Rádio Germinal

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terça-feira, 20 de outubro de 2009

I Simpósio Nacional de Ciências Sociais - Região e Poder




O I Simpósio Nacional de Ciências Sociais tem por objetivo promover o diálogo entre pesquisas em diferentes áreas das Ciências Sociais acerca das relações entre região – entendida aqui em um sentido abrangente, tanto com relação às particularidades locais quanto aos aspectos territoriais que afetam os problemas sociais – e o fenômeno do poder, em suas diversas manifestações. Para tanto, propõe a reunião de estudantes de graduação e pós-graduação, pesquisadores e docentes, gestores e representantes da sociedade civil em torno das múltiplas questões envolvidas nas diversas abordagens das relações entre região e poder. A temática central do Simpósio busca, portanto, focar as implicações mútuas entre as noções de região e poder, a fim de problematizar a relevância dos aspectos regionais - particularmente da região Centro-Oeste, mas estendível a demais circunscrições geográficas ou simbólicas – na determinação e enfrentamento das questões sociais insurgentes. Entende-se, por um lado, que problemas regionais persistem desafiando uma compreensão menos localizada do fenômeno do poder e, por outro, que o estudo de temas caros às Ciências Sociais (questões referentes à memória coletiva, às identidades sociais e à soberania política, por exemplo) precisa atentar para a força das peculiaridades da região na demarcação dos problemas relevantes, a despeito da globalização cada vez mais acentuada. No auxílio ao entendimento desses dois aspectos distintos, a noção de representação pode fornecer recursos importantes para a delimitação dos referidos problemas. A reivindicação por representatividade diz respeito à incorporação de perspectivas excluídas, seja no campo da cultura, na afirmação de gênero ou nas relações políticas. O fluxo permanente entre as diversas representações possíveis - em suas formas mais convencionais ou nas inovações que contestam os parâmetros tradicionais – é a marca da possibilidade permanente de renovação. Trata-se, assim, de congregar contribuições dos pontos de vista da Antropologia, da Sociologia e da Ciência Política para esse debate, no esforço concomitante de se consolidar o lugar da região Centro-Oeste no cenário de ensino e pesquisa no país.

Mais informações e inscrições: http://www.cienciassociais.ufg.br/sncs/

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

História Social do Cinema além da descrição



VIANA, Nildo. A Concepção Materialista da História do Cinema. Porto Alegre, Asterisco, 2009.

TEXTO DA ORELHA:

A maioria das obras de história do cinema possui limites que precisam ser superados, tal como seu caráter descritivo, que consiste em elencar nome de filmes, diretores e outros detalhes, sem maior aprofundamento e geralmente tendo por base uma ideologia cinematográfica. A historiografia tradicional do cinema também é descritiva e pouco contribui para um entendimento das mutações do processo de produção dos filmes e dos conteúdos veiculados por eles, tal como a abordagem formalista, que é ahistórica. Os poucos estudos influenciados pelo marxismo sobre o cinema padecem de problemas metodológicos e teóricos devido a influência da teoria do reflexo de Lênin e da estética realista derivada dela. Neste contexto, torna-se necessário discutir as bases teórico-metodológicas para uma história do cinema que ultrapasse a mera descrição, o formalismo e os demais problemas interpretativos. O materialismo histórico fornece o método e teoria necessários para superar tais limites. As categorias de totalidade e determinação fundamental e os conceitos de capitalismo, luta de classes, ideologia, entre outros, são a chave para a produção de uma reconstituição histórica do cinema tendo por base o materialismo histórico. A presente obra discute a relação entre história e cinema, apresentando uma crítica da historiografia do cinema e apresentando as bases teórico-metodológicas para uma história social do cinema e exemplifica este procedimento analisando o expressionismo cinematográfico alemão.

Leia o prefácio de Jean Isídio dos Santos clicando aqui.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Linguagem, Discurso e Poder




VIANA, Nildo. Linguagem, Discurso e Poder. Pará de Minas, Virtualbooks, 2009.
















O livro discute a relação entre linguagem e sociedade, analisando o discurso como manifestação do poder, o preconceito linguistico, a relação entre idioma e expansão capitalista, entre outros temas.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Livro discute características e dinâmica do capitalismo contemporâneo

O livro O Capitalismo na Era da Acumulação Integral apresenta uma teoria dos regimes de acumulação e do atual regime de acumulação que revela-se como extremamente esclarecedora da sociedade contemporânea, fornecendo uma base teórico-metodológica em falta nas produções sociológicas e econômicas contemporâneas.O ponto de partida é uma discussão sobre o conceito e a importância dos regimes de acumulação para uma periodização do capitalismo, e prossegue com uma análise dos pilares do atual regime de acumulação: toyotismo, neoliberalismo e neo-imperialismo, bem como aborda as ideologias que emergem com a instauração do novo regime de acumulação, em especial as ideologias da globalização, pós-estruturalismo, da crise da sociedade do trabalho e do trabalho imaterial. Por fim, o autor encerra a obra discutindo as conseqüências do novo regime de acumulação, tal como a lumpemproletarização (“exclusão social”) e a nova dinâmica da luta de classes, tal como nos acontecimentos recentes no México e Argentina. Nildo Viana é sociólogo e filósofo, professor da Universidade Federal de Goiás e autor de diversos livros, entre os quais Os Valores na Sociedade Moderna; Senso Comum, Representações Sociais e Representações; A Consciência da História; A Esfera Artística; Introdução à Sociologia, Escritos Metodológicos de Marx, Universo Psíquico e Reprodução do Capital, entre outros.
Dados do Livro:VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Idéias e Letras, 2009.
Mais detalhes clique aqui.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

I Simpósio de Sustentabilidade da FMVZ/USP

I Simpósio de Sustentabilidade da FMVZ/USP
“Uma visão social, econômica e ambiental do agronegócio”

Organizadores

Centro Acadêmico Moacyr Rossi Nilsson
Empresa Júnior de Assistência a Veterinária
Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP

Data e Local

03 de junho de 2009, quarta-feira, FMVZ/USP, Cidade Universitária, São Paulo SP

Programa (PRELIMINAR)

8 h 00 min - Abertura
José Antonio Visintin
Diretor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia

8 h 30 min – Conceituando “Sustentabilidade”
Daniela Bacchi Bartholomeu
Pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da ESALQ e do Instituto Agronegócio Responsável

10 h – Coffee break

10 h 30 mim – Reaproveitamento e gerenciamento de resíduos da produção animal
Eduardo Dutra de Armas
Diretor Executivo da BioGeoTec Pesquisa e Soluções Ambientais

12 h – Almoço

13 h 30 mim – Impacto da Produção de Alimentos: uma visão social
Nildo Viana
Professor de Sociologia da Universidade Estadual de Goiás

14 h 50 min – Impacto da Produção de Alimentos: uma visão empresarial
Representante de uma empresa de alimentos
A confirmar

16 h 10 min – Coffee break

16 h 40 min – Agropecuária sustentável (Mesa redonda)
Augusto Hauber Gameiro (moderador)
Professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia/USP
Meire Ferreira
Superintendente do Instituto Agronegócio Responsável
José Roberto Miranda
Pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite
Rubens Nunes (debatedor)
Professor da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos/USP

18 h 40 min – Coquetel

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Curso sobre Capitalismo e Lutas Sociais na Contemporaneidade


O capitalismo assume sempre formas novas que visam manter as taxas de lucratividade em ascensão. A crise do regime de acumulação intensivo-extensivo, ou “fordismo”, que se dá por volta da década de 1970, cede espaço à sua atual fase, o regime de acumulação integral. A cada fase de seu desenvolvimento, o modo de produção capitalista encontra-se também em dificuldades sempre crescentes para conter a tendência declinante da taxa de lucro e as lutas sociais que sempre o acometem.
É justamente da necessidade de realizar uma leitura de conjunto tanto do capitalismo na contemporaneidade, bem como das lutas sociais que emergem, principalmente a partir dos anos 1990, é que propomos a realização deste curso. O movimento anti-globalização, as lutas operárias e o movimento piqueteiro na Argentina em 2001, as lutas em Oaxaca, no México em 2007 etc. serão abordadas tendo em vista os avanços e limites que representam no que se refere à luta revolucionária.
De que maneira as atuais relações capitalistas determinam o conteúdo destas lutas? Quais são as tendências do capitalismo hoje? Como pensar a luta revolucionária, tomando como esta aquela que visa a autogestão? A busca à resposta a estas questões é um dos objetivos deste curso e uma necessidade política de nosso tempo.
Programação
Dia 09/05/2009
09:00 às 11:30
A crise do regime de acumulação intensivo-extensivo e a dinâmica da luta operária
(Dr. Cleito Pereira - IFGoiás)
Das 13:30 às 16:30
Vídeo-debate: A classe operária vai ao Paraíso (Ms. Uelinton Barbosa Rodrigues – UEG)
Dia 16/05/2009
09:00 às 11:30
A constituição do Regime de Acumulação integral e a lógica das lutas sociais na contemporaneidade
(Dr. Nildo Viana - UFG)
Das 13:30 às 16:30Vídeo-debate:
Edukators (Ms. Jean Isídio - UFG)
Dia 23/05/2008
09:00 às 11:30
O Regime de Acumulação Integral e as lutas sociais na América Latina (Ms. José Santana – UEG)
Das 13:30 às 16:30
Vídeo-debate: Un poquito de tanta verdad (Ms. Marcos Ataíde – UEG)
Dia 23/05/2008
09:00 às 11:30
Movimentos Sociais na Contemporaneidade e a Luta Autogestionária
(Ms. Lucas Maia – UEG & Esp. Lisandro Braga - UEG)
Das 13:30 às 16:30
Vídeo-debate: A Batalha do Chile
(Ms. Edmilson Marques - UEG)
Local:Mini-Auditório daFaculdade de Educação da UFG.
Horário:
Das 09:00 às 11:30
Das 13:30 às 16:30
Informações:enfrentamento@yahoo.com.br
fone: (62) 8149-8229
Inscrições:Local: sala da AGB (UFG/IESA). Curso de Geografia, sala 2.
Valor: R$ 10,00
Carga horária 45h
Realização:
NUPAC – Núcleo de Pesquisa e Ação Cultural
MOVAUT - Movimento Autogestionário




segunda-feira, 13 de abril de 2009

Sobre o filme "Fim dos Tempos"


