Rádio Germinal

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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O POSITIVISMO DE GRAMSCI

O Positivismo de Gramsci
(Notas Sobre Gramsci 05)


Nildo Viana


Certa vez, um professor que leu meu livro Estado, Democracia e Cidadania (Viana, 2003), e disse, rindo, “chamar Gramsci de positivista é, no mínimo, uma provocação”. A afirmação, sem dúvida, é provocativa, tendo em vista a proeminência de Gramsci e o quase consenso segundo o qual ele seria um dos grandes representantes do marxismo. Porém, não é apenas provocação, pois Gramsci não é marxista e sim positivista, o que muitos não entendem, pois não ultrapassam o nível da provocação. Eis o que vamos tratar aqui.

Sem dúvida, quando se diz que alguém é positivista, não é, a não ser nos debates empobrecidos entre pseudomarxistas (tal como um entre um intelectual carioca e outro paulista, no qual o lugar de colocar a vírgula se tornou palco de disputa ao invés de questões fundamentais), apenas um adjetivo pejorativo. É preciso, quando alguém faz uma afirmação destas, ou buscar entender o significado do termo positivismo tem para o autor que o utilizou ou simplesmente se omitir na discussão.



Obviamente que existem várias definições de positivismo. Entre elas, destaca-se a de Michel Löwy (1991), segundo a qual seria a concepção que considera que existem leis na sociedade tal como as leis da natureza, que os métodos das ciências humanas devem ser os mesmos das ciências naturais e de que é necessária a neutralidade do cientista. Outra concepção é a de que o positivismo é o empiricismo e há ainda a definição segundo a qual o positivismo é o uso dos métodos das ciências naturais, entre outras. Gramsci não se encaixa na definição de Löwy e nem na última, embora tenha laços de ligação com a definição que remete ao empiricismo.

Porém, minha concepção de positivismo é outra. O positivismo é toda concepção que parte de uma determinada concepção de neutralidade ou objetividade do pensamento científico (Viana, 2007a). Ou seja, toda concepção que desconsidera que o pensamento científico é produto de seres humanos históricos, concretos, que é expressão de interesses de classes sociais, é positivista.



Eis que Gramsci então revela-se um grande positivista. Isto é tanto verdadeiro que basta olhar a sua abordagem do que chamou “filosofia da práxis”. Esta não é uma expressão dos interesses de classe do proletariado e sim produto da ciência, do saber. Ao definir a objetividade como “universal subjetivo” e considerar que esse é produto da “luta pela objetividade”, coloca, nas mãos dos intelectuais, o papel de agente do processo evolutivo da humanidade. Aqui a semelhança com Comte e sua Igreja Positivista e com Lênin e seu partido de vanguarda não é mera coincidência, pois atrás dela se vê um culto da ciência e a ligação entre pseudomarxismo e positivismo. Segundo Gramsci, o saber é independente do “ponto de vista”: “Objetivo significa precisamente, e tão somente, o seguinte: que se afirma ser objetivo, realidade objetiva, aquela realidade que é verificada por todos os homens, que é independente de todo ponto de vista que seja puramente particular ou de grupo” (Gramsci, 1988, p. 69).



Sendo assim, Gramsci demonstra um total desconhecimento da teoria de Marx sobre a consciência e sobre a possibilidade de uma consciência correta da realidade, que tem como condição de possibilidade partir da perspectiva do proletariado (Viana, 2007b; Marx, 1988). Gramsci, apesar de se dizer “marxista”, no fundo se revela um grande positivista, mais próximo de Comte, Durkheim e outros positivistas clássicos, do que de Marx.



Por fim, a expressão “o famoso positivista italiano”, em Estado, Democracia e Cidadania, não era mera provocação, era a constatação de um “fato”, para usar termo que os positivistas gostam e que agradaria um de seus representantes mais ilustres: Gramsci.


Referências

GRAMSCI, Antonio. A Concepção Dialética da História. 6ª edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988.



LÖWY, Michael. Ideologias e Ciência Social. 7a edição, São Paulo, Cortêz, 1991.



MARX, Karl. O Capital. Vol. 1. 3ª edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988.



VIANA, Nildo. A Consciência da História. Ensaios Sobre o Materialismo Histórico-Dialético. 2ª edição, Rio de Janeiro, Achiamé, 2007.



VIANA, Nildo. Escritos Metodológicos de Marx. Goiânia, Alternativa, 2007b.



VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.

sábado, 25 de setembro de 2010

Gramsci, Leninista? Notas Sobre Gramsci - 04

Gramsci, Leninista?
(Notas Sobre Gramsci 04)

Nildo Viana

As relações entre o pensamento gramsciano e o leninismo ainda estão por ser esclarecidas. Alguns tentam vincular Gramsci e Lênin entendendo que isso seria bom e daria um caráter revolucionário à obra do primeiro; outros, no entanto, já pensam o bolchevismo (leninismo, stalinismo) como vinculado ao pensamento gramsciano, o que significaria demérito para o pensador italiano. Porém, alguns pensam que os dois pensadores são distintos e distantes e esse é o caso dos reformistas assumidos.

