parte de sua alma presa ao leninismo, e outra presa à social-democracia. Uma alma presa entre dois diabos, cujos tridentes pressionam seu cérebro para unir dois setores da burocracia partidária. Em síntese, Gramsci é um semileninista torturado por dois demônios que pressionam seu cérebro e que por isso pode ser apropriado por várias tendências burocráticas.

[1] - Tais diferenças não podem ser superestimadas, mesmo porque seria necessário saber até que ponto Gramsci conhecia a concepção leninista de partido. O que muito consideram que Gramsci buscou uma “refundação do pensamento marxista” (Cerroni, 1982) é um grande exagero, pois grande da sua suposta “originalidade” é derivado de sua falta de contato com as ideias e tendências do movimento socialista estar fora dos embates da época, pois caso contrário, certamente, como mostra sua posição favorável a Stálin no confronto com Trotsky, ele seria mais próximo do leninismo. Uma comparação, embora superficial, entre a concepção de partido em Lênin e Gramsci pode ser vista em Cerroni (1982).

[2] - Sem dúvida, outras diferenças são perceptíveis, entre elas as de caráter metodológico, bem como algumas outras semelhanças, mas essas diferenças e semelhanças não são as essenciais e apenas reafirmam o semileninismo de Gramsci.

Referências

CERRONI, Umberto. Teoria do Partido Político. São Paulo, Lech, 1982.

GARCIA, Fernando Coutinho. A Teoria da Organização e o Centralismo. Os Limites do Ortodoxo. Revista Educação e Sociedade. Revista Quadrimestral de Ciências da Educação. Ano II, Num. 05, janeiro de 1980.

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, A Política e o Estado Moderno. 6 edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988a.

MONDOLFO, Rodolfo. Estudos Sobre Marx. São Paulo, Mestre Jou, 1967.

VIANA, Nildo. Introdução à Crítica da Ideologia Gramsciana. Mimeo. 2010.

5 comentários:

  1. GOSTEI DOS DIABINHOS E SEUS TRIDENTES! KKKK

    GRAMSCI NÃO SERÁ MAIS O MESMO!! KKKKK

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  2. O fato de Gramsci estar supostamente "preso entre dois diabos" sugere nitidamente que o "carater diabolico" seria a aceitação ou a conivência perante a própria existência de um estado socialista marxista.

    Me pareceu bem tipico de uma posição conselhista (cujo perfil anárquico é praticamente inquestionável) jogar um autor que poderia fundamentar uma "quarta via" entre o conselhismo, a social democracia e o bolchevismo para o "inferno" se é que me entende...

    No caso o "cenario infernal" seria a própria conivência do autor com a existência de um estado operário, onde uma "elite de intelectuais" comandaria a "vanguarda semileninista" para perpetuar a dominação social, servindo assim como pedra no sapato da verdadeira revolução rumo à emancipação dos trabalhadores.

    Pois bem, no livro de Gramsci "Introdução à filosofia da PRAXIS" ele inicia a obra difundindo a seguinte concepção:

    "Deve destruir-se o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo de muito difícil pelo facto de ser a actividade intelectual própria de uma determinada categoria de especialistas ou de filósofos profissionais e sistemáticos. Por conseguinte, deve começar-se por demonstrar que todos os homens são "filósofos"..."

    Acho que isso vai um pouco contra a possibilidade do autor defender uma "elite de intelectuais" necessariamente. Para evitar "franksteins" com essa citação, devo lembrar que Gramsci foi um dos nomes dentro da famigerada "tradição marxista" que mais pensou a educação quanto método. E não que você tenha feito isso nesse texto, mas penso que nao se deve confundir "educação" (para Gramsci) com a "doutrinação" de partido aceita e exercida pelos bolchevistas durante seu regime, ao menos não sem provas bem concretas.

    Em relação ao perfil Maquiavélico de Gramsci no que toca a forma como concebia o "partido-principe", penso eu que a partir do momento em que as massas passam a ser o "novo principe", mesmo se essa analise for realmente válida, ainda reafirmaria-se como uma legitima ruptura com as posições devidamente maquiavélicas, por assim dizer, afinal agregar soberania às massas, mesmo que gradativamente, nao pode ser considerada uma postura realmente maquiavélica de dominação social.