O filme "Fim dos Tempos", M. Night Shyamalan (EUA, 2008) dá seqüência ao processo de denúncia dos perigos pelos quais passa a humanidade presente em outros filmes anteriores dirigidos por este cineasta, tal como A Dama na Agua (EUA, 2006). Tal como no filme anterior citado, um certo esoterismo na trama, na qual o mistério não é resolvido satisfatoriamente, que aponta para uma catástrofe, uma situação na qual os indivíduos são atingidos por uma força misteriosa, possivelmente uma toxina, que atinge as pessoas fazendo-as perder o "instinto de sobrevivência", o que leva ao suicídio em massa.
Para ler o resto do comentário, clique aqui e vá para o blog Cinema e Sociedade - Breves Análises Fílmicas.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

DISCURSO E PODER

Discurso e Poder

Por Nildo Viana*


O objetivo que nos propomos no presente ensaio é discutir a relação entre poder e discurso, visando analisar mais detidamente as formas de censura de determinados discursos e idéias. O poder censura os discursos, não permite que qualquer idéia venha à tona, mas tão-somente permite a manifestação daquelas idéias que estão de acordo com as relações de poder instituídas em uma determinada sociedade. Além disso, o discurso reproduz o poder, tem um caráter mobilizador, ou seja, age sobre a realidade no sentido de reproduzir/questionar as relações de poder.



O primeiro ponto é definir o conceito de linguagem e realizar a distinção entre este termo e o de discurso. Com o nascimento da lingüística através da obra de Ferdinand de Saussure se tornou comum distinguir entre língua e fala (Saussure, 1995). A primeira se caracteriza por ser uma estrutura formal de caráter sincrônico e a segunda se caracteriza por ser uma manifestação concreta da linguagem. A língua cumpria os requisitos para formar um objeto de estudo que poderia ser decomposto de forma “objetiva” e desta forma se poderia compreender sua estrutura interna. Nascia, assim, o estruturalismo em lingüística e este, posteriormente, invadiria as demais ciências humanas (antropologia, sociologia, filosofia, psicanálise, etc.).



Várias correntes contestaram tal distinção entre língua e fala ou pelo menos o modo de conceber suas relações, isolando uma da outra. A sociolingüística, a psicologia da linguagem, a pragmática, a análise do discurso, entre outras abordagens, apresentaram uma visão diferente a respeito da linguagem.





O filósofo Jean-Jacques Rousseau apresentou uma interessante tese sobre a origem da linguagem. Para ele, a linguagem não surge a partir das necessidades e nem da razão, pois “não se começou raciocinando, mas sentindo. Pretende-se que os homens inventaram a palavra para exprimir suas necessidades; tal opinião parece-me insustentável. O efeito natural das primeiras necessidades consiste em separar os homens e não em aproximá-los” (Rousseau, 1987, p. 163). A partir disso ele conclui que a origem das línguas não se deve às primeiras necessidades dos homens, pois “seria absurdo que da causa que os separa resultasse o meio que os une. Onde, pois, estará esta origem? Nas necessidades morais, nas paixões. Todas as paixões aproximam os homens, que a necessidade de procurar viver força a separarem-se. Não é a fome ou a sede, mas o amor, o ódio, a piedade, a cólera, que lhes arrancaram as primeiras vozes” (Rousseau, 1987, p. 164).



Muitos consideram tais teses ultrapassadas e realmente é difícil sustentar que os sentimentos isoladamente tenham produzido a linguagem e que a necessidade não tenha sido sua condição de possibilidade, mas tais observações possuem um momento de verdade. Um desses momentos é amplamente reconhecido atualmente: o caráter social da linguagem. Esta surge para possibilitar a comunicação humana. A comunicação é uma necessidade dos seres humanos. O processo de humanização do mundo e a constituição da sociedade só se tornam possíveis existindo esta comunicação através da linguagem. A origem da linguagem, portanto, está ligada a necessidade dos seres humanos de realizarem uma associação. Esta necessidade de associação é tanto afetiva, como coloca Rousseau, quanto “material”, negada por ele. Neste sentido, a linguagem possui uma origem e um caráter sociais.



A colocação de Rousseau referente ao fato de que as necessidades materiais de sobrevivência separam os seres humanos não foi fundamentada por ele e isto é suficiente para que a ignoremos. Além disso, o contrário é que é verdadeiro, pois, devido a sua debilidade física em comparação com os demais animais, eles precisam se associar para conseguir os meios de sobrevivência. A caça, por exemplo, só se tornou uma fonte de alimentos graças à eficácia da associação dos caçadores, tal como demonstrou Moscovici (1990).



Mas, enfim, o que é a linguagem? Sabemos que ela tem uma origem social, mas resta esclarecer o que ela é. Podemos dizer que, resumidamente, a linguagem é um conjunto de recursos simbólicos criados pelos seres humanos para possibilitar a comunicação humana e que, portanto, é essencialmente de natureza social. Segundo Sapir, a linguagem “é um método puramente humano e não-instintivo de comunicação de idéias, emoções e desejos por meio de um sistema de símbolos voluntariamente produzidos. Entre eles, avultam primacialmente os símbolos auditivos, emitidos pelos chamados ‘órgãos da fala’” (Sapir, 1980, p. 14). Este autor acrescenta que



“A linguagem escrita, para empregarmos uma frase matemática, é assim uma equivalência termo a termo da sua contraparte falada. As formas escritas são símbolos secundários das formas faladas – símbolos de outros símbolos – mas, não obstante, é tão exata a correspondência que se podem substituir inteiramente aos outros, não apenas em teoria, mas ainda na prática atual dos que só lêem com os olhos, e até talvez em certos tipos de reflexão mental” (Sapir, 1980, p. 22).



Quais são estes recursos simbólicos? São os provenientes fundamentalmente da fala, como coloca Sapir, e também, derivado dela, os da escrita. São os recursos simbólicos utilizados na comunicação humana, isto é, os recursos gráficos e sonoros utilizados para se realizar a comunicação entre os seres humanos.



A linguagem, devido seu caráter social, está submetida ao processo social, possuindo, portanto, a mesma dinâmica, historicidade e singularidade da sociedade onde ela emerge. Assim, linguagem, tal como coloca Fromm (1979), está intimamente ligada à sociedade na qual ela emerge, sendo que existe uma sinonímia entre linguagem e sociedade. A sociedade produz uma linguagem adequada a ela, com um léxico, uma semântica, uma gramática etc. que é específica e socialmente organizada.



Nas sociedades marcadas pela divisão em classes sociais antagônicas e com uma divisão social do trabalho complexa, a linguagem passa a ser perpassada pelos conflitos de classes (Bakhtin, 1990) e pelo que alguns estudiosos chamam de “estratificações sociais da língua” (Guiraud, 1976).



A luta de classes que perpassa a linguagem se dá em torno do significado das palavras e dos demais signos utilizados na comunicação humana. A classe dominante possui o interesse em emperrar um livre desenvolvimento da consciência humana além de um determinado limite. Ela busca, de forma às vezes inintencional, impor sua ideologia, suas concepções, sua mentalidade. As demais classes sociais buscam resistir e as classes exploradas esboçam uma linguagem diferenciada. Entretanto, a diferença de linguagem ocorre no interior de uma totalidade, ou seja, a diferença vem acompanhada por uma semelhança.