Dentre estas três linhas interpretativas, simpatizamos mais com a que aproxima Gramsci do leninismo, o que significaria um demérito deste autor. Porém, o compromisso do marxismo é com a verdade, com a consciência correta da realidade, e, por isso, temos que dar a Gramsci o que é de Gramsci, e a Lênin o que é de Lênin. Neste sentido, nossa interpretação do pensamento de Gramsci se diferencia de todas as três interpretações acima aludidas (Viana, 2010). Não é possível aceitar a tese dos reformistas assumidos de que Gramsci não tem nada a ver com Lênin, assim como não se pode pensar que ele é simplesmente um leninista. Assim, julgamos que o mais correto é pensar que Gramsci tem fortes traços de leninismo, mas rompe com este numa questão fundamental e por isso pode ser considerado um semileninista

O que significa semileninista e qual a fundamentação dessa interpretação? Semileninista quer dizer em parte leninista, em parte não-leninista. A fundamentação desta tese é parcialmente a mesma que Garcia (1980) e Mondolfo (1967) encontraram em Gramsci e sua relação com o leninismo: a concepção de partido como “moderno príncipe” (Gramsci, 1988), o processo de direção do proletariado pelo partido, que, com algumas diferenças, é a tese leninista. Gramsci, diferente de Marx e tal como Lênin, defende o substitucionismo, e o partido acaba sendo o sujeito político em substituição à classe. O maquiavelismo de Gramsci o aproxima radicalmente de Lênin. No que se refere ao papel do partido, a posição de Gramsci é a mesma de Lênin, apesar de existirem diferenças na concepção de partido [1], sua forma organizacional e de ação. Porém, em ambos os casos, o partido é o “sujeito revolucionário” em substituição à classe.

Porém, Gramsci não compartilha com Lênin a concepção insurrecionalista (em termos gramscianos, seria “guerra de movimento”). A sua separação entre “guerra de movimento” e “guerra de posição” é outra face de seu semileninismo. Lênin, Segundo Gramsci, estava certo ao pensar uma estratégia de guerra de movimento no caso russo, onde a sociedade civil é fraca e o Estado é forte. Porém, na Europa Ocidental, a sociedade civil é forte e o Estado é o democrático, não sendo autoritário como na Rússia. A guerra de posição prioriza a sociedade civil, a luta pela hegemonia, para depois, se pensar na conquista do poder estatal. Aqui reside uma diferença fundamental entre leninismo e gramscismo [2]. Gramsci discorda de Lênin de tal forma que diz que ele está certo, mas para outro contexto.

Desta forma, Gramsci não pode ser considerado um leninista ortodoxo, mas também não pode ser considerado como não tendo nenhuma ligação com Lênin. A ideia de partido, as constantes referências ao ideólogo da burocracia bolchevique, são evidências que mostram a ligação entre Gramsci e Lênin, entre o gramscismo e o leninismo. A estratégia da guerra de posição é o que diferencia Gramsci de Lênin, o que para o primeiro não era problema, já que ele queria ser o representante do leninismo da Europa Ocidental. É por isso que Gramsci pode ser facilmente apropriado pelos reformistas assumidos e pelos leninistas, pois ele tem uma parte de sua alma presa ao leninismo, e outra presa à social-democracia. Uma alma presa entre dois diabos, cujos tridentes pressionam seu cérebro para unir dois setores da burocracia partidária. Em síntese, Gramsci é um semileninista torturado por dois demônios que pressionam seu cérebro e que por isso pode ser apropriado por várias tendências burocráticas.

[1] - Tais diferenças não podem ser superestimadas, mesmo porque seria necessário saber até que ponto Gramsci conhecia a concepção leninista de partido. O que muito consideram que Gramsci buscou uma “refundação do pensamento marxista” (Cerroni, 1982) é um grande exagero, pois grande da sua suposta “originalidade” é derivado de sua falta de contato com as ideias e tendências do movimento socialista estar fora dos embates da época, pois caso contrário, certamente, como mostra sua posição favorável a Stálin no confronto com Trotsky, ele seria mais próximo do leninismo. Uma comparação, embora superficial, entre a concepção de partido em Lênin e Gramsci pode ser vista em Cerroni (1982).

[2] - Sem dúvida, outras diferenças são perceptíveis, entre elas as de caráter metodológico, bem como algumas outras semelhanças, mas essas diferenças e semelhanças não são as essenciais e apenas reafirmam o semileninismo de Gramsci.

Referências

CERRONI, Umberto. Teoria do Partido Político. São Paulo, Lech, 1982.

GARCIA, Fernando Coutinho. A Teoria da Organização e o Centralismo. Os Limites do Ortodoxo. Revista Educação e Sociedade. Revista Quadrimestral de Ciências da Educação. Ano II, Num. 05, janeiro de 1980.

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, A Política e o Estado Moderno. 6 edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988a.

MONDOLFO, Rodolfo. Estudos Sobre Marx. São Paulo, Mestre Jou, 1967.