    Enfim, sou estudante e posso estar fortemente desatualizado ou equivocado nessas minhas percepções, agradeço que tenha compartilhado sua perspectiva para que todos nós possamos aprender mais! Continue o bom trabalho!

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    Respostas
    1. Caio, agradeço a mensagem. As postagens sobre Gramsci me fizeram moderar os comentários, pois muitos gramscianos "raivosos", ao invés de debater, preferiram xingamentos. O seu comentário não fez isso e abriu uma possibilidade de comunicação efetiva.

      Sobre o conteúdo de seu comentário, eu diria que a citação do Gramsci que apresenta não pode ser separada do conjunto de sua obra. Gramsci diz que todos são "filósofos" e em outro lugar que "todos são intelectuais", mas faz uma distinção, entre os que são intelectuais por profissão e os demais, que elaboram uma visão de mundo. Depois ele faz outras distinções entre os intelectuais (orgânicos, tradicionais) e no interior do partido. Então a frase isolada pode dar uma impressão errônea, e aí entramos no segundo ponto que você discute, o maquiavelismo de Gramsci. No fundo, ele não defende uma autêntica "soberania das massas". E isso é entendido pelo fato de que o "moderno príncipe" para Gramsci não são as massas e sim o partido, que deve ser entendido como "imperativo categórico", como uma "divindade" (palavras de Gramsci).Nesse sentido, é necessário entender que sua concepção é semileninista, sendo que a divergência ocorre em certos aspectos (guerra de posição ao invés de guerra de movimento, etc.). A sua concepção é vanguardista.

      Um útimo ponto, o conselhismo não possui um "perfil anárquico"). O que o conselhismo tem em comum com o anarquismo é o mesmo que Marx tinha. A esse respeito sugiro a leitura desse texto: http://informecritica.blogspot.com.br/2015/07/notas-sobre-historiae-significado-do.html

      Para uma análise mais global do pensamento de Gramsci, esse texto é útilo e vai além das notas aqui apresentadas:
      http://informecritica.blogspot.com.br/2015/10/introducao-critica-da-ideologia.html

      Abraços!

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    2. Olá professor Nildo, apenas agora conferi sua resposta, devo dizer que minhas concepções acerca da obra de Gramsci mudaram radicalmente, principalmente após estudar a chamada ontonegatividade da politicidade em Marx (José Chasin) e o embat entre os adeptos dessa concepção contra certos textos de Carlos Nelson Coutinho, amplamente arraigados pelo notavel politicismo de Gramsci. Sobre a questão do "partido-príncipe" devo dizer que concordo prontamente, assim como a relação do raciocinio gramsciano com a social democracia quanto construto do marxismo tradicional.

      Venho aqui perguntar, então, quais seriam as contribuições mais interessantes da leitura de Gramsci para o senhor, quanto marxista e conselhista, visto ele integrar a lista de autores que abriram chão para o chamado "neomarxismo", o que incide na contribuição critica referente aos limites do marxismo tradicional, amplamente atravessado pela social democracia e o bolchevismo, tendo no conselhismo uma expressão critica desse desenvolvimento, ainda dentro da segunda internacional.

      Agradeceria sua atenção. Sobre o texto que me enviou, parece muito interessante, para salientar as diferenças entre o comunismo de conselhos e o anarquismo. Com toda certeza me será útil. Obrigado.

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    3. Caio, como vai? Bom, eu não me autodenomino conselhista. Considero que o comunismo de conselhos é um desenvolvimento do marxismo, mas que é datado. Eu me autodenomino marxista autogestionário, para distinguir do pseudomarxismo, do marxismo original e do comunismo de conselhos (estes dois últimos apenas por causa histórica e diferenças derivadas da busca de atualização e desenvolvimento).

      As contribuições de Gramsci são muito restritas. Há alguns elementos nos seus escritos de juventude e nos escritos da prisão ele traz alguns elementos que podem ser aproveitados, desde que vistos criticamente e destacado do conjunto do seu pensamento que é ideológico (no sentido marxista do termo). Algumas observações sobre hegemonia e alguns outros elementos entrariam nesse caso. O conselhismo surgiu depois da ruptura dos socialistas radicais com a social-democracia e, portanto, não esteve no interior da 2a internacional (indivíduos, que eram socialistas radicais, sim, mas foi depois que se tornaram conselhistas).

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