O semelhante é a língua e a escrita que em uma determinada sociedade é comum a todas as classes sociais e a diferença se dá em aspectos que produzem uma divisão no interior de uma mesma linguagem. No interior de uma mesma linguagem (não se confundindo esta com uma ideologia) é possível se criar concepções de mundo diferentes. Embora a linguagem seja um obstáculo para o desenvolvimento de uma mentalidade antagônica à concepção de mundo dominante, ela permite que isto ocorra exatamente por que possui brechas que possibilitam sua transformação. Apesar da língua-padrão (ou “culta”) ser imposta socialmente pelo Estado e instituições auxiliares, especialmente a escola, existe uma língua diferenciada, chamada de linguagem coloquial (ou popular), que é muitas vezes vista com preconceito (Viana, 2004). Segundo M. Bakhtin:



“Classe social e comunidade semiótica não se confundem. Pelo segundo termo entendemos a comunidade que utiliza um único e mesmo código ideológico de comunicação. Assim, classes sociais diferentes servem-se de uma só e mesma língua. Conseqüentemente, em todo signo ideológico confrontam-se índices de valor contraditórios. O signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de classes. Esta plurivalência social do signo ideológico é um traço da maior importância. Na verdade, é este entrecruzamento dos índices de valor que torna o signo vivo e móvel, capaz de evoluir” (Bakhtin, p. 46).



Em toda sociedade dividida em classes sociais existe uma mentalidade e uma ideologia dominantes e estas produzem uma atribuição de sentido às palavras que também é dominante. Mas o fato de haver uma atribuição de sentido dominante significa que existe atribuição (ou atribuições) de sentido não-dominante(s) ou dominada(s). Neste sentido, a “plurivalência do signo”, segundo Bakhtin, ou a “polissemia da palavra”, segundo Régine Robin (1977), expressam esta visão de que existe um processo de significação e ressignificação das palavras e que tal processo é marcado pelas relações e lutas sociais.



Disto se conclui que a linguagem não é neutra e o reconhecimento disto é fundamental para se compreender a mensagem veiculada por intermédio da linguagem. O caráter social da linguagem repercute sobre a análise da linguagem e sobre as explicações desta. A partir do reconhecimento do caráter social da linguagem se tornam insustentáveis os procedimentos analíticos da lingüística estruturalista de Saussure e seus seguidores, pois ela se revela meramente formal e descritiva, enquanto que uma teoria deve ser explicativa.



A partir destas observações sobre a linguagem, podemos prosseguir nossa reflexão sobre o discurso e sua relação com o poder. O próximo passo consiste em definir o que é o discurso. Discurso e linguagem é a mesma coisa? O conceito de linguagem é muito amplo, pois ele se refere a todos os recursos simbólicos (gráficos e sonoros) existentes em uma sociedade para viabilizar a comunicação humana. Além disso, a linguagem, numa sociedade de classes, é perpassada pela polissemia.



O discurso não pode ser definido da mesma forma que a linguagem e isto se deve a três motivos principais: em primeiro lugar, o discurso e a linguagem não são a mesma coisa pelo motivo de que a linguagem é principalmente um meio de expressão enquanto que o discurso é fundamentalmente expressão. Em outras palavras, o discurso se manifesta através da linguagem e a linguagem é o meio de manifestação do discurso. Todo discurso é transmitido através da linguagem, mas a linguagem pode ser portadora de diversos discursos.



Em segundo lugar, linguagem e discurso, numa sociedade classista, se distinguem pelo fato de que a primeira é polissêmica (e é por isso que ela pode ser portadora de diversos discursos) e o segundo é unissêmico, ou seja, possui uma coerência semântica. Se na linguagem uma palavra possui significados diferentes dependendo de quem a profere, no discurso só existe um significado próprio que pode, em certos casos, conviver com diversos significados alheios. Tomemos um exemplo: a palavra economia. Esta palavra pode possuir diversos significados na linguagem corrente, mas no discurso só pode possuir um significado próprio. Na linguagem corrente a palavra economia pode significar: 1) Produção: este sentido da palavra pode ser encontrado em frases do tipo: “o nosso objetivo é estudar a economia (produção) política do signo”; 2) Ciência Econômica: tal significado está presente neste tipo de frase: “a economia (ciência econômica) tem como objeto de estudo a distribuição de riquezas”; 3) Poupança: vê-se este significado expresso nesta frase: “o governo fez uma grande economia (poupança) este ano”; 4) Modo de Produção: este significado pode ser observado nesta frase: “a economia (modo de produção) determina, em última instância, toda a superestrutura jurídica, política e ideológica da sociedade”; 5) Forma de Organização Produtiva e/ou Distributiva das Riquezas: é neste sentido que se entende afirmações do tipo “em uma economia (forma de organização produtiva e distributiva) de mercado predomina a lei da oferta e da procura”; 6) Curso de Economia: tal como se percebe na frase, “ele fez economia (curso de economia) na Universidade de Brasília”.



Portanto, observamos a partir dos exemplos acima colocados que uma palavra na linguagem corrente pode ter mais de um significado e elencamos 6 significados diferentes atribuídos à palavra economia. Uma pesquisa aprofundada poderá descobrir outros significados atribuídos a esta palavra. E num discurso isto pode ocorrer? Sem dúvida, em um discurso a mesma palavra pode ter mais de um significado. Isto ocorre pelo motivo de que um discurso é composto por elementos internos e externos. Os elementos internos são a parte do discurso que apresenta suas características próprias, as atribuições de significado que lhes são própria, os elementos constituídos pelo próprio discurso. Os elementos externos são elementos auxiliares extraídos da linguagem existente (tradição, cultura popular, concepções filosóficas, políticas, religiosas, etc.).



Isto pode ocorrer sob diversas formas. Um elemento auxiliar pode se transformar em um elemento interno no decorrer do processo de formação de um discurso. A palavra “entretanto” é em todos os discursos um elemento auxiliar, mas se um filósofo criar uma “filosofia do entretanto” e fazer divagações sobre esta palavra e lhe atribuir um significado mais amplo do que o comum, então ela se torna, no discurso deste filósofo, um elemento interno. A expressão “clareira”, por exemplo, é uma palavra comum e que na maioria dos discursos geralmente assume a posição de elemento externo, mas na filosofia de Heidegger isto se altera e a palavra ganha um significado e importância que lhe torna um elemento interno do seu discurso. Daí a importância do desenvolvimento histórico de um discurso.



Outro caso é quando num determinado grupo social uma palavra possui um significado bastante difundido e alguém realiza uma ressignificação ou mutação de sentido da palavra, mas mantém o uso da palavra no sentido tradicional. É isto que ocorreu com a palavra alienação no discurso de Marx, por exemplo. Marx utilizou o termo alienação no sentido tradicional que lhe era atribuído na filosofia alemã (principalmente por Hegel e pelos neo-hegelianos) em revezamento com o sentido novo que ele mesmo atribuiu ao termo (Viana, 1995). O mesmo ocorre quando um marxista utiliza a expressão economia como sinônimo de modo de produção e como sinônimo de ciência econômica, ou seja, usa o termo como elemento interno do discurso marxista e como elemento externo, auxiliar, o que significa usar o termo em dois sentidos diferentes, um de acordo com o discurso e outra de acordo com um dos significados da palavra na linguagem comum.
O conjunto dos elementos internos de um discurso forma a sua estrutura. O conjunto de elementos auxiliares (externos) forma a sua conjuntura. A estrutura do discurso é composta por seus elementos intrínsecos e permanentes e a conjuntura por seus elementos auxiliares, retirados da linguagem cotidiana ou de outros discursos, e passageiros, não sendo parte fixa do discurso. As unidades do discurso (as palavras, os conceitos, as noções, etc.) são estruturais ou conjunturais. O caráter destas unidades (estruturais ou conjunturais) e o seu sentido são definidos de acordo com a estrutura do discurso, ou o que podemos chamar de contexto discursivo. Mas este papel das unidades do discurso pode ser alterado com o desenvolvimento deste discurso. Entretanto, e é aqui que reside uma das diferenças fundamentais entre linguagem e discurso, pois neste último um termo só pode ter um significado estrutural e é aí que se encontra o seu caráter unissêmico. O discurso é unissêmico em sua estrutura, embora possa ser polissêmico em seus elementos auxiliares (conjuntura).



Em terceiro lugar, o discurso não é tão amplo quanto a linguagem. A fronteira que separa a linguagem e o discurso não é muito fácil de se ver, mas, devido ao que foi dito anteriormente, podemos colocar o seguinte: a linguagem, tal como foi acima definida, pode ser subdividida (linguagem religiosa, científica, filosófica, popular, etc., bem como em suas subdivisões, as linguagens especializadas no interior da ciência, por exemplo) e isto significa que nela convive o geral e o particular, mas o discurso só enfatiza o que é particular. Na linguagem há a heterogeneidade e no discurso há a homogeneidade. Na linguagem em geral há a polissemia e no discurso há apenas a unissemia, pelo menos em sua estrutura Sem dúvida, o discurso é uma forma de manifestação da linguagem, embora seja uma forma particular de manifestação e é desta particularidade que vem sua definição e distinção.