VIANA, Nildo. Introdução à Crítica da Ideologia Gramsciana. Mimeo. 2010.

sábado, 18 de setembro de 2010

O Maquiavelismo de Gramsci

O Maquiavelismo de Gramsci
(Notas Sobre Gramsci 03)

Nildo Viana

Maquiavel desejou ser o conselheiro do príncipe e para isto produziu uma obra que certamente foi guia para muitos governantes (Maquiavel, 2001). A leitura de Maquiavel não deixa dúvida sobre seu objetivo de ensinar ao governante manipular as “massas”. Porém, Gramsci faz outra leitura de Maquiavel, e recupera a sua “contribuição”, não para servir ao príncipe e sim ao “povo”. Não deixa de ser curioso esse procedimento e o que fica oculto na leitura gramsciana de Maquiavel (Gramsci, 1988).

O procedimento gramsciano é o seu método filológico, um criador de Frankensteins, que retira algumas frases do livro O Príncipe e após a descontextualização e deformação, transforma Maquiavel em um intelectual preocupado com o povo, um conselheiro do Príncipe que queria ensinar ao povo e não para quem ele presenteava com sua obra e conselhos. Gramsci criou mais um monstro imaginário, o “bom Maquiavel”, “que faz-se povo, confunde-se com o povo” (Gramsci, 1988, p. 4). O motivo disso é bem claro: o Maquiavel conhecido tem que ser substituído por outro, pois somente assim ele é assimilável pela ideologia gramsciana e pode servir ao Partido-Príncipe. Isso faz parte da estratégia gramsciana e maquiavélica de “conquistar os intelectuais tradicionais” e fazê-los servir ao partido, mesmo que, para isso, tenha que transformá-los no oposto do que realmente eram. Essa é a ética gramsciana, a ética maquiavélica.

Na verdade, Gramsci não faz uma leitura rigorosa de Maquiavel, apenas usa seu método filológico, e cria mais um Frankenstein, unindo partes e formando um todo deformado, não tendo nada mais a ver com a verdadeira obra de Maquiavel. Se Maquiavel queria servir ao Príncipe, Gramsci o coloca ao serviço do “partido-príncipe”. O partido-príncipe não é um estado ou é, no máximo, um estado dentro do estado. É um estado repartido, uma parte do estado que quer ser todo o estado, conquistando-o. Ele almeja o poder, não possui o poder. Então como poderia agir como o príncipe? Simplesmente sendo a forma organizativa das classes que ele denomina “subalternas”. Ele age como um príncipe, ou seja, efetiva toda prática maquiavélica para lutar pelo poder.

O partido-príncipe é a questão fundamental do pensamento de Gramsci (Gramsci, 1988). Pois sua discussão sobre hegemonia, intelectuais, reforma cultural e moral, sociedade civil e sociedade política e todos os demais termos, então intimamente ligados, mas sua importância e realização só pode se efetivar através do partido (Viana, 2010). O partido aglutina os intelectuais tradicionais e produz os intelectuais orgânicos das classes subalternas e que tem a responsabilidade de efetivar a reforma moral e intelectual, visando conquistar a hegemonia na sociedade civil e assim preparar o terreno para conquistar a sociedade política, ou seja, o estado.

A sua concepção do papel do partido político é a mesma de Lênin e guarda semelhanças, muito bem observadas por Rodolfo Mondolfo (1967), com Stálin. A sua ideia de fidelidade ao partido, que deveria ser visto como uma “divindade” e “imperativo categórico”, mostra a concepção gramsciana de partido, maquiavélica.

Assim, Gramsci não expressa uma posição do marxismo e sim do maquiavelismo (Viana, 2010). A concepção de Marx é a da “auto-emancipação proletária” e não de elites que supostamente libertariam as “classes subalternas”. Alguns leitores de fragmentos ou de comentaristas acreditam piamente que Gramsci defende algo semelhante a Marx. Claro que isso é mais fácil tendo em vista o exército de não-leitores e mau-leitores de Marx que se dizem “marxistas” e, logo, não entendem o aspecto principal da obra de Marx (sem falar nos não-leitores e mau-leitores de Gramsci). Assim, juntar Marx e Gramsci, se torna possível. As diferenças metodológicas, teóricas, políticas, desaparecem misteriosamente.

Gramsci também deseja ser o conselheiro do príncipe. O partido-príncipe é o órgão da hegemonia que busca criar uma nova hegemonia e caso o sonho gramsciano se realizasse, teríamos o reino da tecnocracia, uma nova forma de dominação já esboçada no partido, no qual os “simplórios” teriam que esperar o processo de transição, tão longo quanto o russo, para chegar à “sociedade regulada”. Não existe nenhuma tese de auto-emancipação na concepção gramsciana e o partido maquiavélico é a prova da concepção gramsciana e sua polêmica com Sorel e os anarquistas deixa claro que não tem nada mais distante da concepção libertária do que o maquiavelismo de Gramsci.

Referências

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, A Política e o Estado Moderno. 6ª edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988.

Maquiavel, Nicolau. O Príncipe. 34ª edição, Rio de Janeiro, Tecnoprint, 2001.

MONDOLFO, Rodolfo. Estudos Sobre Marx. São Paulo, Mestre Jou, 1967.

VIANA, Nildo. Introdução à Crítica da Ideologia Gramsciana. Mimeo. 2010.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Gramsci, Nietzsche e o Super-Homem (Notas sobre Gramsci 02)


Gramsci, Nietzsche e o Super-Homem
(Notas Sobre Gramsci 02)

Nildo Viana


Gramsci foi um especialista em criar monstros. Um dos monstrengos que ele criou foi sua fantástica hipótese da origem da ideia nietzschiana do super-homem. Usando o seu método filológico, que também pode ser chamado de “método Frankenstein”, ele se pergunta sobre quando os “admiradores de Nietzsche” pensam no super-homem, estão se inspirando em Nietzsche ou não? Daí ele cria mais um monstrengo: a origem popularesca do super-homem.

Essa origem popularesca tem como base, se acreditarmos em Gramsci e seus monstrengos imaginários, na literatura de folhetim. Gramsci sugere que o Conde de Monte Cristo, personagem de Dumas e nome do seu romance, é a verdadeira fonte inspiradora dos “nietzschianos” (como, a partir de agora, chamarei o que ele denominou os “admiradores de Nietzsche”), e não a “alta cultura”, isto é, a obra de Nietzsche. Assim, “ao que parece”, diz Gramsci, “pode-se afirmar que muito da chamada 'super-humanidade' nietzschiana tem como origem e modelo doutrinário apenas O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, e não Zarathustra” (Gramsci, 1986, p. 125).

Uma assertiva curiosa, mas típica de Gramsci e uma demonstração de seu método filológico. Mais curiosa ainda é sua hipótese de que o próprio Nietzsche teria se inspirado na literatura de folhetim para criar a sua ideia de super-homem. Ele se pergunta, sem indício nenhum, se Nietzsche não teria sido influenciado pelos romances franceses de folhetim. A única coisa que ele pòde dizer a favor dessa assertiva é que essa literatura foi bastante difundida até 1870 entre os intelectuais, sem citar a fonte dessa informação. Ele não se contenta com isso e continua com suas conjecturas e especulações, onde chega a afirmar que “para o 'super-homem' de Nietzsche, além do influxo romântico francês (e, em geral, do culto de Napoleão), deve-se examinar as tendências racistas, que culminaram em Gobineau e, portanto, em Chamberlain e no pangermanismo (Treitschke, a teoria da potência, etc.). Mas talvez se deva considerar o 'super-homem' dumasiano precisamente como uma reação 'democrática' à concepção racista de origem feudal, que deve ser unida à exaltação do 'galicismo' feita nos romances de Eugène Sue” (Gramsci, 1986, p. 128).

O tema é relativamente banal, mas merece um duplo comentário, no sentido de que essa abordagem permite uma discussão de conteúdo e de procedimento. Devido à influência de Gramsci nos meios políticos chamados de “esquerda” e nos meios acadêmicos, isso se faz necessário, para, como dizem os ideólogos do pós-modernismo, “desconstruir” esse monstro fabuloso chamado Gramsci.

A análise de Gramsci tem metade de conjectura e metade de extrapolação. Supor que Nietzsche elaborou sua concepção filosófica de super-homem, intimamente ligada a toda a sua filosofia irracionalista cujo fundamento principal é a “vontade de potência”, de reconhecida influência darwinista, mas também Richard Wagner, Kant, Schopenhauer, é uma conjectura muito simplista e que surge da imaginação fértil de Gramsci. Sem dúvida, não é impossível que Nietzsche tenha lido romance de folhetim e que isso possa ter até inspirado de alguma forma sua elaboração, mas isto é algo remoto e seria apenas no nível genérico da formação dos seus valores e representações cotidianas, ou seja, num nível mais basilar, pois sua concepção filosófica possui uma origem intelectual muito mais profunda. Claro é que outros equívocos, como o “racismo de origem feudal”, que não se sabe de onde Gramsci tirou isso, podem ser levantados, mas nos interessa apenas o fundamental na questão, a da origem popularesca da ideia nietzschiana do super-homem.

Porém, menos problemática é a tese de que os “admiradores de Nietzsche” tenham pudor em assumir as origens romanescas e popularescas da ideia de super-homem e por isso apelam para Nietzsche. Sem dúvida, no mundo da incultura e da erudição superficial das classes privilegiadas, isso é bem provável. Porém, não passa de conjectura e extrapolação, pois ficar ao nível genérico de que as classes privilegiadas tendem a um grau e qualidade de leitura baixa e ao mesmo tempo manter o desejo de distinção por sua suposta “cultura superior” é uma coisa, agora apresentar assertivas particulares sobre tais tendências, apresentadas como probabilidades, é outra coisa, e, nesse caso, extremamente problemática.

Daí vem a segunda questão, metodológica, pois o método Frankenstein assombra os textos gramscianos. A questão é que a tese de Gramsci não é a de que as classes privilegiadas tenham essa tendência e sim que os “admiradores de Nietzsche”, uma abstração, portanto, ou seja, os que defendem a ideia de super-homem, a retira dos romances populares. Assim, a base real do processo, desapareceu, pois determinados indivíduos pensam de determinada forma e sua origem está em certos romances. Isso é pura extrapolação, já que não tem base concreta. Meras suposições. Gramsci vivia num mundo de suposições? Sem dúvida, mas essas suposições não eram gratuitas, faziam parte do seu procedimento analítico, fundado no seu método filológico, e possuíam uma crença orientadora que estava presente em todas as suas análises.