Existiram poucas tentativas de definição do discurso. Uma das primeiras tentativas neste sentido foi a de Émile Benveniste: “deve-se entender por discurso em sua extensão mais ampla: toda enunciação que pressupõe um locutor e um ouvinte e, no primeiro, a intenção de influenciar o outro de algum modo” (apud. Kuroda, 1983, p. 121). Para Foucault, o discurso é “um conjunto de enunciados que se remetem a uma mesma formação discursiva” (apud. Brandão, 1997, p. 28). Pêcheux, por sua vez, opõe sistema da língua e discurso:



“O sistema da língua é, de fato, o mesmo para o materialista e para o idealista, para o revolucionário e o reacionário, para aquele que dispõe de um conhecimento dado e para aquele que não dispõe desse conhecimento. Entretanto, não se pode concluir, a partir disso, que esses diversos personagens tenham o mesmo discurso: a língua se apresenta, assim, como a base comum de processos discursivos diferenciados, que estão compreendidos nela na medida em que (...) os processos ideológicos simulam processos científicos” (Pêcheux, 1988, p. 91).



Estas abordagens do discurso possuem seus momentos de verdade, mas em sua essência e totalidade não dão conta de oferecer uma definição adequada de discurso. Benveniste define o discurso pela existência de uma interlocução na qual o locutor busca influenciar o ouvinte. A interlocução é uma característica da comunicação humana e por isso não pode caracterizar o discurso, uma modalidade específica de sua manifestação. O elemento complementar, a persuasão, é característico de alguns discursos (político, religioso, científico, etc.), mas não de todos, tal como se pode exemplificar pelo discurso de pessoas indecisas ou de outras sobre assuntos desconhecidos. A concepção foucaultiana dilui o discurso na “formação discursiva”, uma abstração metafísica. A definição de Pêcheux, por sua vez, parte de uma separação metafísica entre língua e discurso, que mantém a dicotomia saussuriana entre uma estrutura formal invariante, a língua, e suas manifestações concretas, a fala. O discurso estaria no segundo caso, o que demonstra que Pêcheux não percebeu que o primeiro caso só existe na concepção ideológica de Saussure e nunca na realidade concreta. Partindo da percepção da insuficiência destas concepções, retomemos nossa definição de discurso.



Podemos definir o discurso da seguinte maneira: é uma manifestação concreta e delimitada da linguagem. As suas partes constitutivas são a estrutura e a conjuntura e o caráter de sua estrutura é unissêmico. Isto quer dizer que o discurso é algo concreto e delimitado, ou seja, é sempre o discurso de um autor, de uma escola, de um grupo social, etc., que possui uma estrutura unissêmica e é uma totalidade. Assim, o discurso é uma manifestação particular, específica, concreta da linguagem e que possui uma estrutura unissêmica, sendo, pois um todo coerente e organizado, embora o nível de coerência e organização varie dependendo do discurso. A coerência e organização dependem de quem profere o discurso.



É importante não perder de vista que um discurso é sempre o discurso de alguém. O discurso é sempre manifestação discursiva de quem o profere. Ele é a manifestação de um ser consciente – a consciência, segundo Marx, não é nada mais do que o ser consciente, que é um ser social (Marx e Engels, 1992) – por conseguinte, o indivíduo, grupo, etc., que profere o discurso sempre o faz a partir de sua posição no conjunto das relações sociais e da forma como concebe sua posição. O discurso, por conseguinte, é constituído socialmente e para descobrir seu processo de produção é preciso compreender o seu produtor. O discurso não é uma “entidade abstrata”, mera peça de uma unidade mais ampla chamada “formação discursiva”, como em Foucault, e sim uma manifestação concreta da linguagem, mas não é derivado e constituído pela linguagem e sim pelos seres sociais que usam a linguagem sob uma forma concreta e particular. Pensar que o discurso é um produto da linguagem ao invés dos seres sociais (mesmo que a linguagem crie obstáculos para a livre manifestação deles) é nada mais do que uma concepção fetichista da linguagem.



Quais são as condições de possibilidade para a formação de um discurso? Existem duas condições básicas: o contexto social e o contexto cultural. A condição de possibilidade de um discurso depende fundamentalmente do contexto social, ou seja, depende das transformações ou contradições existentes no conjunto das relações sociais. Este contexto social é o conjunto das relações sociais no qual emerge aquele que profere o discurso a partir de sua posição em tal contexto, o que implica tudo que é derivado daí (interesses, valores, etc.). As condições de possibilidade do discurso científico (que, por sua vez, carrega uma multiplicidade de discursos no seu interior) estão ligadas ao processo histórico de constituição da sociedade capitalista. A ascensão da moderna sociedade capitalista trouxe consigo um enorme desenvolvimento das forças produtivas e a necessidade de aumentar o controle sobre o meio ambiente visando à maximização do lucro (o que proporciona o desenvolvimento das ciências naturais) e sobre a sociedade para conservá-la e lhe permitir um desenvolvimento estável (o que proporciona o desenvolvimento das ciências sociais). Isto significa que é a luta de classes em um determinado período histórico que torna possível a formação do discurso científico. Mas uma vez instituído, o discurso tende a se cristalizar, tal como a sociedade que lhe produziu, tal como Fromm (1979) destacou se referindo à linguagem.



Entretanto, para que esse discurso possa existir é necessária outra condição: o contexto cultural. Ora, o discurso científico não poderia surgir imediatamente do contexto social, pois é necessária a mediação de formas de pensar, de palavras, de concepções. A sociedade capitalista surge dos escombros da sociedade feudal, mas a ciência não poderia derivar diretamente da teologia, que era a forma dominante de ideologia dominante no feudalismo. O combate entre burguesia e nobreza feudal forjou as armas culturais que a primeira utilizaria para a combater a segunda e posteriormente formar sua própria forma de ideologia e seu próprio discurso. Estas armas foram retiradas da sociedade escravista que havia criado a filosofia (Viana, 2000). O renascimento e o iluminismo produziram o contexto cultural necessário que possibilitou a superação da teologia e para a formação da ciência. Além disso, há a fonte representada pelos elementos apontados por Fromm, a língua e suas características próprias, que, devido sua homologia com a sociedade que a produz, também cria determinações na formação de um discurso.



Portanto, o contexto social e o contexto cultural formam as condições de possibilidade de formação de um discurso. Mas tanto um quanto o outro são formas de expressão da luta de classes e isto significa que as condições de possibilidade de um discurso estão indissoluvelmente ligadas ao desenvolvimento histórico das lutas de classes e cada discurso corresponde ao interesse de uma ou outra classe em luta. Ou seja, não se pode deixar de lado o fato de que o discurso é um produto social, isto é, uma produção dos indivíduos que pertencem a determinados grupos sociais. Assim, o processo de constituição de um discurso possui “múltiplas determinações”, sendo que o contexto social é sua determinação fundamental e o contexto cultural sua determinação formal, embora exista uma influência recíproca entre ambos. Mas isto é realizado efetivamente pelos indivíduos, seres humanos concretos, que através de seu processo histórico de vida são formados por estes contextos, mas através da especificidade de cada vida individual, o que permite múltiplas formas de discursos, principalmente derivados de grupos sociais nos quais eles estão inseridos ou envolvidos, fundamentalmente nas classes sociais (Marx & Engels, 1992).



O discurso possui duas partes constitutivas: a estrutura e a conjuntura. Estas partes, por sua vez, possuem os termos (palavras, noções, conceitos, etc.) como unidades constitutivas. Na estrutura do discurso a ligação entre os termos ocorre de forma articulada e na conjuntura de forma desarticulada. Esta articulação pode ser espontânea ou planejada. A estrutura do discurso é unissêmica e a conjuntura é polissêmica e ela pode ser coerente ou não com a estrutura. Em alguns discursos predominam a estrutura e em outros a conjuntura, dependendo do seu nível de articulação e organização.
O sentido das palavras estruturantes do discurso devem ser descobertas na sua articulação interna e o sentido das palavras conjunturais do discurso remete ao seu papel na totalidade do discurso. Em outras palavras, para se compreender o sentido de uma palavra (o que significa realizar um estudo semântico) é preciso nos remeter ao contexto discursivo no qual tal palavra está inserida. Portanto, para se entender a unidade do discurso é preciso compreender sua totalidade e para se compreender esta é necessário compreender aquela. Quando se focaliza as unidades do discurso (os termos) se faz um estudo semântico e quando se focaliza sua totalidade (estrutura, conjuntura) se faz uma análise do discurso. Entretanto, ambos os procedimentos são necessários e se complementam.



Entretanto, um discurso é estruturado no interior de um contexto social e cultural, sendo, pois, perpassado pela luta de classes e sendo assim a totalidade do discurso está inserida numa totalidade mais ampla, que é a totalidade da sociedade que lhe produz e determina. Este é um ponto essencial para a compreensão do discurso e, portanto, para a sua relação com o poder. Desta forma observamos que o discurso possui uma estrutura, que é o seu conteúdo, a concepção que ele carrega, possui uma conjuntura, que são os elementos da linguagem que servem de auxílio para a sua transmissão.



Como se manifesta a luta de classes no discurso? Ele se manifesta de acordo com as relações de poder na sociedade, o que significa que existe a supremacia da classe dominante, que se manifesta sob várias formas. Iremos destacar tal supremacia para depois apontar para o processo de resistência realizado pelas classes exploradas.