Assim, é interessante perceber a ação de seu método: fatos (os “nietzschianos” que defendem a ideia de super-homem e questionam a moral convencional) geram conjecturas (“não se fundamentam em Nietzsche e sim na literatura de folhetim”) que promove especulações e extrapolações (Nietzsche também deve ter se inspirado em tal literatura), que, por sua vez, confirma a crença orientadora. Esse é o procedimento gramsciano por excelência. Resta, portanto, discutir qual é a sua crença orientadora e, a partir dela, o que Gramsci obscurece.

A crença orientadora é a ideia de “corrente cultural” e o processo de suas “derivações culturais”. É por isso que ele irá afirmar que as obras de Dostoiévski, Balzac e parcialmente Victor Hugo, “são culturalmente derivados dos romances de folhetim, tipo Sue, etc.” (Gramsci, 1986, p. 123). A partir dessa crença orientadora se chega às conjecturas e extrapolações e assim temos um círculo fechado, pois estas reforçam aquelas. Assim, método filológico conduz ao reforço da crença orientadora e vice-versa.

O que ficou obscuro em todo esse processo? O que fica obscuro é justamente a base real e concreta de tudo isso e as determinações de uma determinada produção cultural. O russo Dostoiévski, o francês Balzac e o alemão Nietzsche produziram obras que foram derivações dos folhetins populares franceses e com esse tipo de afirmação o concreto, no sentido marxista do termo, foi para o espaço. As classes sociais, os valores, a situação nacional, a conjuntura histórica, os indivíduos produtores, o acesso à literatura francesa de folhetim, e tudo o mais foi descartado com tamanha facilidade que somente um criador de monstrengos imaginários poderia fazer. Aqui se revela uma forte oposição entre o marxismo e Gramsci. A concepção materialista da história foi substituída por uma concepção idealista, culturalista e, portanto, abstrato-metafísica. Porém, no campo da teoria não se pode trocar a realidade concreta por mundos imaginários e por isso a utilidade dos escritos de Gramsci é bem reduzida, e, se tomada ao pé da letra, é prejudicial para qualquer avanço do pensamento crítico-revolucionário.

Referências

GRAMSCI, Antonio. Literatura e Vida Nacional. 3ª edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1986.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Gramsci, Um Monstro Fabuloso


Gramsci, Um Monstro Fabuloso

(Notas Sobre Gramsci 01)






Nildo Viana



Muitos gramscianos usam o método Frankenstein de Gramsci para transformá-lo num “monstro fabuloso”. Esse método, que o próprio Gramsci relacionou com a “filologia” (Gramsci, 1987a), podendo, pois, ser chamado de “método filológico”, consiste em pegar pequenas frases ou afirmações e derivar delas toda uma discussão descontextualizada e sem necessidade de rigor analítico na análise da ideia do autor comentado, se apropriando inadequadamente de fragmentos do seu discurso e o resultado final é dar vida a um monstro onde havia apenas um pequeno pedaço de rabo de rato. Segundo Gramsci (1987), Cuvier reconstituía a partir de um pequeno osso um mastodonte, mas de um pedaço de rabo de rato se pode construir uma serpente marinha, erro ao qual ele não estava imune segundo suas próprias palavras: “Pode ocorrer, e antes é muito provável, que algumas de minhas apreciações sejam exageradas e até mesmo injustas. Cuvier costumava reconstruir um megatério ou um mastodonte partindo de um pedaço de ossinho, mas pode ocorrer também que com um pedaço de rabo de rato chegue-se, ao contrário, a uma serpente marinha” (Gramsci, 1987, p. 146). Em Buttigieg (2010), tradução de Luís Sérgio Henriques, aparece “monstro fabuloso”, ao contrário da tradução de Noenio Spínola de Gramsci acima citada (Gramsci, 1987) e também da versão espanhola traduzida por Manuel Sacristan (Gramsci, 1988b), onde aparece, respectivamente, “serpente marinha” ou “do mar”.



Este método se caracteriza, portanto, por pegar um pequeno fragmento da realidade (um pedaço do rabo de um rato, ou um trecho/frase de um livro) e a partir dele, usando a imaginação, se constrói uma realidade completa (um mastodonte ou uma ideologia), é um processo de redução e extrapolação. Exemplos disso serão desenvolvidos em outras notas e suas assertivas sobre o materialismo histórico são manifestações desse modo analítico (Viana, 2010). Obviamente que se pode retrucar dizendo que Gramsci admitiu produzir monstros fabulosos, mas apontou os perigos disto. Sem dúvida, e é evidente que Gramsci não produziu seu “método Frankenstein” de forma consciente e intencional, porém, não só algumas colocações suas sobre o método, como também suas análises de obras e autores, são manifestação desse procedimento analítico voltado para produzir “monstros fabulosos”.



Os gramscianos, usando este método Frankenstein, retiram dos escritos esparsos do mestre, um verdadeiro sistema que atribuem a ele e assim podem justificar suas práticas e ideias. Gramsci, um pensador sem grandes atributos, acaba se transformando num “clássico”, num “monstro fabuloso”. Assim, livros e mais livros são lançados sobre o “conceito de hegemonia em Gramsci”, ou sobre “Gramsci e o bloco histórico”, ou sobre a “concepção de Estado em Gramsci”, ou, ainda, sobre “Gramsci e a escola”, a “educação” ou os “intelectuais”. Basta pegar o exemplo de obras sobre “hegemonia”, o construto fundamental de Gramsci, que, no entanto, nunca recebeu tantas páginas pelo fundador do gramscismo quanto dos seus discípulos e não faremos uma lista, mas podemos citar, entre outros, aqueles autores que tematizaram em suas obras este aspecto do pensamento de Gramsci, tais como Gruppi (1991); Inocentini (1979) Santos (s/d), Dias (2000).



Sem dúvida, Gramsci escreveu uma grande quantidade de textos, porém, faltam sistematicidade e profundidade em tais escritos, bem como fundamentação, com raras exceções. As interpretações de Gramsci sobre Marx, Michels, Bukhárin, Maquiavel, Engels, padece de total falta de rigor e a criação imaginária substitui a leitura rigorosa e uma análise fidedigna aos escritos comentados. Um dia carrasco, outro dia vítima, eis o destino da obra de Gramsci.



Usado a torto e a direito, ou melhor, à “esquerda” e à direita, Gramsci é apenas mais um monstro produzido pela sociedade capitalista e pelos “intelectuais”, um dos temas prediletos do mesmo. E, claro, como ele bem previa, os intelectuais aglutinados no partido maquiavélico, o “moderno príncipe”, acabam gerando uma cultura que busca ser hegemônica, e assim atinge o círculo dos militantes pouco interessados em leituras e aprofundamentos, meros reprodutores e vulgarizadores de ideias gerais que não dominam mas que servem para justificar e legitimar suas práticas. Curiosamente, o destino de Gramsci é o mesmo que o de Lênin: ambos supervalorizam o intelectual, a vanguarda ou o “intelectual orgânico”, e ao invés dos seus escritos são seguidos por sua prática: “façam o que eu faço, não façam o que eu digo”. Assim, a vantagem dos intelectuais de partido seria seu “acesso à ciência burguesa” (Lênin, 1978) ou sua “capacidade centralizadora e disciplinadora” (Gramsci, 1988c) e, portanto, distintos das “massas”, dos “simplórios”, o que faz com que os militantes já se julguem acima dos “simplórios” e pertencentes à “casta dos intelectuais”, apesar de sua profunda inconsistência teórica e intelectual, sendo muitos apenas leitores de orelhas de livros, de comentaristas e vulgarizadores, tal como os “trotskistas que nunca leram Trotsky”.


Repetem com Lênin os adjetivos pejorativos, ou seja, retórica fácil para vencer debates, e com Gramsci, o método Frankenstein, a redução e extrapolação. Esses são os reprodutores dos ideólogos que criaram o monstro fabuloso chamado Gramsci e quanto mais os “grandes ideólogos” criam monstros, mais os vulgarizadores tratam de lhes dar ração e engordá-los e quanto maior eles ficam, mais impressionantes eles se tornam. Monstros fabulosos deixam “impressionistas” impressionados. Assim, Gramsci foi consumido pelo seu interesse pelos intelectuais e agora é consumido pelos interesses dos intelectuais, que o transformaram num monstro fabuloso já que os valoraram tanto. Gramsci valora os intelectuais e estes valoram aquele. São monstros fabulosos se reproduzindo.



Referências



BURRIGIEG, Joseph. O Método em Gramsci. Disponível em: http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=290 acessado em 07/09/2010.

DIAS, Edmundo. Gramsci em Turim. A Construção do Conceito de Hegemonia. São Paulo, Xamã, 2000.

GRAMSCI, Antonio. A Concepção Dialética da História. 6ª edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988.

GRAMSCI, Antonio. Antologia. 11ª edição, Siglo Vienteuno, 1988b.

GRAMSCI, Antonio. Cartas do Cárcere. 3ª edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1987.

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, A Política e o Estado Moderno. 6ª edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988.

GRUPPI, Luciano. O Conceito de Hegemonia em Gramsci. 3ª edição, Rio de Janeiro: Graal, 1991.

INNOCENTINI, M. O Conceito de Hegemonia em Gramsci. São Paulo, Tecnos, 1979.

LÊNIN, W. Que Fazer? São Paulo, Hucitec, 1978.

SANTOS, João A. O Princípio de Hegemonia em Gramsci. Lisboa, Veja, s/d.