Para analisar a relação entre discurso e poder podemos lançar mão de um conjunto de contribuições, tais como as da análise do discurso, Bourdieu, Foucault, Bakhtin, Fromm, entre outros. Alguns destes autores se referem ao discurso propriamente dito, outros abordam a linguagem, isto é, um fenômeno mais amplo. No entanto, consideramos que a discussão referente ao problema da linguagem e poder também se aplicam ao caso particular do discurso e por isso iremos apresentar ambos os casos, mas compreendendo que a discussão referente ao fenômeno mais amplo – a linguagem – se aplica ao discurso.



Comecemos pela contribuição da análise do discurso. Existe uma discussão sobre o discurso que busca superar a concepção apresentada pela lingüística estruturalista, entendendo-o como uma ação social, realizada por um “sujeito” (indivíduo, grupo social etc.). Assim, o discurso é sempre proferido por alguém. Ele não é autônomo e nem é neutro. Todo discurso é discurso de alguém e a compreensão das razões do discurso nos leva a buscar compreender quem o proferiu e em que condições sociais ele foi produzido. A partir destas colocações já podemos deixar claro a divergência com a perspectiva da lingüística estruturalista, tal como fundada por Saussure (1995) e desenvolvida por seus continuadores.
Estas idéias estão presentes na contribuição de algumas abordagens da lingüística que estão mais próximas de uma perspectiva sociológica, em especial a teoria da enunciação ¾ tal como representada por Mikhail Bakhtin (1990) ¾ e da análise do discurso. Bakhtin irá trazer para a esfera da linguagem a idéia de luta de classes e assim rompe com a idéia de pretensa inocência do discurso, pois ele é perpassado (até em suas unidades mais simples, tal como o signo) pelos conflitos de classes e, portanto, possui caráter social e está intimamente ligado com as relações de poder na sociedade.
A análise do discurso, por sua vez, nos trará diversas contribuições. Esta se caracteriza, entre outras coisas, em romper com a dicotomia rígida entre língua (estrutura invariante da linguagem) e fala (manifestação concreta da linguagem) inaugurada pela lingüística estruturalista de Saussure: “embora reconhecendo o valor da revolução lingüística estruturalista provocada por Saussure, logo se descobriram os limites dessa dicotomia pelas conseqüências advindas da exclusão da fala do campo dos estudos lingüísticos” (Brandão, 1997, p. 9).



O discurso é produzido e reproduzido socialmente e seu estudo, portanto, deve incorporar não apenas sua estrutura formal, mas principalmente o seu caráter social. Porém, nem sempre os adeptos da análise do discurso conseguiram efetivar este projeto. Coube à chamada “escola francesa da análise do discurso” levar esta perspectiva até suas últimas conseqüências e isto proporcionou, segundo Brandão (1997), a demolição do muro que separava lingüística e sociologia.



A escola francesa de análise de discurso nasce da tentativa de articulação entre lingüística, marxismo e psicanálise e tem como característica articular “o lingüístico com o social” (Brandão, 1997, p. 17), trabalhando de forma interdisciplinar ao tomar em consideração as contradições de diversas ciências humanas (história, sociologia, psicologia, etc.). Porém, a análise do discurso busca se distinguir das demais correntes da lingüística e para fazer isto deve incluir novas dimensões, tal como colocou Maingueneau (apud. Brandão, 1997), a saber:



1. O quadro das instituições em que o discurso é produzido, as quais delimitam fortemente a enunciação;



2. Os embates históricos, sociais, etc. que se cristalizam no discurso;
3. O espaço próprio que cada discurso configura para si mesmo no interior de um interdiscurso.



Portanto, temos aqui uma concepção que remete ao estudo da instituição onde o discurso é produzido, aos conflitos históricos e sociais, além de levar em consideração a configuração do espaço próprio de um discurso no contexto de um meio discursivo.



Neste momento devemos colocar em discussão a relação entre discurso e poder. Nesta discussão iremos retomar algumas considerações de Foucault sobre este tema, lembrando que ele exerce uma grande influência sobre a escola francesa de análise do discurso. Segundo Foucault,



“Em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade” (Foucault, 1996, p. 8-9).



Assim, o poder impede a manifestação livre do discurso. Cria um processo de exclusão através da interdição e também (no caso da oposição entre razão e loucura) da separação e rejeição.



Porém, não devemos esquecer as diferenças entre Foucault e outras abordagens do discurso, tais como as de Bakhtin e algumas tendências da análise do discurso. Foucault apresenta uma concepção metafísica de poder (Viana, 2000), pois ele está difuso na sociedade e está em todo lugar, sendo mais uma relação do que uma propriedade (Foucault, 1986; Foucault, 1983). Em Bakhtin, por exemplo, existe o poder, mas ele não é autônomo e sim a incorporação da dominação de classe que também se encontra na esfera do discurso. A fonte da diferença, neste caso, está no estruturalismo de Foucault e no marxismo de Bakhtin.



Mas precisamos também analisar o processo de censura do discurso, ou seja, como tal processo é concretamente realizado. Foucault trata disto, ao colocar que em nossa sociedade existem procedimentos de exclusão e interdição, mas também da separação e da rejeição. Esta é a esfera que produz a segregação da loucura. Mas, além destas, existe também a “vontade de saber”, a busca da verdade que delimita o verdadeiro e o falso. Segundo Foucault,



“Dos três sistemas de exclusão que atingem o discurso, a palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade de verdade, foi do terceiro que falei mais longamente. É que, há séculos, os primeiros não cessaram de orientar-se em sua direção; é que, cada vez mais, o terceiro procura retomá-los, por sua própria conta, para, ao mesmo tempo, modificá-los e fundamentá-los; é que, se os dois primeiros não cessam de se tornar mais frágeis, mais incertos na medida em que são agora atravessados pela vontade de verdade, esta, em contrapartida, não cessa de se reforçar, de se tornar mais profunda e mais incontornável” (Foucault, 1996, p. 19).



Mas quem efetiva isto? Com que objetivo? De que forma? Tais questões, do nosso ponto de vista, devem ser respondidas em uma concepção não-foucaultiana. É preciso perceber que a abordagem de Foucault possui uma limitação que está no cerne do seu próprio discurso. Tal limitação está nas características próprias do discurso filosófico, que se constitui com um saber reflexivo e especulativo, não chegando nunca ao fenômeno concreto (Viana, 2000). Isto é reforçado por sua concepção considerada “estruturalista”, que cria um obstáculo para se perceber os agentes e produtores do discurso e suas lutas.



De qualquer forma, a relação que Foucault faz entre discurso e poder ¾ que pode muito bem ser integrada numa concepção conflitual fundamentada na luta de classes, tal como expresso na obra de Bakhtin e na escola francesa de análise do discurso, que lança mão explicitamente da obra de Foucault ¾ é de fundamental importância para se compreender o engendramento de um discurso no interior de uma instituição.



Segundo Foucault, toda forma de saber é produto das relações de poder e um “novo poder” gera um “novo saber”. Assim se pode dizer que o poder sobre os “loucos” gera a psiquiatria, o poder exercido sobre os estudantes a pedagogia, etc. Assim, Foucault nos oferece concreticidade quando se trata de “discursos específicos”, aqueles que são produzidos e reproduzidos em determinadas instituições. Portanto, segundo a abordagem foucaultiana, o discurso é produzido no interior de uma instituição e por isso possui características próprias em cada instituição. Isto significa que existem formas de discurso que correspondem a formas de poder. Temos as instituições sociais que criam e controlam determinadas formas de discurso e impedem a manifestação de outras formas.



Erich Fromm (1979) nos oferece, através de sua tentativa de síntese do pensamento de Marx e Freud e de sua contribuição original, alguns elementos para pensarmos a censura na esfera do pensamento, da consciência. Segundo Fromm, toda sociedade apresenta um filtro social que permite a consciência de determinadas experiências ou não. Isto quer dizer que tal filtro social é condição de possibilidade do discurso e simultaneamente o seu censor, ou seja, ele não só determina o que pode e dever ser dito como também o que não deve e não pode ser dito, sendo, ao mesmo tempo, coercitivo e repressivo, positivo e negativo.



Erich Fromm coloca três elementos que segundo ele compõem este filtro social. O primeiro elemento é o sistema conceptual produzido em determinada sociedade. Fromm afirma que



“Para que qualquer experiência chegue à consciência, deve ser compreensível segundo as categorias em que o pensamento consciente está organizado. Só posso adquirir consciência de qualquer ocorrência, dentro ou fora de mim, quando ela se relaciona com o sistema de categorias dentro do qual se fazem as minhas percepções. Algumas dessas categorias, como tempo e espaço, podem ser universais, e constituir categorias de percepção comuns a todos os homens. Outras, como a causalidade, podem ser válidas para muitas, mas não para todas as formas de percepção consciente. Outras categorias são ainda menos gerais e diferem de cultura para cultura. Numa cultura pré-industrial, por exemplo, as pessoas podem não atribuir a certas coisas um valor comercial, ao passo que no sistema industrial isso não ocorrerá. De qualquer modo, a experiência só pode adquirir consciência sob a condição de ser percebida, relacionada e ordenada em termos de um sistema conceptual e de suas categorias. Esse sistema é, em si, o resultado da evolução social. Toda sociedade, pela sua prática de vida e pelo seu modo de relações, de sentir e perceber, desenvolve um sistema, ou categorias, que determinam as formas de percepção, ou consciência. Esse sistema trabalha, por assim dizer, como um filtro socialmente condicionado: a experiência não pode atingir a consciência se não se atravessar esse filtro” (Fromm, 1979, p. 110-111).