VIANA, Nildo. Introdução à Crítica da Ideologia Gramsciana. Mimeo. 2010.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A Produção Capitalista da Juventude

Por Nildo Viana

Na idade média, a palavra juventude era usada para designar as pessoas com mais de 50 anos. Hoje, esta palavra atinge uma outra faixa etária da população. Disto pode se indagar o porquê da mudança e o que ela significou. Ela significou que a divisão de faixas etárias na população se alterou no imaginário social e que se ampliou com o surgimento de diversas denominações para explicar cada estágio da vida de um indivíduo. Isto, sem dúvida, foi um produto da expansão da divisão social do trabalho, que não só utilizou as diferenças vitais ou "biológicas" existentes como as reforçou.

Nas sociedades de classes pré-capitalistas, foi mantida e aperfeiçoada a divisão sexual e etária do trabalho, existentes nas sociedades simples, e, na sociedade capitalista, isto se reproduz em escala ampliada. Durante a revolução industrial, o trabalho de crianças e mulheres era amplamente utilizado, mas posteriormente, com a criação de um exército industrial de reserva composto exclusivamente por homens "adultos", tanto as crianças quanto as mulheres tiveram que se afastar do trabalho produtivo. Com a necessidade - provocada pelo crescente desenvolvimento tecnológico do capitalismo - de qualificação da força de trabalho, surgiram as escolas e universidades, instituições voltadas para tal qualificação e para a reprodução da ideologia dominante, que reforçaram o distanciamento entre jovens e adultos.

Uma grande parte da vida dos jovens é vivida nas instituições educacionais, que segundo alguns sociólogos também servem para "disfarçar" o desemprego da juventude. A partir desta posição social diferente se cria um conjunto de características próprias nesta faixa etária da população, que não tem suas fronteiras bem definidas, pois, para uns, jovem é quem tem de 15 à 40 anos, para outros, até 30, e assim por diante. Assim, o capitalismo busca criar costumes e comportamentos específicos para esta camada, buscando criar um mercado consumidor específico: a juventude. Este mercado consumidor possui um consumo de bens supérfluos sui Generis na sociedade, que vai de bonés até wake-mans, passando por preferências musicais, artísticas, etc., que são produzidas e reproduzidas pelos meios de comunicação de massas. Ocorre, porém, que a juventude não forma um todo homogêneo, pois as divisões sociais perpassam todas as faixas etárias, tais como a divisão de classes, de raça, de sexo, etc. É por isso que se fala em "juventude operária", juventude católica, juventude comunista, etc. Neste sentido, podemos dizer que existem elementos em comum entre as pessoas que compõem a juventude mas que também existem elementos diferenciadores no seu interior. Quais são os elementos em comuns e quais são os elementos diferenciadores? O primeiro elemento comum é a idade e daí deriva todos os outros que são produzidos socialmente (modo de vestir e agir, linguagem, gostos, etc.); O segundo é a preparação para a vida "adulta", ou seja, para o processo de imputação de responsabilidades sociais (tal como os estudos); O terceiro é a rebeldia.

Antes de passarmos para a análise dos elementos diferenciadores, devemos analisar o segundo e o terceiro elementos comuns à juventude. A preparação para o processo de imputação de responsabilidades sociais significa que o jovem ainda não está no mercado de trabalho mas já é preparado para ele, que não possui o dever de cuidar de uma família (é, na verdade, um protegido de uma família) mas que deve se preparar para tal e assim por diante. Isto ocorre através da escola, da família, dos meios de comunicação de massas, etc. A idade em que isso ocorre varia dependendo da classe social a que se pertence, pois o trabalho começa mais cedo para quem é proveniente das classes exploradas, assim como o casamento também. É justamente isso que permite surgir a rebeldia do jovem e não, como pretendem os conservadores de todos os tipos, a idade. Não existe nenhum motivo para se julgar que a rebeldia da juventude, quando ela existe, ocorre devido a idade, ou para acreditarmos em ditos ideológicos do tipo "aos vinte anos, incendiário; aos quarenta, bombeiro!". A juventude, por ainda não estar inserida no mercado de trabalho e, no fundo, nem querer tal inserção, além de poder estar inseguro em relação a ela, tende a assumir uma posição constestadora em relação à sociedade. A sua união em instituições repressivas como a escola também pode servir de motivo para colocá-los em oposição à sociedade. O fim da rebeldia ocorre não por causa do envelhecimento mas por vários outros motivos, tais como as responsabilidades sociais adquiridas após o estágio de preparação. A integração do jovem no mercado de trabalho e a nova situação de ter que se auto-sustentar (às vezes também à família) provoca um novo modo de se comportar, mais conservador.

Neste sentido, podemos dizer que existem elementos comuns à juventude que vão além da idade e que estes são produzidos socialmente. Isto significa que a velha tese leninista de que a juventude não é revolucionária, é equivocada, pois a juventude possui uma condição de vida que lhe predispõe a contestar a sociedade. Isto, evidentemente, não quer dizer que a juventude assume o papel de sujeito revolucionário em substituição ao proletariado, tal como algumas concepções pseudo-esquerdistas colocam. O que se conclui disto tudo é que a juventude possui uma tendência contestadora e que esta deve ser compreendida para que se forme uma aliança entre o movimento operário e os diversos movimentos de juventude. E quais são os elementos diferenciadores da juventude? O primeiro destes elementos e o mais importante é, sem dúvida, o que é derivado da posição de classe. A juventude está presente em todas as classes sociais e isto quer dizer que a questão da classe social interfere na forma de viver da juventude. A juventude operária tende a ser mais revolucionária do que a juventude burguesa e a pertencente a outras classes sociais. Embora se deva dizer que suas condições de vida dificultem sua ação política e impede sua ligação orgânica com o movimento revolucionário em períodos não-revolucionários. Outros elementos diferenciadores são a raça, o sexo, a religião, a cultura, entre outros. É por isso que se pode falar em juventude católica, comunista, negra, etc.

Do ponto de vista do movimento social isto não significaria um espaço para uma divisão de forças no interior da juventude? Talvez fosse melhor analisarmos este assunto por um outro lado. A juventude não é um todo homogêneo e é marcada por possuir aspectos comuns e diferentes. Disso resulta que tal divisão só seria importante se rompe-se com uma unidade revolucionária e colabora-se com a política burguesa. Não é isto que ocorre. Na verdade, a juventude só poderá efetivar um papel revolucionário ultrapassando suas lutas específicas e aderindo a um projeto mais amplo, que expresse a possibilidade de transformação social. O caráter revolucionário do movimento da juventude só pode se expressar através da articulação com o movimento operário. Além disso, deve-se notar que nem todos os setores da juventude irão assumir uma postura revolucionária.

Neste sentido, podemos dizer que a juventude é uma produção capitalista e que ela carrega em si as contradições da sociedade capitalista. A partir de suas necessidades cotidianas, de sua forma específica de alienação e opressão, a juventude deve elaborar um projeto político e articular suas lutas com as do movimento operário. Somente assim a juventude assumirá um papel revolucionário.



Este texto foi publicado originalmente no Jornal Autogestão, Ano 01, num. 02, Maio de 1996.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

VIDA E MORTE DO LENINISMO



VIDA E MORTE DO LENINISMO



Nildo Viana

Wladimir Illich Ulianov - Lênin - é considerado por muitos como o mais importante pensador socialista após Marx. Segundo os discípulos de Lênin, a ideologia leninista seria o complemento necessário à teoria marxista. Alguns mais exagerados afirmam que não se pode ser marxista sem ser leninista. No entanto, consideramos todas estas afirmações, e muitas outras parecidas, como equivocadas. Já é tempo de reavaliarmos o leninismo, principalmente agora que estamos vivendo seus últimos dias de vida.

O leninismo surgiu na Rússia czarista, um país atrasado e com uma classe operária em formação. É natural, como colocou Daniel Guérin, que em um país com uma classe operária nascente, onde se penetra idéias revolucionárias vindas de países mais avançados (no caso, o marxismo), que os ditos “revolucionários” pretenderem “pensar” e “querer” pelo proletariado e, ao mesmo tempo, conceber uma ideologia da “incapacidade da classe operária”. Tkatchev foi um dos primeiros, mas Lênin, um tkatchevista, foi o maior ideólogo da nulidade operária. Para Lênin, os operários jogados a si mesmos chegam no máximo ao sindicalismo e isto significa uma subordinação à ideologia burguesa. Daí ele dizer que a tarefa da social-democracia é “combater a espontaneidade” do movimento operário. E acompanhando o pensamento de Kautsky, dizia que são os “intelectuais burgueses” que elaboram a “consciência socialista” e a introduzem no proletariado.

Estes são os fundamentos de sua concepção blanquista e elitista do “partido de vanguarda”. Por mais que Lênin tentasse ser um representante do proletariado, ele não conseguiu sê-lo, mas conseguiu ser um ideólogo da burocracia, essa classe auxiliar da burguesia. Leon Trótsky, antes de aderir ao leninismo, conseguiu ver as raízes do bolchevismo: o atraso da Rússia e a separação entre a intelectualidade e as “massas”.

A partir da vitória da revolução bolchevique, o leninismo passou a ter cada vez mais influência no movimento comunista internacional. Stálin, depois da morte de Lênin, sistematizou e consolidou o que hoje é conhecido como “marxismo-leninismo” e que virou sinônimo de “marxismo ortodoxo” e assim “acorrentaram” o pensamento de Marx e o marxismo ao leninismo. O leninismo-stalinista passou a ser a ideologia do capitalismo de estado russo e da burocracia como classe dominante.

Ao final da década de 50 e início da década de 60, o jacobinismo leninista-stalinista entrou em crise. Com a morte e a denúncia dos crimes de Stálin houve a divisão entre leninistas e stalinistas. Os leninistas passaram a condenar Stálin e a defender o “novo” regime, enquanto que os stalinistas fizeram o contrário. A grande maioria passou a ser “leninista” e a defender o regime soviético até que a URSS invadiu a Hungria e, posteriormente, a Tchecoslováquia, mostrando o seu verdadeiro caráter. Depois disso, o leninismo se tornou cada vez mais fraco e as revoltas e revoluções de 1968 mostraram qual é o seu destino: a sua superação por um movimento autenticamente socialista.

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Artigo publicado originalmente em: Jornal de Ciências Sociais/UFG. Ano 01, num. 01, Maio de 1989.

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