Há outro elemento de censura que se encontra na linguagem. Existem certas culturas, segundo Fromm, que a língua não fornece expressão para determinados fenômenos. No entanto, este é apenas um dos aspectos presentes na censura lingüística. Outros elementos seletivos e censuradores da língua se encontram em sua sintaxe, sua gramática e pela etimologia de suas palavras. Segundo Fromm, retomando Whorf, “a totalidade da linguagem representa uma atitude de vida, é uma expressão congelada da experimentação da vida de um certo modo” (Fromm, 1979, p. 112). Fromm cita como exemplo a preferência, em nossa sociedade, por substantivos ao invés de verbos, pois estes expressam atividades e aquelas propriedades, o que está de acordo com uma sociedade em que o ter (sociedade fundada na propriedade privada, na acumulação e no consumismo) predomina sobre o ser.



Outro elemento do filtro social é a lógica. Esta é considerada como “natural e universal”, mas é apenas expressão de determinada formação social. Este é o caso da lógica aristotélica (formal) que predomina em nossa sociedade e que subordina as outras formas lógicas, tal como a lógica paradoxal (dialética), fazendo com que o princípio da identidade reine absoluto e ao mesmo tempo obscureça o princípio da contradição.



Mas existe um terceiro elemento do filtro social que é mais importante. Ele é constituído pelos “tabus sociais”. Eles apresentam determinadas idéias e sentimentos como sendo impróprios, perigosos, proibidos e os impedem de chegar ao nível da consciência. Desta forma, segundo Fromm, a consciência sofre uma censura da língua, da lógica e dos tabus sociais.



Assim, vemos concretamente o processo de censura da consciência. O indivíduo está submetido aos limites impostos por sua língua, sua lógica e pelos tabus sociais. Possui uma dificuldade lingüística e lógica de manifestar um discurso diferente e ainda tem os tabus sociais que reprimem as tentativas de se desvencilhar dos dois primeiros obstáculos anteriores. Podemos dizer que estes elementos presentes na consciência também estão presentes nas formas de discurso existentes em nossa sociedade.



Assim, o discurso é sempre um determinado discurso. Aqui podemos retomar a contribuição de Foucault sobre a interdição, a segregação, a rejeição. A classe dominante predomina em todas as instituições sociais, comandando o processo de produção e reprodução do discurso. O discurso científico, o discurso político, o discurso religioso etc., são controlados por aqueles que detêm o poder. Tomemos o exemplo do discurso científico. Não é qualquer discurso que consegue o status de científico e nem que atinge a legitimidade em sua esfera. O discurso científico delimita o seu campo de atuação e se auto-define, excluindo tudo o que escapa da camisa de força que ele produz. A ciência passa a ser cercada de um conjunto de critérios definidores (os chamados “critérios de cientificidade”), técnicas, objetivos, formas de procedimento, que tem o efeito de impedir a manifestação de um discurso crítico. A epistemologia e a metodologia são partes deste processo de interdição no discurso científico. Para muitos, por exemplo, o marxismo e a psicanálise, devido ao caráter subversivo do primeiro e do potencial crítico do segundo, não são discursos científicos, pois, para uns, não são “neutros” e, para outros, não podem ser “refutados” por pesquisas empíricas (não há como refutar a teoria do valor-trabalho ou a teoria do inconsciente através de dados empíricos). A interdição do discurso marxista e psicanalítico vem acompanhada pela rejeição destes e outras formas de discurso. Mas, além disso, atua a legitimação de uma forma de saber pelos especialistas nele, tal como colocou Bourdieu. Este autor contribui de forma especial quando alerta para o fato de que os discursos não servem somente à classe dominante, mas também aos especialistas que os produzem (embora devamos acrescentar que tais especialistas, ao produzirem os seus discursos de acordo com os seus interesses, reproduzem os interesses da classe dominante, o que o próprio Bourdieu reconhece). Segundo Bourdieu,



“As ideologias devem a sua estrutura e as funções mais específicas às condições sociais da sua produção e da sua circulação, quer dizer, às funções que elas cumprem, em primeiro lugar, para os especialistas em concorrência pelo monopólio da competência considerada (religiosa, artística etc.) e, em segundo lugar e por acréscimo, para os não-especialistas. Ter em mente que as ideologias são sempre duplamente determinadas – que elas devem as suas características mais específicas não só aos interesses das classes ou das frações de classe que elas exprimem (função de sociodicéia), mas também aos interesses específicos daqueles que as produzem e à lógica específica do campo de produção (comumente transfigurado em ideologia da ‘criação’ e do ‘criador’) – é possuir o meio de evitar a redução brutal dos produtos ideológicos aos interesses das classes que servem (efeito de ‘curto-circuito’ freqüente na crítica ‘marxista’) sem cair na ilusão idealista a qual consiste em tratar as produções ideológicas como totalidades auto-suficientes e autogeradas, passíveis de uma análise pura e puramente interna (semiologia)” (Bourdieu, 1989, p. 13).



Bourdieu também considera que existe uma homologia entre o campo da produção ideológica e o campo da luta de classes, sendo que o primeiro realiza uma “eufemização” do segundo, realizado “uma imposição mascarada”, não percebida nem pelos seus produtores. Assim, o discurso especializado reproduz as taxinomias políticas sob um sistema de classificação aparentemente neutro e legítimo (filosófico, jurídico, religioso etc.). No caso específico do discurso científico, temos uma disputa na esfera científica (ou, segundo linguagem de Bourdieu, “campo científico”, que mereceria, por sua vez, uma análise do discurso...) que define o que é ciência e o que é legítimo (Bourdieu, 1994). Nesta disputa, o discurso científico se assume enquanto “verdadeiro”, “objetivo”, criando a ilusão da “ausência do sujeito” (Greimas, 1976).



Assim, Foucault e Bourdieu nos fornecem elementos para pensar a produção do discurso como produto das relações de poder na sociedade. Aqui podemos nos reencontrar também com Bakhtin e a teoria da luta de classes em torno do signo. Também nos reencontramos com a tese de Ardiner a respeito dos grupos silenciados. Segundo esta teoria, os grupos dominantes na sociedade silenciam a voz dos grupos dominados e a voz destes ¾ quando aparece, nos raros casos em que isto ocorre ¾ o faz sob a linguagem própria dos dominantes. Este silenciamento dos grupos dominados (Ardiner, apud. Moore, 1991) ou o predomínio da classe dominante na esfera do discurso (Bakhtin, 1990) são elementos que podem ser, juntamente com a tese de Bourdieu, integrados numa análise que se utiliza da concepção foucaultiana de discurso em sua relação com o poder.



No entanto, a resistência também ocorre na esfera do discurso. A resistência se forma a partir tanto no interior do próprio discurso dominante (científico, religioso, jurídico, artístico etc.) como também contra ele. No primeiro caso, muitas vezes o discurso crítico acaba sucumbindo e sendo assimilado pelo discurso dominante e, no segundo, ele é marginalizado socialmente, pois se institui fora das instituições sociais. Um exemplo do primeiro caso podemos encontrar no marxismo e sua relação com o discurso científico. O discurso científico possui uma formação conservadora por natureza, expressa em alguns de seus princípios, tais como o da neutralidade, mas também em outros elementos, como sua identificação com o empírico, retirando da análise do real a categoria de possibilidade, e, por conseguinte, a sua historicidade.



O marxismo, ao contrário, nega a neutralidade (considerando ela impossível e ao mesmo tempo indesejável em certos casos, pois o que é obstáculo ao desenvolvimento da consciência não são os valores em si e sim determinados valores, especialmente os valores burgueses) e coloca como fundamental a categoria da possibilidade e a historicidade do real. No entanto, o marxismo acabou penetrando nas instituições acadêmicas e aí houve uma verdadeira luta cultural, onde, de um lado, os representantes das instituições e dos interesses da classe dominante buscaram rejeitar o marxismo ou assimilá-lo, transformando-o em mais uma forma, entre outras, de discurso científico.



É assim que Marx se torna um “clássico da sociologia” sem nunca ter sido sociólogo, bem como da economia, da ciência política, da filosofia. Aqui reside mais uma diferença entre marxismo e ciência: ele ao buscar abarcar a totalidade da vida social, torna todo o existente como seu domínio temático, não cabendo, tal como colocou Korsch (1977), em nenhuma das “gavetas” entre as intituladas ciências humanas, pois ele “passeia” por todas, não sendo um discurso especializado sobre uma parte recortada da realidade tal como as diversas disciplinas científicas. Ele foi integrado ao discurso dominante ou rejeitado, como não-científico.



O próprio marxismo teve consciência disto e isto foi expresso através de diversas formas. Para alguns, como Kautsky (1980), tratava-se de distinguir entre “ciência burguesa” e “ciência proletária”, bem como para vários pensadores do fim do século 19 e início do século 20. Esta solução, aparentemente agradável, pois atraía para o marxismo o status (socialmente supervalorizado) de ciência e ao mesmo tempo o distinguia da ideologia científica burguesa, apenas facilitou o processo de assimilação do marxismo pelo discurso dominante. Foi isto que permitiu o surgimento do chamado “marxismo acadêmico”, inteiramente subordinado ao discurso científico e, portanto, já totalmente assimilado pelo seu adversário. Daí nasceu a nova resistência, já esboçada por Karl Korsch, que já afirmava que o marxismo não poderia ser considerado uma ciência, no “sentido burguês do termo”. Posteriormente, outros marxistas irão retomar tal distinção visando impedir tal assimilação, tal como Fougeyrollas (1990), que afirmou que “o casamento do marxismo com as ciências sociais é tão impossível quanto o do fogo com a água”.



Mas outras formas de discurso crítico também tiveram experiências semelhantes, tal como o caso do discurso feminista, anarquista, entre outros. O discurso feminista, por exemplo, conseguiu perceber o sexismo no discurso científico, “as críticas feministas revelaram numerosas instâncias em que as hipóteses que orientavam os cientistas condicionavam o tipo de resultados (ou realidades) que a pesquisa poderia produzir. E, porque essas hipóteses orientadoras representam perspectivas masculinas predominantes, as realidades científicas tipicamente suprimem a voz feminina” (Gergen, 1993, p. 50). No entanto, apesar desta visão crítica da ciência, o trabalho de análise feminista continua na esfera científica e subordinado a ele (reforçado pelos laços institucionais). Uma “epistemologia feminista” continua sendo uma epistemologia e continua no domínio discursivo que busca se desvencilhar, o que significa que a ruptura parcial acaba integrando os “opostos”, limitando a crítica e a superação do discurso dominante.



Assim, o discurso contestador existe e às vezes é subordinado ao discurso dominante, perdendo sua radicalidade, às vezes resiste e cai na marginalidade, às vezes faz compromissos e realiza uma crítica parcial. Ele pode surgir sob diversas formas e possuir um nível mais ou menos elevado de articulação e complexidade (tal como no exemplo do discurso religioso contestador presente nas rebeliões camponesas na época de transição do feudalismo para o capitalismo).



Resta destacar o caráter mobilizador do discurso. Sem dúvida, a relação entre discurso e poder não pode ser vista apenas partindo da visão de como as relações de poder constituem o discurso, mas é preciso perceber também como o discurso reproduz e assume, ele mesmo, a forma de uma relação de poder.



O discurso como sinal de distinção e superioridade social foi analisado por Bourdieu em seus vários escritos. Alguns pensadores já colocaram que o discurso científico produz práticas, técnicas e tecnologias que reproduzem o poder (Marcuse, 1982; Habermas, 1988). Mas esta análise do discurso científico se aplica também ao discurso religioso e a história é pródiga em mostrar o que um discurso pode fazer, tanto no sentido da conservação quanto da transformação. Neste sentido, “saber é poder”, tal como disse Bacon, mas em um duplo sentido.



No entanto, o próprio discurso pode ser uma manifestação do poder. O discurso censurador, por exemplo, é uma manifestação do poder. O discurso é censurado, mas não todo discurso, assim alguns discursos (e podemos dizer que alguns elementos gerais em todos os discursos), principalmente aqueles produzidos por indivíduos das classes exploradas e grupos oprimidos. O discurso da classe dominante e suas classes auxiliares não sofre tanta censura e, na maioria das vezes, são censuradores. Na concepção metafísica de Foucault, a censura simplesmente existe como se fosse algo característico do discurso e não um processo histórico e social. O discurso censurador impede a manifestação de outros discursos, cria determinados discursos e impede/produz determinadas ações. O discurso de um líder fascista é mobilizador e censurador dos discursos opostos.



Assim, o discurso é não só limitado por quem detém o poder, mas ele é reprodutor do poder e uma de suas formas de manifestação. No entanto, não é todo o discurso, mas sim o discurso de quem detém o poder. O discurso dos explorados e oprimidos pode e muitas vezes é um discurso emancipador, quando ele rompe com a censura do discurso dominante ele se transforma num meio de libertação. Por conseguinte, é preciso saber qual discurso e de quem é o discurso para saber de suas tendências, reprodutoras do poder ou questionadoras dele. O discurso de Marx sobre a Comuna de Paris, por exemplo, é emancipador, libertário. Por isso, o discurso pode tanto ser um reprodutor do poder como ser crítico do poder, bem como ser manifestação do poder ou manifestação da luta contra o poder.




Referências Bibliográficas




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Artigo publicado originalmente na Revista História e Luta de Classes, Rio de Janeiro-RJ, v. 01, n. 02, p. 19-27, 2005 e republicado no livro: VIANA, Nildo. Linguagem, Discurso e Poder. Pará de Minas, Virtualbooks, 2008.




* Professor da UFG – Universidade Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela UnB – Universidade de Brasília.

sábado, 4 de abril de 2009

Seminário Internacional A TEORIA POLÍTICA DE ROSA LUXEMBURGO


Chamada de trabalhos


SEMINÁRIO INTERNACIONAL “A TEORIA POLÍTICA DE ROSA LUXEMBURGO”

Natal, 17 a 20 de junho de 2009


Com este seminário busca-se resgatar a importante contribuição de Rosa Luxemburgo no campo da teoria política há 90 anos de seu assassinato. Propõe-se abrir um espaço para a discussão dos principais conceitos desenvolvidos pela revolucionária polonesa, que possibilite uma maior difusão de sua obra entre alunos da graduação, alunos da pós-graduação, professores, pesquisadores, militantes sociais e público em geral. Objetivo Geral: Gerar um âmbito de debate e reflexão sobre as contribuições de Rosa Luxemburgo no âmbito da teoria política. Objetivos Específicos: · Difundir a obra da revolucionária polonesa e despertar o interesse pelas suas importantes análises sobre os fenômenos políticos. · Contar com a presença de figuras de renome internacional que permitam estabelecer um diálogo de alto nível sobre as contribuições teóricas de Rosa Luxemburgo. · Examinar as relações entre a democracia, a participação, a autodeterminação popular, a revolução e o socialismo, manifestas na obra desta destacada pensadora marxista. Justificativa: Em virtude das transformações sócio-políticas que vêm acontecendo na América Latina nestes últimos anos e do protagonismo que vêm conquistando as massas populares em vários países do continente, considera-se que as agudas observações de Rosa Luxemburgo devem constituir peças-chave na impostergável revisão dos eixos em torno dos quais se articula a teoria política contemporânea. Desprende-se, disto, a crescente necessidade de questionar as definições que a Ciência Política majoritariamente oferece quando, por exemplo, a democracia é alvo da análise, para desenvolver, no seu lugar, outras categorias e outros conceitos. Categorias e conceitos que dêem conta da complexidade do fenômeno democrático nos países latino-americanos. Assim sendo, o resgate da obra desta pensadora, de cujo assassinato se completaram 90 anos, torna-se fundamental. Ao longo de seus escritos – e da sua própria militância dentro do socialismo revolucionário internacional – ela oferece preciosas contribuições para toda e qualquer tentativa de reformulação do arcabouço teórico e do arsenal analítico usualmente utilizado na Ciência Política ao abordar os fenômenos políticos.


Atividades previstas:

· Conferências com a participação de convidados internacionais.

· Mesas-Redondas.

· Sessões de apresentação de trabalhos.

· Oficina “Rosa Luxemburgo e a questão democrática” destinada a estudantes universitários e militantes.


Participarão no Seminário como convidados:

· Michael Löwy (École de Haute Etudes em Sciences Sociales)

· Isabel Loureiro (Fundação Rosa Luxemburgo)

· Atílio Boron (Universidad de Buenos Aires)

· Eleni Varikas (Université Paris VIII)


Cronograma:


30/04/2009 – Data limite para o envio de resumos (1.300 caracteres incluindo espaços)


07/06/2009 – Data limite para o envio dos trabalhos (50.000 caracteres incluindo espaços)17 a


20/06/2009 – Realização do Seminário


A organização do evento procurará financiar a hospedagem dos alunos, professores e/ou pesquisadores que participem como apresentadores de trabalho no Seminário.


Maiores informações e envio dos resumos e trabalhos: Prof. Gabriel E. Vitullo – gvitullo@hotmail.com


Organização:


Departamento de Ciências Sociais e Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Blog específico de Sociologia do Cinema

O blog "Cinema e Sociedade - Breves Análises Fílmicas" é um blog derivado do Informe e Crítica e os textos postados são todos relativos ao cinema, discutindo filmes e obras sobre filmes. Para acessar, basta clicar aqui.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Ética e Autoria Intelectual

Ética e Autoria Intelectual

Nildo Viana

"O autor não é um mercador ou proprietário, mas um criador, um ser humano que
produz as suas obras para realizar as suas potencialidades".
O problema da autoria intelectual é abordado geralmente sob a ótica dos direitos autorais. Poucas vezes a questão da autoria intelectual é abordada sob o ponto de vista muito mais geral e importante que é o da ética. Entenda-se por ética não a moral e sim os valores fundamentais que devem acompanhar qualquer concepção humanista ou libertária, ou seja, estamos nos referindo a determinada ética, pois não consideramos que exista apenas uma ética. Assim, a questão reside em como a ética libertária aborda a questão da autoria intelectual. Os chamados “direitos autorais” são oriundos da visão da produção intelectual como propriedade e mercadoria. O autor, neste caso, se coloca como um proprietário ou mercador. O produto é uma mercadoria, ou propriedade, que só pode ser utilizada por outros se for comprada ou autorizada. Os direitos autorais são a forma mais explícita desta concepção burguesa de autoria intelectual. O respeito aos direitos autorais significa ou o pagamento por uma mercadoria ou então a autorização para o uso de uma propriedade. Do ponto de vista de uma ética libertária ou humanista, a questão se coloca de forma diferente. O autor não é um mercador ou proprietário, mas um criador, um ser humano que produz suas obras para realizar suas potencialidades. O autor é aquele que cria, produz, uma determinada obra. A sua obra é uma objetivação do autor. O criador se manifesta através de sua criatura, e, por conseguinte, todos devem reconhecer quem é o criador da criatura. Não se trata, neste caso, de direito comercial ou de propriedade, mas de identificação entre autor e obra. Neste sentido, “desde que citada a fonte”, isto é, desde que se reconheça o autor da obra (esta é a “fonte principal”, e o local da “publicação” é uma fonte secundária, cuja revelação é útil, mas não faz parte da questão da autoria intelectual), está garantida a ética do ponto de vista humanista. Por isso, não há o menor sentido em certas revistas acadêmicas requerer do autor autorização para publicar sua obra em outro veículo de comunicação ao reservar para si os famigerados “direitos autorais”. Os direitos autorais então devem ser abolidos? A resposta seria positiva, desde que se pense em uma transformação social global. No entanto, nos marcos da atual sociedade, no qual as produções intelectuais e artísticas são “mercadorias”, então os direitos autorais ainda possuem uma função de proteção do autor, pois, caso contrário, alguns poderiam publicar e vender como mercadoria a obra de outros sem nem sequer necessitar sua autorização. A autoria intelectual gera, na sociedade capitalista, os direitos autorais. O problema ocorre quando se inverte esta lógica, quando os direitos autorais se sobrepõem à autoria intelectual, tal como no caso de alguém “comprar os direitos autorais” da obra de outro e este “perder” os seus “direitos”, o que revela, simultaneamente, alienação e mercantilização. Da mesma, forma, do ponto de vista ético, o autor deveria seguir os preceitos apontados por Marx: “o escritor deve ganhar dinheiro para poder viver e escrever, mas, em nenhum caso, deve viver e escrever para ganhar dinheiro”. Existe a ética do não-escritor diante do escritor, o que deve levar ao reconhecimento da autoria intelectual, e a ética do autor em relação ao leitor, que reconhece este último como ser humano e não como consumidor.
Publicado originalmente em:
http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=4595
Jornal A Página da Educação, Lisboa.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Revista Sociologia, Ciência e Vida, número 22


A Revista Sociologia, Ciência e Vida, em seu número 22, acaba de ser publicada.


Para acessar o site da Editora Escala e ter acesso a informações sobre este e outros números da revista, basta clicar na imagem ao lado.


A Revista Sociologia, Ciência e Vida é uma publicação da Editora Escala, bimestral, nas bancas de revistas de todo o Brasil.


Confira:

http://www.escala.com.br/detalhe.asp?id=10543&grupo=48&cat=248


Neste número: entrevistas, colunas sobre notícias, indicações de livros e filmes, artigo sobre indústria cultural e outro temas, tais como:


O Presidente Pop

A chegada de Barack Obama à Casa Branca simboliza a busca por mudanças sociais e mostra que o mundo está carente de mitos autênticos. Portanto não perca esta edição de Sociologia Ciência & Vida e saiba o que realmente podemos esperar dele. Trazemos ainda uma entrevista imperdível com Humberto Dantas - cientista político - falando sobre o lulismo, eleições de 2010 e o cenário político atual.

Ser cidadão já envolveu grandes lutas, exílios e atos que não devem ser esquecidos nunca. Por isso preparamos uma breve história da cidadania no Brasil. Imperdível!

E mais: A luta pelos direitos das mulheres; uma análise dos assuntos em destaque na TV; indicação de obras e filmes para lazer e cultura, além de teses e dissertações referentes á disciplina de Sociologia.

Não perca!

segunda-feira, 9 de março de 2009

quinta-feira, 5 de março de 2009

Marx está superado?



















MARX ESTÁ SUPERADO?

Por Nildo Viana

É corrente nos meios acadêmicos a afirmação de que Marx está superado. Até parece aquela velha história: uma mentira repetida centenas de vezes acaba passando por verdade. Desde o final do século 19 e início do século 20 se fala em "crise do marxismo" e não passam mais de cinco anos para aparecer alguém repetindo a fórmula da superação de Marx e do marxismo. O verdadeiro problema está em saber por qual motivo esta afirmação, apesar de todas as evidências em contrário, acaba sendo aceita por alguns, reproduzida por outros e ganha, em determinados momentos, ressonância acadêmica.

A insistência na superação do marxismo e das obras de Marx é tão grande que se faz necessário retomar as evidências contrárias a tal afirmação. Para se colocar que determinadas idéias estão ultrapassadas é preciso comprovar isto sob duas formas simultâneas: do ponto de vista da teoria e do ponto de vista da prática. Obviamente que muitas teses de Marx são criticadas (assim como diversos outros pensadores considerados "clássicos" e que ninguém diz estar "superados", tal como Weber, por exemplo). Como ele, enquanto indivíduo, morreu, então não pode responder.

No entanto, muitos concordam com suas teses e as defendem em seu lugar. Já se disse que para alguma idéia estar morta é preciso que ela não tenha mais defensores. Não é este o caso das idéias de Marx. Independentemente disto, é possível se afirmar que as teses de Marx foram refutadas cabalmente e que seus erros foram comprovados. Porém, nenhum pensador ainda conseguiu esta proeza. Alguns tentaram desacreditar algumas teses pontuais de Marx, mas além de não terem sido muito felizes, ainda encontraram vários outros criticando-os por seus equívocos, que vão desde a incompreensão do pensamento de Marx até a deformação, com raras exceções. Do ponto de vista prático, as idéias de Marx sobrevivem, tanto nos meios acadêmicos, quanto nos meios políticos. E se por acaso toma-se não o pensamento de Marx mas o marxismo, então a situação se complica, pois o número de teses e desdobramentos se revela quantitativamente elevado e qualitativamente complexo. Assim, tal comprovação não se realiza sob nenhum dos dois pontos de vistas, nem do teórico, nem do prático.

Sendo assim, como se pode acreditar na ingênua afirmação da ultrapassagem do pensamento de Marx? Não iremos discutir as fontes sociais deste posicionamento, desde as divergências políticas, passando pelas contrafações acadêmicas por motivos da competição interna da comunidade científica, até chegar aos eternos candidatos (acadêmicos ou políticos, à direita ou à esquerda) a substitutos de Marx, que precisam destruir o ídolo para se colocar no lugar dele. Basta, para nosso objetivo, apresentar a questão fundamental para entender esta aceitação da superação de Marx. Podemos dizer que por detrás desta tese subjaz uma visão do desenvolvimento do saber de matriz oriunda do senso comum, das representações cotidianas ilusórias. Trata-se de uma visão pautada numa concepção evolucionista do saber, segundo a qual, a melhor tese é a última veiculada, ou do último livro publicado, ou, ainda, do último sensacionalismo acadêmico. O caráter volúvel da opinião pública e dos meios acadêmicos fornece a explicação para o fenômeno do pensador que foi superado durante todo o século 20 e continua sendo superado até os dias de hoje, deixando de lado a contradição evidente: para quê superar o já superado? A resposta só pode ser: porque ainda não foi superado e por isso o esforço contínuo pela superação, uma versão contemporânea e grotesca do trabalho de Sísifo.

(*) Nildo Viana é professor da UEG - Universidade Estadual de Goiás, Doutor em Sociologia/UnB, e autor dos livros "Introdução à Sociologia" (Belo Horizonte, Autêntica, 2006); "Estado, Democracia e Cidadania" (Rio de Janeiro, Achiamé, 2003); "Heróis e Super-Heróis no Mundo dos Quadrinhos" (Rio de Janeiro, Achiamé, 2005); "A Dinâmica da Violência Juvenil" (Rio de Janeiro, Booklink, 2004), "Escritos Metodológicos de Marx" (Goiânia, Edições Germinal, 2001), entre outros.
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Artigo publicado originalmente em:
La Insignia, Jornal Ibero-Americano, maio de 2006:
http://www.lainsignia.org/2006/mayo/soc_003.htm

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